sábado, 16 de fevereiro de 2019

I – Dos acontecimentos

1. O sequestro
Na Delegacia de Polícia do Município de Bauru, aos 12 de novembro de 1970, o escrivão Cirineu Alves de Lima lavrou o Boletim de Ocorrência de nº 1464, por rapto, que atualmente se classificaria como sequestro.

Mara Lucia Vieira, nove anos de idade, filha de João Vieira e Leda Grossi Vieira, aos 11 de novembro de 1970, por volta das 16,00 horas, desaparecera de frente da sua residência. Não consta o autor do registro, no entanto, figuram testemunhas o menor Décio Luiz Venturini, 13 anos, amigo e vizinho de Mara Lucia, e Dalva do Carmo Gasparini Tavares, do lar, moradora próxima à residência dos pais da desaparecida.
O histórico não informa, por ausência de provas, se a menor foi retirada defronte de sua residência onde brincava – assinalou-se para esta possibilidade; se apanhada a caminho numa das ruas adjacentes; ou, se furtivamente, induzida ou não, tenha ido ao encontro de seu algoz.
Correto, no entanto, que o desaparecimento de Mara Lucia não foi mediante violência ou ameaça, e sim por meio de astúcia do sequestrador ou por ser ele conhecido da vítima, pois, quando esta vista pela última vez, caminhava, tranquila, ao lado do homem que, possivelmente pouco depois, a assassinaria com requintes de crueldade e se serviria sexualmente do cadáver, ou que a outro ele a entregasse para o mesmo trágico desenlace.

2. Histórico do desaparecimento
Leda Grossi Vieira, a mãe da vítima, estava em sua casa, costurando, na companhia da vizinha Dalva do Carmo Gasparini Tavares. Lembra que às 15,55 horas olhou no relógio para ver se estava a tempo de preparar mamadeira para a criança, sob seus cuidados, enquanto sua irmã Jane, a mãe, cuidava de ajustes no comércio da cidade. Naquele momento Leda, num espichar de olhos, viu a filha Mara Lucia brincando na calçada, sozinha, sentada a garatujar qualquer coisa no chão. Alimentou a criança, trocou a fralda e a recolocou no berço.
Mulher prática, Leda aproveitou a oportunidade para dar banho nos filhos menores, Julio Cesar e João, idades de 7 e 6 anos, respectivamente, antes da vez de Mara Lucia, tudo mais ou menos cronometrado, rotina doméstica, sendo que a filha mais velha, a Maria Angélica, de 10 anos, retornaria da escola por volta das 18,10 horas, pois às quartas-feiras tinha aula de Educação Física.
Jane retornou às 16,45 horas e perguntou por Mara Lucia, com a resposta que estaria na calçada, em frente ou ao lado, brincando, mas a chegante negou tê-la visto, ambas, no entanto, tranquilizadas, pois o filho de uma vizinha acabara de chegar e, ouvindo a conversa ou questionado, disse que a menina estava em sua casa, e então Leda mandou o filho Júlio Cesar chama-la; Mara Lucia não se encontrava na casa vizinha, nem por lá esteve naquele dia.
Leda, angustiada e sem o marido que viajara no dia anterior, queria saber onde a filha se metera. Maria Angélica ao chegar da escola, além das 18,00 horas, teve incumbência em percorrer residências conhecidas, onde costumeiramente sua irmã pudesse ser localizada; sem sucesso. 
Excluída a vizinhança, ainda relativamente próximo da morada existia o tobogã na Avenida Duque de Caxias, lugar atrativo para crianças; e, em direção contrária, estava a mina de água potável, onde as pessoas por lá enchiam seus vasilhames para o lar; mas, ninguém notara Mara Lucia nesses lugares.

3. Do Boletim de Ocorrência nº 1.464
Não houve autor identificado no registro do Boletim de Ocorrência sobre o desaparecimento da Mara Lucia, apenas duas testemunhas arroladas, o menor Décio Luiz Venturini, que teria visto a vítima ao lado de um homem, o qual sabia descrever com detalhes, e Dalva do Carmo Gasparini Tavares, apenas presente por solidariedade aos pais da vítima, seus vizinhos.
Quase sempre uma testemunha tem algo a dizer, quando ainda no calor dos acontecimentos, mas, passados o momento e tempos, a pessoa reflete melhor, quando não por aconselhamentos, e suas declarações perdem propositadamente, às vezes, a importância e nada acrescentam para as investigações policiais.
Não foi assim com o menor Décio, mesmo décadas depois, ainda a manter versão primária apontando para o mesmo homem que observara ao lado de Mara Lucia naquela fatídica data.

3.1. Aquele que por último viu Mara Lucia com vida
Décio Luiz Venturini teria sido a última pessoa conhecida a ver Mara Lucia com vida. Nascido em Bauru (SP), aos 29 de novembro de 1957, filho de Décio Vitor Venturini e de Arlinda Alves Venturini, idade de 13 anos em 1970, morava com os pais na Rua Saint Martin, nº 13-75, cursando o 2º ano do então curso ginasiano na escola pública Ernesto Monte, período da manhã, das 6,00 as 11,00.
Conhecera Mara Lucia desde quando a família dela viera residir na vizinhança, se encontravam e brincavam juntos, e com outras crianças, após 15,30 horas, saída escolar dela.
Na data de 11 de novembro de 1970, Décio, a mando da mãe, fora à mina próxima buscar água e, no retorno, ao subir pela Rua Benjamin Constant, antes de encontrar um primo, viu ou reconheceu Mara Lucia ao longe, distância de quadra e meia acima, agachada e rabiscar alguma coisa na calçada.
Os primos pararam para conversar, marcar ida ao córrego para nadar; difícil precisar o horário desse encontro, embora o próprio Décio arrisque por volta das 15,10 horas, talvez aí algum equívoco em razão do período, de meado da primavera para o verão, quando os dias se tornam mais longos, com percepções diferentes do entardecer, como se via naquele mês de novembro.
Caminho retomado, Décio cruzou com Mara Lúcia a descer pela Benjamin Constant, ao lado de um adulto que a acompanhava ou fazia-se seguir, em meio as vias Engenheiro Saint Martin e Professor José Ranieri, e, ao passar por entre eles, deu as costas ao homem para perguntar à amiga, mais aproximada ao muro, 'onde ela ia', para ouvir a resposta 'logo ali' e algo como o 'seu nome está escrito na outra calçada', concomitante à indicação dela que aquele indivíduo era doido, assim expresso com o giro do dedo anular à altura do ouvido.
Segundo observações de Décio, Mara Lucia vestia short vermelho de bolas brancas, blusa branca com monograma da escola 'Grupo Escolar Rodrigues de Abreu', e estava descalça. O púbere lembra, ainda, que ao chegar à esquina da Rua Saint Martin parou e olhou para trás, porém não viu mais Mara Lucia nem aquele homem, a deduzir que seguiram pela a Rua José Ranieri, rumo à Vila Perroca.
Cumprida a obrigação materna, Décio teve autorização para brincar no córrego com o primo e amigos, por algum tempo, e ao regressar viu-se questionado por dona Leda se de fato avistara Mara Lucia e com quem, com resposta afirmativa e ele então descreveu o indivíduo que caminhava ao lado dela: um homem branco, que ele não conhecia, idade por volta dos 30 anos, 1,70 de altura mais ou menos, de bigode ralo, rosto afilado, trajando calça escura, talvez preta, camisa branca de mangas curtas, e tal pessoa, numa observação sutil, não usava relógio de pulso.
Das descrições de Décio, o retrato falado:
"A vítima foi vista pelo menor Décio Venturini, 1ª testemunha deste Boletim, caminhando em companhia de um indivíduo de cor branca, de bigode, aparentando 30 a 35 anos, relativamente bem trajado, vestindo na época uma camisa branca e calça preta; que perguntou à vítima onde estar ia, então ela, sem dizer nada, apontou tal indivíduo, e acenando com a mão, deu a entender que tal indivíduo era louco; que a mesma continuou em companhia do mesmo cidadão rumo à Vila Perroca.Este Plantão Policial foi informado que a vítima trajava na época, um short vermelho de bolas brancas, blusa branca com uma monograma no bolso, com a sigla do Grupo Escolar Rodrigues de Abreu, estando descalça; que é uma pessoa magra, morena clara e cabelos compridos.Todo o disponível policial foi mobilizado, inclusive o canil do 4º B.P. [Batalhão Policial] em diligências." 
O retrato falado apontava para um rosto bastante familiar dos policiais, o Elivaldo Gonçalves Torres de Vasconcelos, apelidado 'Francês', afamado por suas proezas sexuais, inclusive tarador de menores.
A polícia estava diante de provável sequestro, cometido por alguém conhecido da vítima, posto observada aparentemente tranquila ao lado de um homem, o que não era bom indicativo, na dedução de qualquer policial experiente, a antever-se algum predador sexual pedófilo, então a quase certeza que a vítima não sairia com vida após consumação do ato.
Décio voltaria a ser ouvido pela polícia aos 09 de dezembro de 1970, com mais detalhes do seu dia em 11 de novembro de 1970, mas nada pode acrescentar às investigações policiais em andamento. 
Das demais vezes que sua presença solicitada na Delegacia de Polícia, descartou suspeitos para se ater apenas ao Francês, "podendo ser ele" como aquele que acompanhava Mara Lucia ou fazia-se acompanhar por ela.

3.2. A vizinha dos Vieira
Dalva do Carmo Gasparini Tavares, brasileira, casada, do lar, nascida aos 06 de janeiro de 1945, Gália (SP), filha de Domingos Luiz Gasparini e Germana Gonçalves de Oliveira, residente em Bauru, à Rua Saint Martin, 14-15.
Além das informações prestadas por Décio na Delegacia de Polícia, também Dalva do Carmo Gasparini Tavares, vizinha da família Vieira, citada no Boletim de Ocorrência, prestou depoimento, como testemunha no 'Caso Mara Lucia', aos 15 de dezembro de 1970.
Declarou-se vizinha da família Vieira, mais ou menos seis meses antes do ocorrido, que costumeiramente via Mara Lucia brincando com outras crianças vizinhas, inclusive os seus filhos, sempre nas imediações; e naquele dia 11 de novembro a menina esteve em sua casa, das 9,00 às 11,00 horas, quando saiu; considerava-a esperta, porém inocente, talvez pela idade.
No período da tarde, do mesmo 11 de novembro, esteve na casa de Leda, para acertos de costuras, e por lá permaneceu até por volta das 16,00 horas, e viu quando a menina chegou da escola, às 15,30 horas, lanchou, gracejou com o irmão menor e saiu para brincar na calçada da casa.
Dalva se retirou para o lar, e lá pelas 17,30 horas se dirigiu até a esquina para chamar seus filhos, quando se deparou com Leda procurando pela filha e não a encontrava.
Solidária, acompanhou Leda na busca pela filha nos arredores; o tio da menina, José Marques da Silva, policial militar, também se envolveu nas procuras ao lado de outras pessoas, entre elas o seu marido. 
Permaneceu ao lado de Leda até a manhã de 15 de novembro, quando se dirigiu, com o marido, até Gália para votar, retornando na segunda-feira pela manhã, quando soube que o corpo de Mara Lucia fora localizado e já sepultado.
O testemunho de Dalva nada acrescentou; afinal ela não viu e nem ouviu nada, apenas acompanhou o drama da família Vieira, em especial Leda, a mãe da vítima.
Dalva figurou como testemunha por haver comparecido à Delegacia de Polícia, no momento da lavratura do Boletim de Ocorrência.

4. A procura pela menina
Alerta dado, uma menina desaparecida, sequestrada ou não, os vizinhos organizaram os primeiros grupos de buscas, na noite de 11 de novembro de 1970, e a eles se uniram policiais que por lá apareceram, extraoficialmente, atendendo aos chamados de José Marques da Silva, colega militar, casado com Jane Grossi, a tia materna da desaparecida.
Iniciava-se uma investigação oficiosa. À exceção do menor Décio, nenhuma testemunha localizada, ninguém viu ou ouviu algo anormal nalgum possível trajeto, nas proximidades da residência da menina, a aparentar que a execução e andamento do sequestro, rapto como se dizia à época, não atraíra atenções, e mesmo o único relatador, Décio, nada observou que pudesse indicar Mara Lucia forçada acompanhar o suposto criminoso.
Não se admitia, por questão lógica, que a menina estivesse perdida, ou por si, longe de casa; chegaria a alguma casa ou pessoa para solicitar ajuda.
Populares solidários, nos dias e noites seguintes percorreram todas as vilas e bairros, em patrulhas organizadas, alguns a pé, vasculhando lugares, outros com veículos, cada qual com um policial ou pessoa experiente, em ações mais ou menos coordenadas, numa varredura, sem resultados.
Policiais e especialistas já imaginavam a menina morta ou bastante ferida, na melhor hipótese. 

5. O corpo encontrado
Por acaso, no dia 15 de novembro de 1970, o corpo da desaparecida Mara Lucia foi localizado em um banheiro de fundos, numa casa vazia, poucas quadras distantes de onde morava.
O itinerário provável, numa quarta-feira, 11 de novembro de 1970, por volta das 16,30 horas, um homem caminhou ao lado da menina, conhecida na vizinhança, pela Rua Benjamin Constant, entre as vias Engenheiro Saint Martin e Professor José Ranieri, e por esta adiante até a quadra 8, número 61.
Nenhum morador, trabalhador ou passante neste curso ou adjacências, viu nada, situação estranha em se tratando de ruas e travessas movimentadas.

5.1. A mulher que localizou o cadáver 
Maria Cardoso Franco, brasileira, solteira, prendas domésticas, nascida em Santa Cruz do Rio Pardo (SP), aos 02 de junho de 1913, filha de Martinho Cardoso Franco e Joaquina Theodora Franco, residente à Rua São Gonçalo, 2-73, Bauru.
Uma casa à venda na Rua Professor José Ranieri, nº 8-61, e a interessada Maria Cardoso Franco lá se encontrava, naquele dia 15 de novembro, a vistoriar cada cômodo, detalhadamente, até chegar à cozinha onde sentiu forte odor vindo de fora, da área de serviço anexa ao prédio principal ou do quintal.
Na área de serviço Maria Franco percebeu que o banheiro estava fechado pelo lado de fora, e, por uma fresta na porta, saíam e entravam moscas varejeiras e de outras espécies, a deduzir, pelo vão, a entrada de um gato e por lá morto.
A mulher abriu a porta e a empurrou com um cabo de vassoura, para se deparar então com o cadáver de uma menina, atrás do vaso sanitário, um pano branco sobre a cabeça, peças de roupas e alguns objetos sobre e ao lado do corpo, sangue coagulado no chão.
Diante do tamanho imprevisto, Maria Franco saiu até a calçada defronte o imóvel para aguardar chegada ou passagem de algum conhecido, sendo Clovis Quagliato o primeiro, vindo da votação que se realizava naquele dia.
A mulher informou o ocorrido ao Plantão Policial[3], e outra vez seria ouvida pela polícia, aos 23 de novembro de 1971, porém este seu depoimento nada trouxe de interesse ou a acrescer, apesar de longo e detalhado.

5.2. Um vizinho confirmou o corpo da vítima
Clovis Quagliato, idade 42 anos, brasileiro, casado, motorista, nascido em Jau (SP) aos 16 de julho de 1928, filho de Hermenegildo Quagliato e Pedrina Penitente Quagliato, residente à Rua Professor José Ranieri, 8-67, Bauru.
O vizinho Clovis, inteirado da situação, dirigiu-se ao local para constatar o cadáver de uma pessoa, entendendo de imediato ser o de Mara Lucia.
"(...) que no banheiro do referido prédio, que se localiza na parte externa do prédio, tinha um cadáver de uma pessoa; que, em companhia da referida senhora dirigiu-se até o banheiro e após constatar a veracidade dos fatos, comunicou este Plantão Policial, por telefone".
Descontrolado Clóvis deixou o local em prantos e a gritar que era a menina desaparecida, atraindo atenções de vizinhos e transeuntes, e ir rápido telefonar para a polícia enquanto pessoas se ajuntavam em frente da casa onde localizado o corpo.
Clovis prestaria um novo depoimento, aos 15 de dezembro de 1970, e melhor esclareceria sua versão, contudo nada que pudesse melhor auxiliar nas investigações.

5.3. A polícia no local
Descoberto o cadáver que já se sabia de Mara Lucia, o espaço físico sofreu contaminações num entra e sai de populares, sem os cuidados com toques e apoios de mãos, os esbarrões e as esfregações com as costas, cabeças e pernas, nas paredes e chão de tão acanhado espaço físico, eliminando e a ocultar dados e detalhes para a peritagem. À mesma maneira corrompido o estreito corredor, à esquerda do prédio, o único acesso externo à área de serviço e banheiro aonde o corpo.
Não seria de forma alguma diferente, pela tardança da polícia chegar ao local, fato justificado pelas distância e comunicações com as autoridades, num domingo de eleições, sendo a primeira providência policial afastar os curiosos e isolar área.
Mara Lucia fora enfim encontrada, sem vida, no dia 15 de novembro de 1970, por volta das 12,15 horas, o corpo nu, em estado de putrefação, posição em decúbito dorsal entre o vaso sanitário e paredes do banheiro externo daquela casa desocupada, à Rua Professor José Ranieri, 8-61, a menos de seis quadras de onde vista com vida pela última vez.
A vítima trazia marcas visíveis de violência física pelas pancadas na cabeça e morte cruel, por estrangulamento, com a constrição do pescoço através de laço acionado mediante força maior, obstruindo passagem de ar aos pulmões, interrompendo circulação do sangue ao encéfalo e a comprimir os nervos da garganta; depois de morta sofreu agressão sexual.
A notícia espalhou-se rápido através das emissoras de rádio, depois pelos jornais, e o delegado de polícia Luiz Pegoraro, à frente dos trabalhos, oficialmente declarou o encontro do cadáver de Mara Lucia.
Outras autoridades policiais presentes no local: os delegados de polícia José Francisco Bastos Silva, titular da Delegacia de Polícia do Município; José Geraldo Cremonesi, do Serviço de Ordem Política e Social (SOPS); e o citado plantonista Luiz Pegoraro, da Delegacia de Polícia do Município.
Os peritos policiais avaliaram os detalhes de como encontrado o local, através das análises e disposições das peças e vestígios, para desvendar como ocorreu o crime, e a seguir proceder o 'auto de arrecadação' para exames posteriores, se e quando necessários, para conexão entre a prova material, o crime e o criminoso:
"Um (1) arco de prender cabelo de cor branca; uma (1) blusa de uniforme escolar, de cor branca, com monograma no bolso (Grupo Escolar Rodrigues de Abreu), tendo no seu interior diversas figurinhas; um (1) pequeno cordel de fibra trançado, que se encontrava envolvido na garganta da vítima e uma (1) tampa de lata, possivelmente de lata de talco, que se encontrava no banheiro, onde estava o corpo da vítima. O arco de prender cabelo e a blusa de uniforme escolar estavam sobre o corpo vítima, na altura do rosto".
No citado 'auto de arrecadação' não consta o tampo da caixa de descarga da privada, vista em fotos do local, usada para golpear a cabeça da vítima, e onde podia constar digitais do criminoso.
Por ordem do delegado Luiz Pegoraro, o corpo de Mara Lucia foi removido do local para o necrotério do Cemitério da Vila Independência, de Bauru, onde necropsiado pelo médico legista regional, Homero de Oliveira Ribeiro, da cidade Jaú-SP, auxiliado pelo clínico bauruense Danilo Campana.

6. Exame necroscópico
O 'Laudo Necroscópico', de 15 de novembro de 1970, apurou a causa e como ocorrida a morte:
"(...). O corpo que nos foi apresentado para exame, era de uma menor do sexo feminino, aparentando a idade alegada [9 anos], de cor branca; achava-se deitado em decúbito dorsal sobre a mesa do necrotério do cemitério da Vila Independência, despida e com uma corda de dois elementos, envolvendo o pescoço por três voltas fechando em nó simples com uma laçada. -Exame externo: O corpo achava-se em avançado estado de putrefação, aparentando mais de 84 horas de óbito; tegumento externo recoberto de pápulas e flictenas, características da putrefação; manchas verdosas por todo o corpo, mais acentuadas no abdomem e fossas ilíacas, também características da putrefação; retirado do pescoço uma corda que o volteava três vezes terminando em um nó simples com laçada, verificamos um sulco uniforme horizontal e completo, tendo de profundidade aproximadamente 2 centímetros; em ambos joelhos presenciamos escoriações contusas de formas mais ou menos irregulares, medindo em sua maior extensão aproximadamente 3 centímetros.-Exame ginecológico: Examinando os órgãos genitais da vítima observamos: órgãos genitais externos relativamente desenvolvidos em proporção à idade, com o monte de vênus ainda desprovido de pelos; - equimoses perivulvar; hímen, membranoso, de forma mais ou menos ovalar, apresentando roturas recentes nos quadrantes superior direito e inferior esquerdo; esta última, é profunda, observa-se desgarro e rotura da parede posterior da vagina e uma extensão de 4 centímetros.-Exame da região do pescoço: Externamente, já dissertamos em 'exame externo'; internamente, após dissecção constatamos hemorragias intramusculares, sufusões nos tecidos subjacentes ao sulco, esmagamento parcial do esqueleto da laringe e fratura com esmagamento do osso hioide.Comprovamos também uniformidade em profundidade do sulco produzido pela corda. E vista do avançado estado de putrefação do cadáver e principalmente pelos dados patognomicos de estrangulamento constatados no exame realizado na região do pescoço, deixamos de proceder ao exame interno.-Discussão e conclusão: Pelo que observamos em nosso exame concluímos: a) a vítima retro qualificada foi estuprada; houve coito vaginal e este deve ter sido de forma violenta; b) a vítima faleceu de asfixia mecânica (estrangulamento); c) o óbito ocorreu há mais de 84 horas.-Respostas aos quesitos: - ao primeiro [Houve morte?], sim; ao segundo [Qual a sua causa?], asfixia mecânica; ao terceiro [Qual o instrumento ou meio que a produziu?], constrição do pescoço por corda; ao quarto [Foi produzido por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura, ou por outro meio insidioso ou cruel? (Resposta especificada.)], por meio cruel estrangulamento.(...)."
Mara Lucia foi sepultada na mesma data, 15 de novembro de 1970, por volta das 17,30 horas, no Cemitério da Saudade, em Bauru.

7. Exame do corpo de delito
O exame de corpo de delito é a prova material da existência de um crime, ou, desaparecida a materialidade, do conjunto dos vestígios resultantes da prática criminosa. 
No 'Caso Mara Lucia', o Instituto de Polícia Técnica, 'Dr. Coriolano Nogueira Cobra', de São Paulo, designou o perito criminal, Vladimir Zubkovsky, para proceder aos exames do 'corpo de delito' no local relacionado aos fatos:
"(...).- ESCLARECIMENTO PRELIMINARDeve-se colocar em relevo que, por razões perfeitamente justificáveis, o local em apreço não pode ser devido e convenientemente preservado por parte da autoridade policial, na forma como estabelece e determina o Código do Processo Penal, em seus arts. 6º, inciso ‘I’, e 169.Aliás, por ocasião da chegada do Perito-relator a Bauru, o cadáver de Mara Lucia Vieira já havia sido inclusive necropsiado e enterrado.Pelas razões acima expedidas, a marcha dos trabalhos em relação aos indícios concernentes ao 'delicta factis transeuntis' foi procedido o critério de exame de corpo de delito indireto. Por outro lado, com relação aos elementos de ordem material no que tange ao 'delicta factis permanentis', o Perito-relator, além de proceder o levantamento 'in loco', efetuou exames nas vestes e outros de laboratório, portanto tudo de forma direta.- O LOCAL E O CADÁVERComo bem retratam as ilustrações aéreas de nºs 1 a 3 do município de Bauru, complementadas pelas de nºs 4 e 5, que vão em anexo, o evento teve por palco dois prédios: um – residência da vítima – situado à Rua Eng. Saint Martin, 14-5, localizado numa das esquinas formadas com a Rua Benjamin Constant; outro – onde foi encontrado o cadáver da vítima – à Rua Prof. José Ranieri, nº 8-61. Como se pode notar pelas fotografias aéreas de nºs 1 a 3, o fato verificou-se numa área densamente povoada.Pericialmente falando, interessa, no presente caso, somente o prédio de nº 8-61 da Rua Prof. José Ranieri, o qual é térreo, isolado, construído praticamente ao nível geral da via pública, precedido por uma área cimentada, esta limitada com a Rua por muro de tijolos, encimado por cerca de madeira e interrompido por portão igualmente de madeira. Para outros detalhes, vide fotografia anexa de nº 5.Esse prédio residencial, desabitado, compreende: varanda, dois dormitórios, sala e cozinha. Ainda, junto ao corpo principal do prédio, há uma área com tanque, 'w.c.' com chuveiro e um pequeno quintal.O acesso ao 'w.c.', no caso em tela, verificou-se pela passagem lateral esquerda, considerando-se quem adentra no imóvel, visto que a da direita não possui comunicação. Para outros pormenores, vide fotografias anexas de nºs. 5 e 6.O 'w.c.' tem, com face para a área com tanque, uma porta de madeira, de uma só folha, tendo por sistema de segurança um trinco que se encaixa em uma alça fixada no batente, isto pelo lado externo. O 'w.c.' tem, ainda, voltado para a passagem lateral direita, considerando-se o sentido retro mencionado, um vitraux dotado de caixilhos metálicos envidraçados, basculantes uns, fixos outros. Para outros detalhes, vide fotografia anexa de nº 7.Como bem se visualiza pelas ilustrações inclusas de nºs 7 a 11, achava-se no interior 'w.c.', precisamente entre a bacia e a parede dos fundos, considerando-se o sentido de quem entra naquela dependência, o cadáver do sexo feminino, de cútis branca, identificado como sendo o de MARA LUCIA VIEIRA, com cerca de nove (9) anos de idade, o qual jazia, no piso, em decúbito dorsal.O cadáver apresentava-se nu. Os pés descalços e sem meias. Todavia, nas proximidades, foi encontrado um calção vermelho com estampas de bolinhas brancas, uma calcinha vermelha, uma blusa branca e uma travessa plástica da cor de creme. Peças estas que, logo mais adiante, serão objetos de exame.Acrescente-se, ademais, que entre os membros inferiores da vítima havia um panfleto de promoção de um curso de madureza. Além do mais, encostado sobre o membro inferior esquerdo e parte do tronco estava a tampa da caixa de descarga.Como se pode notar pelas fotografias anexas de nºs de 8 a 11, o cadáver já se encontrava em estado de putrefação, visto que eram notórios os fenômenos transformativos e a presença de bactérias anaeróbicas, tendo ainda como papel coadjuvante os germens aeróbios e também a formação de gases putrefeitos.Como se pode constatar pelas fotografias inclusas de nºs 10 e 11, cingia e constringia fortemente o pescoço da vítima, com múltiplas laçadas, uma corda de sisal, que será objeto de exame mais adiante.Os sulcos, impressões deixadas pelas laçadas nos tecidos moles do pescoço, estavam situados abaixo, acima e sobre a laringe e em sentido transversal ao eixo do pescoço, de formato contínuo e de profundidade uniforme, circunstâncias estas que podem ser observadas pelas fotografias anexas de nºs 10 e 11.Cumpre ainda ressaltar que em face a posição e situação das extremidades da corda de sisal, os agentes ativo e passivo, por ocasião do evento, achavam-se frente à frente.Visualiza-se pela ilustração anexa de nº 9, que Mara Lucia Vieira havia sido submetida a violenta conjunção carnal.Em atenção a solicitação da autoridade requisitante, o Perito-relator procedeu à raspagem de substâncias aderidas à parede da fachada posterior do prédio, onde eram visíveis, ainda, crostas, um pelo e manchas de uma substância semitransparente amarelo-claro.As crostas, o pelo e as manchas foram encaminhados ao Laboratório de Hematologia do I.P.T.- DO EXAME DE SANGUEAs crostas, o pelo e as manchas foram tratados distintamente com água destilada, preparando-se destarte, soluções para as diagnoses genéricas de sangue, empregando-se os reagentes de 'KASTLE-MEYER' e 'FLEIG' (fluorescência).Os resultados dessas diagnoses foram, como se supunha, NEGATIVOS.- PEÇAS DE EXAMEA autoridade requisitante entregou ao Perito-relator, para exame, as seguintes peças:I - uma blusa, usada, sem marca aparente de confecção, de tecido de algodão de cor branca, de mangas curtas, de gola redonda, de abertura central dotada de quatro botões de 'nylon', de cor branca, possuindo um bolso na parte inferior da face anterior direita da blusa, onde havia o monograma de um mapa do Estado de São Paulo e a expressão 'G. ESC. RODRIGUES DE ABREU – BAURU'.No exame desta peça notou-se uma solução de continuidade (rasgadura), de aspecto recente, a qual, partindo da 'casa' situado junto à gola, tinha trinta (30) milímetros de extensão, em sentido vertical e de cima para baixo. Para outros detalhes, vide fotografia anexo de nº 16.II - um calção usado, sem marca aparente de fabricação, de tecido de algodão vermelho, com estampa de bolas brancas e dotado de elástico na cintura (vide fotografia inclusa de nº 17).III - uma calcinha de menina, usada, de helanca vermelha, sem marca aparente de confecção, com adorno de renda branca nas pernas e apresentando uma pequena solução de continuidade no sentido horizontal da parte posterior, medindo cincoenta e cinco (55) milímetros de extensão, situada a sessenta (60) milímetros da costura lateral esquerda e a cincoenta (50) milímetros do cós (vide fotografia anexa de nº 17).IV - um cordel de sisal torcido, medindo em condições normais cento e quarenta (147) centímetros de comprimento total e pesando cerca de dez (10) gramas (vide fotografia anexa de nº 17).V – uma travessa plástica destinada a prender cabelo, em forma de arco, da cor creme.VI - uma tampa metálica dotada de rosca interna, própria para latas de inseticida e talco;Cumpre ressaltar que, com relação as peças descritas sob os itens 'II' e 'III', as mesmas além de microrganismos resultantes da putrefação do cadáver apresentavam fezes, circunstância esta indicativa de que ocorreu por ocasião do estrangulamento, o relaxamento do esfíncter anal de Mara Lucia Vieira. Por consequência lógica o estupro da menor verificou-se após o estrangulamento.Adite-se, também, que a peça relatada sob o item nº 'IV' foi requisitada pela Divisão de Crimes Contra a Pessoa, órgão do Departamento Estadual de Investigações Criminais.Finalmente, deve-se consignar que a peça descrita sob o item 'V' perdeu a sua respectiva forma ao ser tratada com substância antisséptica. (...)."
O crime ocorreu e se sabe como, mesmo com a contaminação do ambiente e desaparecimento de parte da materialidade, não de todo comprometedora, porém não prestou ao auxílio para se chegar ao criminoso ou criminosos.

8. Fotos periciais – IP 10/71
Algumas fotos, chocantes, revelando a crueza de um crime hediondo, sem o menor respeito pela vítima, uma criança indefesa.
A intenção dos autores foi exclusivamente mostrar o horror sacrificial a que foi exposta a pequena vítima da insanidade de adultos.
As fotos complementam os laudos e exames necroscópico e do corpo de delito.