sábado, 16 de fevereiro de 2019

IX – O encerramento dos autos

1. Não se quis colocar o Nilton Paulo na cena do crime
Desde o fracasso do jornalista Saulo Gomes, em dezembro de 1971, ao apontar o assassino de Mara Lucia, com testemunha ocular, ninguém mais falou ou ouviu dizer do Francês – o Elivaldo Gonçalves Torre de Vasconcelos, que o pai, informante empoderado na ditadura militar, habilmente retirara o filho de Bauru e fizera cessar as investigações policiais sobre ele.
Se esquecido o Francês, a opinião pública continuava a cobrar das autoridades solução quanto a morte da menina, vez ou outra corroborada pela imprensa, quase sempre em novembro, ora pelo finados, ora porque o mês dos acontecimentos.
Com a devassa na segurança pública do estado paulista, em 1985, pelo Governo Montoro, atingindo Bauru, o 'Caso Mara Lucia' ressurgiu forte, com os jornais noticiando o fim da polícia corrupta, os agouros dos novos tempos, além da reconstituição do crime pelo Diário de Bauru, e notícias bombásticas que seriam revelados o assassino, ou assassinos, da pequena vítima, e as autoridades que abafaram o caso durante anos.
Os muitos noticiários ensejaram a reabertura do IP 10/71, pelo Ministério Público, com toda transparência prometida. Nilton Paulo Vilela Marques ainda o grande suspeito do crime, o vulgo apontando-o culpado, já com 'folha de antecedentes' marcada por outras ocorrências policiais. 
Surgiram dois outros suspeitos, averiguados extra-autos em 1978, por investigadores faroleiros, ávidos por atenções. Para os fracassos desses 'detetives', os delegados foram os culpados, ao recusarem prosseguimento das ações. Até delegado de polícia lamentou decisões superiores em contrário.

2. Relatório policial complementar de 29 de abril de 1987
O delegado de polícia Walter Mendes, designado responsável pelos trabalhos para elucidar a autoria do crime que vitimou Mara Lucia, desde a reabertura do Inquérito Policial 10/71, em 01 de março de 1985, dois anos depois, aos 29 de abril de 1987, assinou relatório complementar das atividades então realizadas nesta segunda fase. 
Dr. Walter Mendes admite, de antemão, fracasso dos propósitos para se chegar ao autor ou autores do crime, apesar dos novos depoimentos e anexações de antigos relatórios de investigações extra-autos, de 1978. 
"Diversas providências foram levadas a efeito, porém sem êxito, no sentido de elucidar a autoria do crime que vitimou Mara Lucia Vieira."
Discorreu todas as providências tomadas por ele e assistidas pelo promotor de justiça Otacílio Garms Filho, e seu relatório apenas um índice remissivo.

3. Outra vez o arquivamento dos autos, agora em 09/05/1989
O 5º Promotor de Justiça da Comarca de Bauru e Titular do Júri, dr. Otacílio Garms Filho, às folhas 510 e seguintes do Inquérito Policial "I.P. nº 10/70" – pela primeira vez citado o nº 10/70 e não 10/71 – inicialmente mencionou o inquérito encerrado, aos 14 de agosto de 1974, a pedido do 1º Promotor da Comarca de Bauru, da época, dr. Irahy Baptista de Abreu, sem prejuízos de continuidade nas investigações.
A seguir, justificou a necessidade de reabertura do caso, quando o jornalista Eduardo Nassarala, do 'Diário de Bauru', noticiou aos 23 de fevereiro de 1985, que um delegado de polícia confidenciara a um repórter que sabia dos detalhes do Caso Mara Lucia, porém o caso não prosperava por 'abafamento' pelos superiores.  
Cinco dias depois, aos 28 de fevereiro de 1985, o Jornal de Cidade revelava, que o advogado Luiz Fernando Comegno, o Dedé, ex-investigador de Polícia que se encontrava preso por outras razões, tão logo liberto faria declarações bombásticas sobre o 'Caso Mara Lucia', inclusive revelando quem era o assassino além de denunciar o descaso do Delegado Regional de Polícia, na época, em não determinar providências.
As gravidades de tais afirmações exigiram do Ministério Público o pedido de 01 de março de 1985, atendido pelo juízo de direito, para reabertura do caso e aprofundamento nas investigações. 
Primeiro o decepcionante e controverso depoimento de Marilene de Fátima Erba Ferrazini, numa confusão de datas, sem corroborações outras tornando nulas suas declarações; apenas insistia em fazer reconhecimento facial do suspeito Nilton Paulo, face a face, quase dezesseis anos depois, impraticável e não levaria a qualquer resultado. A depoente não sabia esclarecer nada.
Os desapontamentos prosseguiriam. 
O repórter Nassarala, invocado dispositivo legal, se recusou revelar sua fonte; o ex-investigador Dedé nada informou que a polícia pudesse avançar investigações.
Os vários testemunhos e novos levantamentos não trouxeram subsídios capazes de colocar qualquer suspeito na cena do crime, ou seja, as pessoas ouvidas foram incapazes de gerar sequer indício de autoria.
Nada mais havia a ser feito senão movimentações burocráticas de juntadas de documentos e informações que em nada contribuíam para o objetivo policial. Os vários testemunhos e novos levantamentos não trouxeram subsídios capazes de colocar qualquer suspeito na cena do crime. 
Frustrado, dr. Otacilio Garms Filho, aos 09 de maio de 1989, solicitou e teve deferido o arquivamento dos autos .

4. E o delegado José Jorge Cardia ainda quis reabrir o caso
Nova tentativa de reabertura do Inquérito Policial – 'Caso Mara Lucia', aconteceria no ano de 2000, quando da prisão e as confissões do andarilho Laerte Patrocínio Orpinelli – 'o maníaco da bicicleta' – que teria assassinado dez ou mais crianças em pelo menos sete municípios paulistas, atraindo atenções do Delegado de Polícia, Dr. José Jorge Cardia, da Delegacia de Investigações Gerais (DIG-Garra), de Bauru . 
Orpinelli, entrevistado pelo Dr. Cardia , admitiu a possibilidade de ter cometido algum crime em Bauru e, diante da foto de Maria Lucia, teria ele reagido de modo a se lembrar da menina, na mesma faixa etária de suas vítimas, crianças entre os nove e doze anos de idade, todas mortas de maneira semelhante.    
Outra coincidência apontada pelo Delegado Cardia, Orpinelli classificava-se como mentalmente confuso, bem próprio de 'biruta', conforme referência que Mara Lucia fizera do homem que estava próximo a ela, no momento do encontro com Décio Luiz Venturini. Contudo, levantamentos policiais demonstraram que Orpinelli não se encaixava no perfil do assassino de Mara Lucia.
Orpinelli, condenado a cem ou mais anos de prisão, pelas práticas de diversos crimes contra menores, passou os seus últimos dias na Penitenciária de Iaras (SP), de 07 de dezembro de 2012 aos 03 de janeiro de 2013, quando encontrado morto em sua cela. Nada teve com o 'Caso Mara Lucia'. 
O crime está legalmente prescrito, e, em 2020, cinquenta anos dos horrores que vitimaram uma garota de apenas nove anos de idade, sequestrada por lábias e conduzida ao local onde entregue ao executor para ser estupidamente morta, por estrangulamento, e depois ainda dela o matador se servir sexualmente. 
Ninguém confessou os atos perpetrados contra Mara Lucia, mas, nos anais dos crimes notáveis registrados no estado de São Paulo, às vistas da observação popular, não se tem dúvidas o quanto a polícia, na época, se esforçou em semear dúvidas e inseguranças no decorrer das investigações levada sempre aos desencontros, assim como igualmente notória a ausência de motivação por parte do Ministério Público, cujos vícios comprometeram as denúncias para um Judiciário sem qualquer vontade em julgar e punir os assassinos, na forma da lei.
Ao popular, sem dúvidas e para sempre o caso Mara Lucia, um crime sem prescrição.