sábado, 16 de fevereiro de 2019

VIII – Quem matou Mara Lucia?

Óbvio, um crime da magnitude como o ocorrido com Mara Lucia, diversas são as versões, nenhuma delas satisfatória, sempre alguém vai duvidar.
Nilton Paulo foi o assassino, assim confere a maioria dos bauruenses, geração mais antiga ou da época. As autoridades e especialistas, envolvidas nas investigações e atividades relacionadas ao caso, não duvidavam disto.
Raciocínio lógico e corrente, o jovem Nilton sabia o relacionamento extraconjugal do pai com a Leda Grossi Vieira, não ignorava ser meio-irmão de Mara Lucia e até a conhecia pessoalmente, das vezes que Leda ia à empresa do Marques para algum assunto. Inevitável, também compartilhava entre os parentes e aqueles mais próximos, dos dissabores que o assunto à sua família.
Habitual usuário de drogas, dado às orgias sexuais com jovens, inclusive menores, além de frequentador do imóvel da família onde foi morta Mara Lucia, para atividades afins, as autoridades não ignoravam nenhum destes detalhes e os dramas de uma família notória pela infidelidade conjugal do Marques. Até se ventilava que a ‘perdição’ de Nilton, no mundo das diambas e libertinagens, o seria pela revolta contra os procedimentos do pai.
Assim, Nilton engendrara o crime, e não lhe seria difícil atrair Mara Lucia para entrar sem seu veículo, pois se conheciam; e, à mesma maneira nada complicado fazer-se acompanhar por ela, pelas ruas da cidade, até o lugar escolhido para vitima-la. Contudo, correria riscos, por ser bastante conhecido e facilmente identificado, pela sua simples passagem sua por qualquer das ruas de Bauru, na época, fosse a pé ou de carro.
Um jovem agitado, pela própria idade, e sem o autocontrole necessário para a ação, além de temer os riscos, não apanhou Mara Lucia nas proximidades da residência dela, e a evidência maior e única, mas não menos verdadeira, não foi reconhecido pela testemunha Décio Venturini. Nada disto, porém, o teria impedido de conceber e praticar o crime, por vingança, com motivos pessoais e familiares, a seu juízo, para o fazê-lo.
Contou com a cumplicidade de alguém que conhecia Mara Lucia o suficiente para atrair sua confiança e acompanha-lo, sem resistências maiores, até o local onde a entregaria para a execução. Uma promessa qualquer, uma pequena e enganosa oferenda.
As autoridades sabem do conluio, que alguém conduziu Mara Lucia até o local da execução, e não ignoram o assassino. Estão presentes os elementos que informam quem era o jovem que caminhava com a vítima, as motivações de Nilton, e a cordinha de sisal usada para perpetrar o crime, própria para embalagens de gráficas.
Cá e acolá ainda surgem versões sobre quem conduziu Mara Lucia até o imóvel, e juntamente com Nilton cometido as atrocidades: "Coincidentemente, uma pista sempre esteve no local do crime, apontando para o cúmplice deste crime, a placa da rua em que Mara foi assassinada...Ele esteve, participou e seu sobrenome perpetua o local, ironicamente." (Mafua do HPA, matéria publicada aos 02 de julho de 2008, "Memória Oral (39) – Mara Lucia 37 anos depois", comentário de Anônimo, datado de 08 de setembro de 2013, 08:27 - http://mafuadohpa.blogspot.com, CD: A/A).
Nestes considerandos, aquele imóvel onde dado o crime, conforme se sabe, situava-se à rua Professor José Ranieri, e, então, nesta versão um membro da família Ranieri seria coparticipe do execrável feito, inclusive seu nome bastante citado na época, pelo relacionamento com Nilton Paulo. Comentou-se muito sobre isto na época e mesmo depois, ainda permanecente, sobrevivendo ao óbito de tal suspeito Ranieri ocorrido em 2018.

1. O Francês foi o sequestrador
Atendo-se unicamente aos autos, o Francês não foi o assassino de Mara Lucia, mas, sem dúvidas, o sequestrador.
O delegado de polícia, dr. Luiz Pegoraro, teria verificado o álibi do Francês para o possível horário do sequestro de Mara Lucia, entendendo a autoridade que não foi o autor do crime.
O relatório de 28 de novembro de 1970, assinado pelo Dr. Pegoraro, forçadamente 'coloca' o Francês na agência do Banco Itaú América, entre as 16,00 e 16,30 horas, em 11 de novembro de 1970 para descontar um cheque:
"Examinando detidamente os registros constantes na folha referida, o Sr. Ivo Manoel Colombo [gerente da agência], bem como o caixa que atendeu 'Francês' afirmam taxativamente que o referido cheque foi pago a 'Francês' entre 16,00 e 16,30 horas. Este último horário, no máximo, é o que eles admitem como sendo aquele que 'Francês' descontou o cheque."
No entanto, o Francês, em seu depoimento de 18 de dezembro de 1970, confirmou sua presença na referida agência, porém num outro horário: "(...) onde chegou por volta das 17,10 horas mais ou menos; que, ali descontou um cheque de Cr$ 3,00 saindo daquele Estabelecimento por volta das 17,35 horas; que, voltou à sua casa de ônibus para 'Altos da cidade' (...)."
A divergência entre os horários abre janela de tempo que se amplia, quando o Francês diz de seu encontro com o 'amigo Félix [Sanches Filho]', antes de se dirigir ao banco Itaú: 
"(...) voltando pela Av. Rodrigues Alves, digo, pela Rua Marcondes Salgado até a esquina com a Rua Araujo Leite, onde encontrou-se com um colega seu de nome Félix que reside na Rua Saint Martin esquina com a Rua Capitão Gomes Duarte, com quem conversou durante uns vinte minutos, indo para o Banco Itaú América (...)."
Félix negou o encontro e ainda revelou ter sido procurado pela genitora do Francês, com estranho pedido:
"(...) encontrou-se com a mãe do 'Francês', a qual chamou pelo depoente pedindo-lhe que se por acaso a polícia procurasse falar com o depoente a respeito do Francês que dissesse que ele Francês, havia trabalhado com o depoente até às 16,00 horas do dia do rapto da menor, digo, havia trabalhado com o depoente às 16,00 horas do dia do rapto da menor Mara Lúcia Vieira, o que não é verdade (...)."
O Francês teve, portanto, o espaço mínimo de uma hora, talvez vinte minutos mais, entre sua saída da funilaria de Mituo Harada – se lá efetivamente esteve, e chegada ao banco, tempo suficiente entre as 16 e 17,00 horas, para conduzir a menina desde a Rua Benjamin Constant, nas proximidades da Saint Martin, até a Rua Professor José Ranieri, 8-61 aonde a execução.
Isto não o excluí, conseguido intento na atração da vítima até o local, ter ele mesmo consumado o ato, considerando seus antecedentes na área de atentado e crime sexual, contudo o seu espaço/horário se fecharia antes de chegar à dita agência bancária, além das consequentes marcas - sujeiras e sangue nas roupas, possíveis arranhões em partes do corpo e alteração psíquica, pela violência como aconteceu a execução, detalhes que inevitavelmente o denunciariam. Ademais, se trazia em si compulsão sexual por menores, não tinha perfil homicida.
Ainda, a considerar os autos, o púbere Décio Luiz Venturini viu Mara Lucia ao lado de um homem, por ele descrito e disto feito o retrato falado, parecido com o Francês, apenas com ele e mais ninguém.
Perto de meio século decorrido dos fatos, Décio manteve a igual coerência em apontar a pessoa que viu junto a Mara Lucia em 11 de novembro de 1970: "Conheci uma pessoa e ela é essa pessoa que conheci e era amigo dela [Mara Lucia], conhecia ela, morou vizinho lá no Alto da Cidade" (TVTem de Bauru, afiliada da Rede Globo, programa ao ar em 15/11/2016, CD: A/A), ou seja, o Francês.
Francês sequestrou Mara Lucia Vieira, teve tempo suficiente para isto, com ela andou pelas ruas Benjamin Constant, entre as vias Saint Martin e José Ranieri, e, por esta, até a quadra 8 – imóvel nº 61, atraindo-a por dinheiro ou lábia, por conhece-la já anos antes; por conseguinte, Mara Lucia não caminharia segura ao lado de um estranho e nem entraria pacificamente com ele num imóvel vazio.
A polícia bauruense, na primeira fase do IP 10/71, não conseguiu colocar o Francês na cena de morte da vítima, nem poderia pois ele não a matou, por isso o excluiu, ou por incompetência, ao não atentar para dois criminosos em ações distintas, um deles o sequestrador que a atraiu até o local para entrega-la a outra pessoa, a finalizadora, que a vítima, para satisfazer vingança e instintos.

2. Nilton Paulo Vilela Marques não respondeu pelo crime
Sobre Nilton Paulo pesavam suspeitas que teria matado Mara Lucia, por motivo torpe, vingança familiar ou em nome da mãe, após provocar lesões corporais na vítima, antes de matá-la por estrangulamento, e a seguir violenta conjunção carnal: "o estupro da menina verificou-se após o estrangulamento."
Mas, Nilton não foi o sequestrador, ele não caminharia ao lado de Mara Lucia por ruas de Bauru, e, menos ainda, a colocaria em seu carro, sem atrair atenções, sabia disto, por ser demais conhecido, e a seu favor, ainda, em nada ele se parece com o retrato falado em cima das declarações de Décio Luiz Venturini.
Nem o Nilton, nem o Ranieri, pelos mesmos motivos.
Quarenta e seis anos depois do ocorrido não é fácil estabelecer qualquer combinação entre Nilton Paulo e Elivaldo 'Francês', senão como afins usuários de drogas, ambos dentro da faixa etária mais expressiva de viciados, na época entre os 18 e 30 anos.
O Francês sofria das faculdades mentais, tomava medicamentos e esteve sob os cuidados do médico psiquiatra, Dr. Fauzer Banuth. Inegável que dependentes químicos beiravam doentes mentais para divisões de drogas, e aparentemente não incomuns usuários conseguirem drogas com profissionais de saúde.
Os álibis de Nilton Paulo, aceitos pela polícia, diziam forjados. Outrossim, impossível acreditar que a mãe de Nilton, dona Pautila, não soubesse com antecedência da viagem daquelas senhoras, rotarianas de Bauru, até a feira de artesanatos em Botucatu, pois os assuntos não ficariam restrito apenas a uma reunião fechada, sem que aquelas senhoras não conversassem entre si, em visitas e telefonemas, sobre a excursão, num ônibus, não de todo lotado.
Dona Pautila, membro da associação das senhoras rotarianas de Bauru, não optaria por uma viagem com o filho, em carro particular, em detrimento à companhia de suas amigas num ônibus fretado ou gratuitamente cedido para tal finalidade, com lugares a preencher.
As assinaturas das senhoras rotarianas em abaixo-assinado e declarações individuais a favor de Nilton tinham propósitos em salvaguardar o jovem, atestando-o presente num lugar que efetivamente não esteve.
Os muito ricos e poderosos aliam-se às autoridades e mutuamente se protegem; e as fortuna e influências de Paulo Marques prevaleceram para livrar o filho das consequências de um 'erro' seu.
Havia preocupação em colocar Nilton fora do município, naquele 11 de novembro de 1970, com arranjos de declarações e nota fiscal de abastecimento de veículo, neste caso procedimento incomum para particular isento de prestações de contas nalguma empresa, e não houve por parte da polícia, qualquer interesse em atender sugestão do advogado da família Vieira, em solicitar de Nilton Paulo outras notas fiscais de combustíveis, anterior e posteriormente colocados em seu carro.
Neide Urso, do Instituto Santa Marcelina, por exemplo, reconheceu Nilton Paulo como presente na feira em Botucatu, em 11 de novembro de 1970, descreveu o carro e teria ido no veículo, dirigido por Nilton, com uma senhora até a loja de vendas de artigos para artesanatos, em Botucatu, e lá permanecendo das 16,00 às 16,30 horas, contraditando outros testemunhos, inclusive do próprio rapaz, que informam três as senhoras que se dirigiram até a loja para compra de materiais. E Neide não disse do seu retorno antecipado ao colégio, ou, nada disto ocorreu.
Os tantos álibis de Nilton Paulo, sob orientações e aceitos pelas autoridades, livraram-no do momento que Mara Lucia chegou, conduzida pelo seu sequestrador, aos fundos do imóvel desocupado, à Rua Professor José Ranieri, 8-61, onde executada.
Então, nada mais a restar, pois a polícia não chegaria a lugar nenhum, determinou-se em 1974 o primeiro arquivamento do Inquérito Policial nº 10/71.
E, sabe-se, no início das investigações sobre o 'Caso Mara Lucia' a polícia desconhecia antecedentes criminais de Nilton Paulo, exceto acidente com veículo que dirigia, ainda menor de idade; todavia, quando da reabertura do inquérito, em 1985, já registradas outras tantas ocorrências.