sábado, 16 de fevereiro de 2019

V – Reabertura do IP 10/71

1. Uma década depois
Dr. André Franco Montoro, já governador do Estado São Paulo desde 15 de março de 1983, quase dois anos depois, em fevereiro de 1985, concluía devassa na polícia estadual, atingindo Bauru, acabando com os privilégios e privilegiados no funcionalismo estadual na área de segurança pública.
O Diário de Bauru, edição de 23 de fevereiro de 1985, publicou na 'Coluna Informe' algumas notas instigativas:
"VAI PASSAR...Aquilo que DB ['Diário de Bauru'] previra e vinha noticiando, até com certa insistência, realmente ocorreu. O Governador Franco Montoro, acionado pelas lideranças locais, não hesitou em tomar drásticas providências objetivando restabelecer, num curto prazo de tempo, a credibilidade da Polícia Civil junto à comunidade, hoje por demais abalada.JÁ ERA ESPERADAEsta atuação drástica já era esperada nos meios policiais, principalmente porque a crise não é nova, mas vem se arrastando de há muito, tendo eclodido agora, com a onda de indignação popular contra a inércia da Polícia, que via uma quadrilha inteirinha agir por mais de seis anos em nossa cidade e, ultimamente, a cinco quadras da Delegacia Central da Praça D. Pedro II.MAS, TODOS SÃO CULPADOS?Não. Certamente nem todos os policiais são culpados pelo desenrolar da crise, mas o silêncio destes policiais 'inocentes', foi considerado como omissão grave no cumprimento do dever. Outro dia, por exemplo, um delegado confidenciou a um repórter que sabia dos detalhes do caso Mara Lucia, pois tinha acompanhado as investigações. Mas o que fazer – perguntava o delegado – quando superiores abafavam o caso? Enfim, pagarão os culpados e os inocentes, mas a cidade sairá ganhando, isto sem dúvida alguma."
O 'Caso Mara Lucia' ressurgia na imprensa e outra vez agitava a sociedade bauruense.
Dr. Otacílio Garms Filho, 5º Promotor de Justiça da Comarca de Bauru, em 1º de março de 1985, requereu prosseguimento das investigações referentes ao Inquérito Policial nº 10/71, face notícias divulgadas pela imprensa bauruense, quanto a possível identificação do autor ou autores dos delitos que vitimaram a menina Mara Lucia .
Autorizado o desarquivamento dos autos pelo juízo de direito da comarca, o delegado de polícia do município, dr. Evandro Ruivo, designou o seu colega, dr. Walter Mendes, mesma delegacia, como autoridade responsável para o prosseguimento das investigações.
Reportagens bombásticas previstas, anunciadas grandes revelações e reviravoltas no caso, e o promotor de justiça dr. Otacílio antecipara-se às notícias que seriam divulgadas.
Por exemplo, o advogado Luiz Celso de Barros, patrono do preso, também advogado, Luiz Fernando Comegno – apelidado Dedé, assegurou à imprensa que o seu cliente, tão logo liberto, prestaria declarações altissonantes contra a polícia civil de Bauru e incluso o delegado regional de polícia, Francisco de Assis Moura, omissos na solução dos crimes perpetrados contra a menina Mara Lucia.
O Dedé, quando investigador de polícia em Bauru, entregara ao referido delegado de polícia, o seu relatório de serviço sobre o 'Caso Mara Lucia', com o nome do criminoso, sendo tal expediente ignorado sem qualquer justificativa.
A reabertura do inquérito esperançava, enfim, a solução do hediondo crime.

2. O 'Diário de Bauru', em 1985: a reconstituição do crime

No azo da reabertura das investigações sobre o 'Caso Mara Lucia', o 'Diário de Bauru', edição de 07 de março de 1985, publicou matéria, "CASO MARA LUCIA: A RECONSTITUIÇÃO DO CRIME QUE ABALOU A CIDADE – OU, QUANDO COMEÇOU A CRISE DA POLÍCIA CIVIL – ", com todo o histórico dos acontecimentos que vitimaram a menor, centrada nos dois principais suspeitos, Nilton Paulo Vilela Marques e Elivaldo Gonçalves Torres de Vasconcelos – o Francês, e na inoperância policial.
"O maníaco que a assassinara, asfixiara sua inocente vítima com um cordel e golpeara a menina na cabeça, com a tampa da caixa d’água do sanitário, estuprando-a em seguida, depois de morta. A autópsia confirmou que o assassinato da menina ocorrera no mesmo dia de seu desaparecimento, ou seja, ao anoitecer do dia 11 de novembro [de 1970], quarta-feira."
Lembrou o diário que treze dias após a morte da vítima, autoridades bauruenses se reuniram no gabinete do então delegado regional de polícia, dr. Francisco de Assis Moura, presentes o juiz de direito da 3ª vara da comarca, dr. Nilton Silveira; o promotor de justiça, dr. Damásio Evangelista de Jesus; o comandante do 4º batalhão policial de Bauru, coronel Rodolfo Castein Castilho; o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB  subseção de Bauru, dr. José Cardoso Margarido; outros delegados de polícia e representantes da imprensa, para se colocar um basta nos boatos que atingiam Nilton Paulo e o Francês.
A favor do jovem Nilton Paulo, segundo as autoridades pesavam o seu não reconhecimento pela testemunha Décio Venturini, e as declarações das senhoras rotarianas de Bauru afirmando que, naquela data, o suspeito estava em Botucatu, numa feira artesanal beneficente.
Ainda mais dissera o delegado regional dr. Francisco de Assis Moura: "O moço foi eleito por algumas pessoas tacanhas, como o autor desse hediondo crime. Naturalmente, não por ser filho de pai abonado que isto deixaria de acontecer, mas podemos asseverar que Nilton Paulo não é criminoso."
Todos os membros da comissão reunida no gabinete do delegado regional manifestaram-se a favor de Nilton Paulo, que assim pode ser resumida nas palavras do promotor de justiça dr. Damásio:
"(...) há muitos dias, estamos acompanhando as investigações policiais no que tange o rapto e ao homicídio da menina Mara Lúcia. Ouvimos inúmeros boatos a respeito de muitos suspeitos e o boato que mais nos atingiu, porque conhecemos a Polícia de Bauru, foi o que as autoridades bauruenses haviam deixado de tomar certas providências no fato que concerne ao suspeito Nilton Marques. Sobre ele não pesam suspeitas, mas é evidente que as investigações prosseguem, como também é evidente que o rapaz Nilton Marques não se encontra livre de qualquer suspeita; ele ainda não é suspeito, como muitos são suspeitos. Todavia, até agora as provas que verificamos, pessoalmente, revelam que Nilton Marques não se encontrava em Bauru na hora do crime..."
A 29 de novembro de 1970, o delegado Cremonesi, chefe do temível SOPS -  Serviço de Ordem Política e Social, de Bauru, órgão diretamente ligado ao DEOPS/DOPS, impusera ameaças: "Investigação é algo sério (...) e falsas pistas levam a um desperdício de esforços e prejudicam os trabalhos. Não indagamos da condição econômica de ninguém para investigar, indagamos sim, se realmente suspeitos."
O delegado Cremonesi admitia a possibilidade de envolver os boateiros, convocando-os para esclarecimentos e, até processá-los: "(...) cessem os boatos, pois aqueles que o propalarem também poderão ser convocados para esclarecimentos."
A reportagem diz sobre o retrato falado e das ameaças do delegado de polícia do DOPS, José Geraldo Cremonesi, à frente da Delegacia Regional por ocasião da publicação.
O diário também fez referências ao jornalista investigativo Saulo Ramos que, em levantamentos paralelos, anunciara que revelaria o nome do assassino de Mara Lucia, o que não aconteceu, na visão do jornal e das autoridades, ainda à espera de novos fatos.

3. Análise sucinta

As autoridades bauruenses não tinham interesse na culpa de Nilton Paulo Vilela Marques, o pai gastou muito com autoridades e policiais, além de álibi tramado para colocá-lo fora do município na data do crime. O policial que o teria fiscalizado no trânsito, não lavrou multa, e a única testemunha não o reconheceu.
Quanto ao Elivaldo Gonçalves Torres de Vasconcelos, o Francês, a testemunha descreveu-o e, nas descrições, feito o retrato falado que não deixava dúvidas ser ele quem estava ao lado da menina, pouco antes da execução. A não bastar, também o único e de imediato apontado, pela mesma testemunha, entre outros colocados, mas o temor em não errar ou comprometer-se o púbere teria dito infeliz frase, "podendo ser ele", palavras suficientes para o delegado Pegoraro excluí-lo do rol dos suspeitos, após elaborada demonstração por onde estava, nos últimos momentos de vida da vítima
Crime de tremendo impacto social, natural as divergências sobre quem seria o assassino e quais as motivações, prevalecendo hipótese de crime por vingança familiar, e Nilton Paulo o culpado.
Correto, se a vítima não conhecia Nilton Paulo – não há referências, com certeza não o acompanharia sem resistências, a pé, por ruas de Bauru, menos ainda entraria no carro, e, em ambas as situações, o agressor assumiria riscos desnecessários, assim, mais eficiente um sequestrador, o Francês, a quem Mara Lucia seguiria, mediante lábia ou pequena promessa, por tê-lo mais próximo, apesar das recomendações de família para não se achegar a ele.