—livro impresso—
Mara Lucia Vieira - um crime sem prescrição
sábado, 16 de fevereiro de 2019
Os autores
Profissão: Aposentado - funcionário público estadual, área da saúde.
Formação: Pedagogo - Especialista em Educação; Teólogo – formação em teogonias e teologia psicanalítica; História (...) - programa de educação continuada.
Junko Sato Prado:
Formação: Pedagogo - Especialista em Educação; Teólogo – formação em teogonias e teologia psicanalítica; História (...) - programa de educação continuada.
Junko Sato Prado:
Profissão: Aposentada - servidora pública, área da saúde.
Formação: Cirurgiã-Dentista; Magistério.
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Ambos, memorialistas, atuantes no resgate histórico-documental civilizatório na formação do último rincão inculto da Província – depois Estado – de São Paulo, entre os rios Tietê e Paranapanema, desde a descida da Serra Botucatu às barrancas do Rio Paraná, a contar de 1850 / 1851.
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São autores, em parceria, dos títulos historiográficos:
1. 'Razias – incursões predatórias em territórios indígenas, a partir do Pardo santa-cruzense', 2005;
2. 'Historiografia para Santa Cruz do Rio Pardo', 2012;
3. 'Santa Cruz do Rio Pardo: Memórias, documentos e referências', 2013;
4. 'Santa Cruz do Rio Pardo – nos tempos dos coronéis e mandatários', 2015.
Também titulares dos registros :
1. 'Além das fronteiras e mistérios do desconhecido', 1998;
2. 'Selhama – o fenômeno paranormal', 1999;
3. 'Rita Emboava – segredos revelados', 2010;
4. 'Armando [Portezan] Vizetiv – o savant santa-cruzense', 2016;
5. 'Mara Lucia – um crime sem prescrição', 2018;
Todos os trabalhos disponibilizados eletronicamente no endereço:
1. 'Além das fronteiras e mistérios do desconhecido', 1998;
2. 'Selhama – o fenômeno paranormal', 1999;
3. 'Rita Emboava – segredos revelados', 2010;
4. 'Armando [Portezan] Vizetiv – o savant santa-cruzense', 2016;
5. 'Mara Lucia – um crime sem prescrição', 2018;
Todos os trabalhos disponibilizados eletronicamente no endereço:
Prefácio - Aurélio Fernandes
O Brasil está entre os países com menor taxa de elucidação de homicídios, seja por falhas ou falta de investigações por parte da polícia. A média é de apenas 15% dos assassinatos são esclarecidos. Em países como França e Reino Unido o índice varia de 80% a 90%. Até a vizinha Argentina tem um porcentual mais alto: 45%. O índice mostra que, passados [quase] 50 anos, crime hediondo como de Mara Lúcia continua a gerar indignação e demonstrar que o país ainda precisa de melhor muito na área de segurança pública e na persecução penal.
O trabalho do casal Celso e Junko Sato Prado resgata um dos crimes mais cruéis, ocorrido em 1970, em plena vigência da ditadura civil-militar. Com base nos inquéritos policiais, atualmente arquivados pelo Poder Judiciário, em Jundiaí, o documento já com as folhas puídas e amareladas pelo tempo ajuda a registrar o que aconteceu naquele dia fatídico de 11 de novembro, quando a menina foi raptada e encontrada morta.
É um material historiográfico que descreve personagens e as idas e vindas de uma intrincada investigação. Tudo com base em fatos documentados, sem ilações, para um caso que continua um mistério.
Aurélio
Alonso, jornalista
Algumas palavras
Aos 11 de novembro de 1970, uma criança de nove anos desapareceu da frente de sua casa, em Bauru, cidade do interior de São Paulo. Seu nome, Mara Lucia Vieira, filha de João Vieira e Leda Grossi Vieira, endereço Rua Engenheiro Saint Martin, nº 14-5, numa esquina com a Benjamin Constant.
Primeiro se pensou que a menina resolvera, na tarde daquela quarta-feira, por volta das 16,00 horas, avançar além das calçadas de sua casa, às ocultas da mãe, para brincar com coleguinhas nas adjacências, ou até mesmo mais distante a entreter-se, nalgum lugar, alheia às preocupações que sua ausência viesse causar.
Mara Lucia, entretanto, não mais regressaria ao lar, para ser encontrada, casualmente, quatro dias depois, morta e abandonada num banheiro externo do imóvel residencial desocupado, à Rua Professor José Ranieri, 8-61, corpo nu já em estado de putrefação, a menos de seis quadras de onde vista pela última vez. Trazia marcas severas de violência física, morte por estrangulamento e agressão sexual pós óbito.
O crime gerou revolta e comoção em Bauru e repercutiu em todo o Brasil: familiares da vítima, amigos e toda a sociedade alarmados. O crime consistiu em sequestro – na época dizia-se rapto, agressão física, estrangulamento da vítima e estupro.
Caso público e midiático, todos na expectativa em saber quando, e que fosse logo, a polícia identificaria e prenderia o criminoso.
Tão logo encontrado o cadáver, a polícia iniciou as investigações, certo ou errado, na forma de pré-inquérito que levasse ao autor ou autores do delito, através de diligências sumárias determinadas de ofício pelas autoridades, não coibidas aquelas sem registros protocolares, visando maior agilidade e melhor suporte para o inquérito formal.
No 'Caso Mara Lucia' tanto a polícia, pressionada pela sociedade, quanto a mídia, ávida por notícias e divulgações visando audiência, se apressaram resolver o crime que chocara o país, mas não se conseguiu chegar ao verdadeiro autor.
Algumas versões apontaram possíveis autores do crime, agora prescrito, e dois dentre eles destacados, o Nilton Paulo Vilela Marques e o Elivaldo Torres de Vasconcelos, vulgo Francês.
Nilton Paulo, principal suspeito para a Polícia Militar e parte da população de Bauru, prestou declarações na Delegacia de Polícia acompanhado de advogado e munido de provas, que ele se encontrava em outro município no dia e momento do crime, além de não ser reconhecido pela única testemunha, o menor Décio Luiz Venturini, como o homem que estava ao lado de Mara Lucia quando vista pela última vez.
Para a população bauruense, Nilton Paulo era o culpado, talvez pela razão que o imóvel, onde localizado o cadáver da menina, fosse do seu pai, e ele ali fizesse ponto para habitual uso de drogas e encontros libidinosos, isto desde quando a casa desocupada.
O álibi de Nilton seria forjado e as autoridades o acobertavam, por ser ele filho de rica e tradicional família, todavia o seu mais sério acusador, o policial militar Felizardo Félix da Silva, que o teria fiscalizado numa inspeção de trânsito, naquele 11 de novembro de 1970, por dirigir veículo além da velocidade permitida para o local, não lavrou o auto de infração, e, assim, sem produção de qualquer prova. Houve protestos e indignações.
Outro suspeito, Elivaldo Torres de [e] Vasconcelos, vulgo Francês, que eventualmente trabalhava no ramo de instalações e reparos elétricos, conhecia Mara Lucia desde quando as respectivas famílias moravam vizinhas, divisando quintais aos fundos.
Francês tinha fama de 'tarar menores', respondeu acusações a respeito, e em depoimento, apresentou contradições, e sobre ele divergiram os delegados de polícia, chefes de equipes de investigação no 'Caso Mara Lucia'; um, o dr. Luiz Pegoraro, parecia satisfeito com o depoimento dado "Assim é que seguindo o álibi fornecido por Francês comprovamos a veracidade do mesmo", enquanto o outro, dr. José Geraldo Cremonesi, mostrou-se relutante: "Não nos convencemos da total isenção de autoria do suspeito".
O menor Décio, que teria visto Mara Lúcia pela derradeira vez, não hesitou apontar o Francês, num grupo de pessoas parecidas entre si e deliberadamente colocadas num mesmo recinto pela autoridade policial, como aquele que mais se assemelhava ao indivíduo que estava ao lado da menina, no dia da desaparição, "podendo ser ele", e isto, para o delegado presente no tal ato do reconhecimento, soou como não conclusivo para continuidade das investigações, e pouco depois o Francês já não residia mais em Bauru.
O repórter investigativo, Saulo Gomes, das Emissoras Associadas e TV 4 - Tupi, alertado por um delegado de polícia 'descobriu' o paradeiro do Francês em Rio Claro, e disto proveu estardalhaços midiáticos, fundamentado em gravações de áudio e imagens com a única testemunha ocular e do próprio suspeito, Francês, obrigando o DOPS paulista a uma atuação incidental no caso.
Os expedientes inseridos nos IP de nº 10/71 não se encontram ordenados sequencialmente, por datas, e muitas páginas juntadas em datas posteriores, até entre si desencontradas, numa juntada quase que aleatória de documentos das equipes investigativas, ou levantamentos em separado. Um típico fechar de volumes às pressas.
Após dois anos de conturbadas ou, porque não, atabalhoadas investigações e um inquérito policial malconduzido, dificilmente se chegaria ao autor do delito; e, assim, em 1974 o então 1º Promotor de Justiça da Comarca de Bauru, dr. Irahy Baptista de Abreu, solicitou arquivamento do inquérito que "vem se avolumando com as constantes idas e vindas ao fórum e delegacia de polícia locais, apenas para satisfazer à legalidade dos prazos determinados por lei desde 6 de setembro de 1972", sendo tal pedido aceito pelo Juízo de Direito de Bauru aos 14 de agosto de 1974.
Em 1º de março de 1985 o inquérito policial sobre o 'Caso Mara Lucia' foi reaberto, a pedido do então 5º Promotor de Justiça da Comarca, dr. Otacilio Garms Filho, diante de novos fatos e depoimentos que poderiam, enfim, elucidar o crime, e outra vez Nilton Paulo Vilela Marques posto como principal alvo de acusações, com novos testemunhos, afora o obsessivo Felizardo Félix insistir nas acusações, desta feita mais para denunciar sua expulsão disciplinar da Polícia Militar, relacionando-a como ato punitivo em razão do seu testemunho que incriminava o rapaz.
Dois outros suspeitos ganhariam foco: João Ugeda Medina e Milton Martinho Ribeiro. O primeiro, desavençado com o João Vieira, que o obrigara casar-se com sua sobrinha, menor de idade, grávida num relacionamento conflituoso; enquanto Milton Martinho, toxicômano conhecido, residente em frente à casa dos Vieira, que em momentos de insânias dizia-se o executor de Mara Lucia.
Medina teve seu nome envolvido pelo ex-policial civil, investigador de polícia, Luiz Fernando Comegno, apelidado Dedé, que o apontou assassino de Mara Lucia, num levantamento ilógico, denunciando-o ao delegado Francisco de Assis Moura, da Delegacia Regional de Polícia, que o encarregara das averiguações, desconsideradas pelas autoridades.
O Milton Martinho foi revelado pelo investigador policial Manuel Bento Ferreira, incumbido pelo mesmo delegado, dr. Assis Moura, para atuar no caso 'Mara Lucia', em parceria com Luiz Fernando Comegno, o Dedé, no entanto, divergindo-se do colega quanto ao autor do delito. Bento, a seu juízo, juntara provas contundentes que incriminavam o seu suspeito, contudo, paralisadas as averiguações, quando se soube já falecido o implicado.
Manuel Bento Ferreira, relataria o 'Caso Mara Lucia' entre os muitos episódios de sua vida profissional, na obra 'Um Policial embaixo do Pé de Café', pela editora Daikoku, 2013, no qual afirma a identidade daquele que seria o autor dos crimes contra a menor Mara Lucia, inclusive a reforçar o seu embasamento na revelação que obteve de um irmão do incriminado.
Ainda sobre Milton Martinho Ribeiro, o então investigador de polícia, lotado noutro município, Washington Luiz Paroneto de Andrade, um confesso usuário de drogas e comungado àquele para drogarem-se, disse tê-lo ouvido certa feita insinuar-se como assassino de Mara Lucia, no entanto, sem comprovações que pudessem, de fato, imputá-lo culpado.
Os demais testemunhos e novos levantamentos não trouxeram subsídios capazes de colocar qualquer suspeito na cena do crime. Frustrado, o promotor Garms Filho solicitou e teve deferido o arquivamento dos autos aos 09 de maio de 1989.
Nova tentativa de reabertura do inquérito policial aconteceria no ano 2000, quando da prisão e as confissões do andarilho Laerte Patrocínio Orpinelli – 'o maníaco da bicicleta', que teria assassinado dez ou mais crianças em pelo menos sete municípios paulistas, atraindo as atenções do delegado José Jorge Cardia, da Delegacia de Investigações Gerais (DIG-Garra), de Bauru.
Orpinelli, entrevistado pelo dr. Cardia, admitiu a possibilidade de ter cometido algum crime em Bauru e, diante da foto de Maria Lucia, teria reagido de modo a se lembrar da menina, na mesma faixa etária de suas vítimas, crianças entre os nove e doze anos de idade, todas mortas de maneira semelhante.
Outra coincidência apontada pelo delegado Cardia, Orpinelli classificava-se como mentalmente confuso, bem próprio de 'biruta', conforme referência que Mara Lucia fizera do homem que estava próximo a ela, no momento do encontro com Décio Luiz Venturini. Contudo, levantamentos policiais demonstraram que Orpinelli não matou Mara Lucia.
Primeiro se pensou que a menina resolvera, na tarde daquela quarta-feira, por volta das 16,00 horas, avançar além das calçadas de sua casa, às ocultas da mãe, para brincar com coleguinhas nas adjacências, ou até mesmo mais distante a entreter-se, nalgum lugar, alheia às preocupações que sua ausência viesse causar.
Mara Lucia, entretanto, não mais regressaria ao lar, para ser encontrada, casualmente, quatro dias depois, morta e abandonada num banheiro externo do imóvel residencial desocupado, à Rua Professor José Ranieri, 8-61, corpo nu já em estado de putrefação, a menos de seis quadras de onde vista pela última vez. Trazia marcas severas de violência física, morte por estrangulamento e agressão sexual pós óbito.
O crime gerou revolta e comoção em Bauru e repercutiu em todo o Brasil: familiares da vítima, amigos e toda a sociedade alarmados. O crime consistiu em sequestro – na época dizia-se rapto, agressão física, estrangulamento da vítima e estupro.
Caso público e midiático, todos na expectativa em saber quando, e que fosse logo, a polícia identificaria e prenderia o criminoso.
Tão logo encontrado o cadáver, a polícia iniciou as investigações, certo ou errado, na forma de pré-inquérito que levasse ao autor ou autores do delito, através de diligências sumárias determinadas de ofício pelas autoridades, não coibidas aquelas sem registros protocolares, visando maior agilidade e melhor suporte para o inquérito formal.
No 'Caso Mara Lucia' tanto a polícia, pressionada pela sociedade, quanto a mídia, ávida por notícias e divulgações visando audiência, se apressaram resolver o crime que chocara o país, mas não se conseguiu chegar ao verdadeiro autor.
Algumas versões apontaram possíveis autores do crime, agora prescrito, e dois dentre eles destacados, o Nilton Paulo Vilela Marques e o Elivaldo Torres de Vasconcelos, vulgo Francês.
Nilton Paulo, principal suspeito para a Polícia Militar e parte da população de Bauru, prestou declarações na Delegacia de Polícia acompanhado de advogado e munido de provas, que ele se encontrava em outro município no dia e momento do crime, além de não ser reconhecido pela única testemunha, o menor Décio Luiz Venturini, como o homem que estava ao lado de Mara Lucia quando vista pela última vez.
Para a população bauruense, Nilton Paulo era o culpado, talvez pela razão que o imóvel, onde localizado o cadáver da menina, fosse do seu pai, e ele ali fizesse ponto para habitual uso de drogas e encontros libidinosos, isto desde quando a casa desocupada.
O álibi de Nilton seria forjado e as autoridades o acobertavam, por ser ele filho de rica e tradicional família, todavia o seu mais sério acusador, o policial militar Felizardo Félix da Silva, que o teria fiscalizado numa inspeção de trânsito, naquele 11 de novembro de 1970, por dirigir veículo além da velocidade permitida para o local, não lavrou o auto de infração, e, assim, sem produção de qualquer prova. Houve protestos e indignações.
Outro suspeito, Elivaldo Torres de [e] Vasconcelos, vulgo Francês, que eventualmente trabalhava no ramo de instalações e reparos elétricos, conhecia Mara Lucia desde quando as respectivas famílias moravam vizinhas, divisando quintais aos fundos.
Francês tinha fama de 'tarar menores', respondeu acusações a respeito, e em depoimento, apresentou contradições, e sobre ele divergiram os delegados de polícia, chefes de equipes de investigação no 'Caso Mara Lucia'; um, o dr. Luiz Pegoraro, parecia satisfeito com o depoimento dado "Assim é que seguindo o álibi fornecido por Francês comprovamos a veracidade do mesmo", enquanto o outro, dr. José Geraldo Cremonesi, mostrou-se relutante: "Não nos convencemos da total isenção de autoria do suspeito".
O menor Décio, que teria visto Mara Lúcia pela derradeira vez, não hesitou apontar o Francês, num grupo de pessoas parecidas entre si e deliberadamente colocadas num mesmo recinto pela autoridade policial, como aquele que mais se assemelhava ao indivíduo que estava ao lado da menina, no dia da desaparição, "podendo ser ele", e isto, para o delegado presente no tal ato do reconhecimento, soou como não conclusivo para continuidade das investigações, e pouco depois o Francês já não residia mais em Bauru.
O repórter investigativo, Saulo Gomes, das Emissoras Associadas e TV 4 - Tupi, alertado por um delegado de polícia 'descobriu' o paradeiro do Francês em Rio Claro, e disto proveu estardalhaços midiáticos, fundamentado em gravações de áudio e imagens com a única testemunha ocular e do próprio suspeito, Francês, obrigando o DOPS paulista a uma atuação incidental no caso.
Os expedientes inseridos nos IP de nº 10/71 não se encontram ordenados sequencialmente, por datas, e muitas páginas juntadas em datas posteriores, até entre si desencontradas, numa juntada quase que aleatória de documentos das equipes investigativas, ou levantamentos em separado. Um típico fechar de volumes às pressas.
Após dois anos de conturbadas ou, porque não, atabalhoadas investigações e um inquérito policial malconduzido, dificilmente se chegaria ao autor do delito; e, assim, em 1974 o então 1º Promotor de Justiça da Comarca de Bauru, dr. Irahy Baptista de Abreu, solicitou arquivamento do inquérito que "vem se avolumando com as constantes idas e vindas ao fórum e delegacia de polícia locais, apenas para satisfazer à legalidade dos prazos determinados por lei desde 6 de setembro de 1972", sendo tal pedido aceito pelo Juízo de Direito de Bauru aos 14 de agosto de 1974.
Em 1º de março de 1985 o inquérito policial sobre o 'Caso Mara Lucia' foi reaberto, a pedido do então 5º Promotor de Justiça da Comarca, dr. Otacilio Garms Filho, diante de novos fatos e depoimentos que poderiam, enfim, elucidar o crime, e outra vez Nilton Paulo Vilela Marques posto como principal alvo de acusações, com novos testemunhos, afora o obsessivo Felizardo Félix insistir nas acusações, desta feita mais para denunciar sua expulsão disciplinar da Polícia Militar, relacionando-a como ato punitivo em razão do seu testemunho que incriminava o rapaz.
Dois outros suspeitos ganhariam foco: João Ugeda Medina e Milton Martinho Ribeiro. O primeiro, desavençado com o João Vieira, que o obrigara casar-se com sua sobrinha, menor de idade, grávida num relacionamento conflituoso; enquanto Milton Martinho, toxicômano conhecido, residente em frente à casa dos Vieira, que em momentos de insânias dizia-se o executor de Mara Lucia.
Medina teve seu nome envolvido pelo ex-policial civil, investigador de polícia, Luiz Fernando Comegno, apelidado Dedé, que o apontou assassino de Mara Lucia, num levantamento ilógico, denunciando-o ao delegado Francisco de Assis Moura, da Delegacia Regional de Polícia, que o encarregara das averiguações, desconsideradas pelas autoridades.
O Milton Martinho foi revelado pelo investigador policial Manuel Bento Ferreira, incumbido pelo mesmo delegado, dr. Assis Moura, para atuar no caso 'Mara Lucia', em parceria com Luiz Fernando Comegno, o Dedé, no entanto, divergindo-se do colega quanto ao autor do delito. Bento, a seu juízo, juntara provas contundentes que incriminavam o seu suspeito, contudo, paralisadas as averiguações, quando se soube já falecido o implicado.
Manuel Bento Ferreira, relataria o 'Caso Mara Lucia' entre os muitos episódios de sua vida profissional, na obra 'Um Policial embaixo do Pé de Café', pela editora Daikoku, 2013, no qual afirma a identidade daquele que seria o autor dos crimes contra a menor Mara Lucia, inclusive a reforçar o seu embasamento na revelação que obteve de um irmão do incriminado.
Ainda sobre Milton Martinho Ribeiro, o então investigador de polícia, lotado noutro município, Washington Luiz Paroneto de Andrade, um confesso usuário de drogas e comungado àquele para drogarem-se, disse tê-lo ouvido certa feita insinuar-se como assassino de Mara Lucia, no entanto, sem comprovações que pudessem, de fato, imputá-lo culpado.
Os demais testemunhos e novos levantamentos não trouxeram subsídios capazes de colocar qualquer suspeito na cena do crime. Frustrado, o promotor Garms Filho solicitou e teve deferido o arquivamento dos autos aos 09 de maio de 1989.
Nova tentativa de reabertura do inquérito policial aconteceria no ano 2000, quando da prisão e as confissões do andarilho Laerte Patrocínio Orpinelli – 'o maníaco da bicicleta', que teria assassinado dez ou mais crianças em pelo menos sete municípios paulistas, atraindo as atenções do delegado José Jorge Cardia, da Delegacia de Investigações Gerais (DIG-Garra), de Bauru.
Orpinelli, entrevistado pelo dr. Cardia, admitiu a possibilidade de ter cometido algum crime em Bauru e, diante da foto de Maria Lucia, teria reagido de modo a se lembrar da menina, na mesma faixa etária de suas vítimas, crianças entre os nove e doze anos de idade, todas mortas de maneira semelhante.
Outra coincidência apontada pelo delegado Cardia, Orpinelli classificava-se como mentalmente confuso, bem próprio de 'biruta', conforme referência que Mara Lucia fizera do homem que estava próximo a ela, no momento do encontro com Décio Luiz Venturini. Contudo, levantamentos policiais demonstraram que Orpinelli não matou Mara Lucia.
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Sumário
Algumas palavras
Sumário
I – Dos acontecimentos
- 1. O sequestro
- 2. Histórico do desaparecimento
- 3. Do Boletim de Ocorrência nº 1.464
- 3.1. Décio, aquele que por último viu Mara Lucia com vida
- 3.2. Dalva do Carmo Gasparini Tavares, vizinha dos Vieira
- 4. A procura pela menina
- 5. O corpo encontrado
- 5.1. Maria Cardoso Franco
- 5.2. Clovis Quagliato
- 5.3. A polícia no local
- 6. Exame necroscópico
- 7. Exame do corpo de delito
- 8. Fotos periciais – IP 10/71
Sumário
I – Dos acontecimentos
- 1. O sequestro
- 2. Histórico do desaparecimento
- 3. Do Boletim de Ocorrência nº 1.464
- 3.1. Décio, aquele que por último viu Mara Lucia com vida
- 3.2. Dalva do Carmo Gasparini Tavares, vizinha dos Vieira
- 4. A procura pela menina
- 5. O corpo encontrado
- 5.1. Maria Cardoso Franco
- 5.2. Clovis Quagliato
- 5.3. A polícia no local
- 6. Exame necroscópico
- 7. Exame do corpo de delito
- 8. Fotos periciais – IP 10/71
II – Das investigações e resultados
- 1. A polícia à procura do assassino
- 1.1. Antonio Rodrigues
- 1.2. Hélio Martins Quinelato
- 1.3. Santo Martins Quinelato
- 2. Os suspeitos improváveis
- 2.1. Edgard de Castro Marques – o primeiro incriminado
- 2.2. Ademar dos Santos
- 2.3. Joaquim Luiz de Lima Filho – o 'Quina'
- 2.4. Arlindo Luiz de Lima – o 'Lindóia'
- 2.5. Luiz Carlos Rosalin – o 'Carlinhos'
- 3. Os suspeitos descartados
- 3.1. José Carlos de Mello
- 3.2. Valdir Fialho Moura
- 3.3. Aparecido Leme
- 3.4. José Rufino Leite – um andarilho
- 3.5. Abel Silva – o caminheiro
- 3.6. Alberto Rodrigues de Souza ou Alberto dos Santos
- 3.7. Um estranho nas proximidades
- 3.8. Outro estranho, agora em casa de Mara Lucia
- 3.9. Antonio Carlos Pereira Rocha – o parafílico
- 3.10. Ofertantes de dinheiro às mulheres
- 3.10.1. Tentação a uma menor
- 3.10.2. Um homem com sotaque espanhol
- 3.11. José Alves
- 3.12. Waldemar Pereira
- 3.13 'Zé Gurita'
- 3.14. Geraldo Vieira da Silva
- 3.15. José Paes Bezerra – o 'Monstro do Morumbi'
- 4. Investigações que nem deveriam ser
- 4.1. Um menino, uma senhora e um suspeito irreal
- 4.2. Informes desencontrados
- 4.3. Um jovem perturbado
- 4.4. Um homem suspeito – o pânico disseminado
- 4.5. O suspeitado Otacilio Vieira de Carvalho
- 4.6. O homem escondido no forro de uma casa
- 5. Dos primeiros relatórios
- 5.1. Relatório assinado pelo dr. Geraldo Cremonesi
- 5.2. Do delegado Luiz Pegoraro – relatório de 28/11/1970
- 5.3. Relatório dos investigadores de polícia de São Paulo
III – 'Francês', o suspeito do retrato falado
- 1. Elivaldo Gonçalves Torres de Vasconcelos – o 'Francês'
- 1.1. Um pai dominante
- 2. Reconhecimento visual – semelhante ao retrato falado
- 3. Quando o Francês na mira dos policiais
- 4. O depoimento do Francês
- 4.1. O que sugerem as divergências de datas
- 5. Depoimentos que mencionam o Francês
- 5.1. De Leda Grossi Vieira, a mãe da vítima
- 5.2. Do João Vieira, o pai da vítima
- 5.3. Da Jane Grossi Marques da Silva – tia de Mara Lucia
- 6. Um depoimento até para ser desconsiderado
- 7. Das testemunhas citadas pelo Francês
- 7.1. O Félix Sanches Filho – um testemunho destoante
- 7.2. Depoimento de Mituo Harada
- 7.3. Depoimento de José Leôncio
- 8. Uma investigação despropositada
- 9. A imprensa no acosso ao Francês
- 9.1. O repórter investigativo Saulo Gomes
- 9.2. E o Francês prestou queixas
- 9.3. Delegado do SOPS de Bauru recorreu ao DEOPS
- 9.4. As declarações do jornalista Saulo Gomes
IV – Nilton Paulo – o principal implicado
- 1. Nilton Paulo numa intrincada rede de suspeições
- 1.1. Um pai rico e influente
- 2. Depoimentos controversos
- 2.1. A denúncia do policial militar Felizardo Félix da Silva
- 2.2. O depoimento de Alencar [Pelegrini] Gandara
- 2.3. Acareação entre Felizardo Félix e Alencar Gandara
- 2.4. Laudze Garcia Menezes – testemunha do Felizardo
- 3. O depoimento de Nilton Paulo
- 3.1. Auto de acareação entre Felizardo Félix e Nilton Paulo
- 4 – Os testemunhos a favor de Nilton Paulo
- 4.1. Declaração conjunta das senhoras rotarianas
- 4.2. Depoimentos individuais das senhoras rotarianas
- 4.2.1. Alyria Abreu de Almeida
- 4.2.2. Marina Rinaldi Junqueira
- 4.2.3. Anna Lins Accioly
- 4.2.4. Natalina Barbeiro Roberto
- 4.2.5. Eloísa Souza Zulian
- 4.2.6. Neide Urso – confirma Nilton Paulo em Botucatu
- 4.3. Documentos juntados para o álibi de Nilton Paulo
- 4.3.1. Nota fiscal de abastecimento do veículo
- 4.3.2. Comprovante de votação
- 5. Crime por vingança familiar – se dizia na época
- 6. Pedido de arquivamento do Inquérito Policial 10/71
V – Reabertura do IP 10/71
- 1. Uma década depois
- 2. O 'Diário de Bauru', em 1985: a reconstituição do crime
- 3. Análise sucinta
VI – O prosseguimento das investigações
- 1. Novos testemunhos
- 1.1. Marilene de Fátima Erba Ferracini – a fantasiosa
- 1.1.1. Edson Francisco da Silva – depoimento supérfluo
- 1.2. Elizabeth Gonçalves da Silva – a sensatez
- 1.3. Da 'Coluna Informe' do 'Diário de Bauru'
- 1.3.1. Eduardo Nassarala – se recusou revelar a fonte
- 1.4. Felizardo Félix da Silva – 2º depoimento - contradições
- 1.4.1. Felizardo Félix – nas manchetes de jornais em 1986
- 1.5. Esclarecimentos de 'Dona Lalu'
- 1.6. Depoimento de Milton Martins – temeu comprometer-se
- 1.7. Testemunho de Reynaldo Martins da Silva Passos
- 1.8. Depoimento do delegado de polícia José Jorge Cardia
VII – Investigações extra-autos
- 1. João Ugeda Medina denunciado assassino
- 1.1. Depoimento de Luiz Fernando Comegno – o Dedé
- 1.2 Clara Vieira de Carvalho em defesa do ex-cônjuge Medina
- 1.3. Informações de João Vieira sobre o Medina
- 1.4. Das conclusões sem resultados
- 2. O investigado Milton Martinho Ribeiro
- 2.1. O que disse o investigador Manuel Bento Ferreira
- 2.2. O relato de Washington Paroneto de Andrade
- 2.3. Leila de Lourdes Codogno
- 2.4. Informações adicionais sobre o Martinho
VIII – Quem matou Mara Lucia?
- 1. Francês foi o sequestrador
- 2. Nilton Paulo Vilela Marques não respondeu pelo crime
IX – O encerramento sem punição
- 1. Não se quis o Nilton Paulo na cena do crime
- 2. Relatório policial complementar de 29 de abril de 1987
- 3. Outra vez o arquivamento dos autos, agora em 09/05/1989
- 4. E o delegado José Jorge Cardia ainda quis reabrir o caso
Contracapa
I – Dos acontecimentos
1. O sequestro
Na Delegacia de Polícia do Município de Bauru, aos 12 de novembro de 1970, o escrivão Cirineu Alves de Lima lavrou o Boletim de Ocorrência de nº 1464, por rapto, que atualmente se classificaria como sequestro.
Na Delegacia de Polícia do Município de Bauru, aos 12 de novembro de 1970, o escrivão Cirineu Alves de Lima lavrou o Boletim de Ocorrência de nº 1464, por rapto, que atualmente se classificaria como sequestro.
Mara Lucia Vieira, nove anos de idade, filha de João Vieira e Leda Grossi Vieira, aos 11 de novembro de 1970, por volta das 16,00 horas, desaparecera de frente da sua residência. Não consta o autor do registro, no entanto, figuram testemunhas o menor Décio Luiz Venturini, 13 anos, amigo e vizinho de Mara Lucia, e Dalva do Carmo Gasparini Tavares, do lar, moradora próxima à residência dos pais da desaparecida.
O histórico não informa, por ausência de provas, se a menor foi retirada defronte de sua residência onde brincava – assinalou-se para esta possibilidade; se apanhada a caminho numa das ruas adjacentes; ou, se furtivamente, induzida ou não, tenha ido ao encontro de seu algoz.
Correto, no entanto, que o desaparecimento de Mara Lucia não foi mediante violência ou ameaça, e sim por meio de astúcia do sequestrador ou por ser ele conhecido da vítima, pois, quando esta vista pela última vez, caminhava, tranquila, ao lado do homem que, possivelmente pouco depois, a assassinaria com requintes de crueldade e se serviria sexualmente do cadáver, ou que a outro ele a entregasse para o mesmo trágico desenlace.
2. Histórico do desaparecimento
Leda Grossi Vieira, a mãe da vítima, estava em sua casa, costurando, na companhia da vizinha Dalva do Carmo Gasparini Tavares. Lembra que às 15,55 horas olhou no relógio para ver se estava a tempo de preparar mamadeira para a criança, sob seus cuidados, enquanto sua irmã Jane, a mãe, cuidava de ajustes no comércio da cidade. Naquele momento Leda, num espichar de olhos, viu a filha Mara Lucia brincando na calçada, sozinha, sentada a garatujar qualquer coisa no chão. Alimentou a criança, trocou a fralda e a recolocou no berço.
Mulher prática, Leda aproveitou a oportunidade para dar banho nos filhos menores, Julio Cesar e João, idades de 7 e 6 anos, respectivamente, antes da vez de Mara Lucia, tudo mais ou menos cronometrado, rotina doméstica, sendo que a filha mais velha, a Maria Angélica, de 10 anos, retornaria da escola por volta das 18,10 horas, pois às quartas-feiras tinha aula de Educação Física.
Jane retornou às 16,45 horas e perguntou por Mara Lucia, com a resposta que estaria na calçada, em frente ou ao lado, brincando, mas a chegante negou tê-la visto, ambas, no entanto, tranquilizadas, pois o filho de uma vizinha acabara de chegar e, ouvindo a conversa ou questionado, disse que a menina estava em sua casa, e então Leda mandou o filho Júlio Cesar chama-la; Mara Lucia não se encontrava na casa vizinha, nem por lá esteve naquele dia.
Leda, angustiada e sem o marido que viajara no dia anterior, queria saber onde a filha se metera. Maria Angélica ao chegar da escola, além das 18,00 horas, teve incumbência em percorrer residências conhecidas, onde costumeiramente sua irmã pudesse ser localizada; sem sucesso.
Excluída a vizinhança, ainda relativamente próximo da morada existia o tobogã na Avenida Duque de Caxias, lugar atrativo para crianças; e, em direção contrária, estava a mina de água potável, onde as pessoas por lá enchiam seus vasilhames para o lar; mas, ninguém notara Mara Lucia nesses lugares.
3. Do Boletim de Ocorrência nº 1.464
Não houve autor identificado no registro do Boletim de Ocorrência sobre o desaparecimento da Mara Lucia, apenas duas testemunhas arroladas, o menor Décio Luiz Venturini, que teria visto a vítima ao lado de um homem, o qual sabia descrever com detalhes, e Dalva do Carmo Gasparini Tavares, apenas presente por solidariedade aos pais da vítima, seus vizinhos.
Quase sempre uma testemunha tem algo a dizer, quando ainda no calor dos acontecimentos, mas, passados o momento e tempos, a pessoa reflete melhor, quando não por aconselhamentos, e suas declarações perdem propositadamente, às vezes, a importância e nada acrescentam para as investigações policiais.
Não foi assim com o menor Décio, mesmo décadas depois, ainda a manter versão primária apontando para o mesmo homem que observara ao lado de Mara Lucia naquela fatídica data.
3.1. Aquele que por último viu Mara Lucia com vida
Décio Luiz Venturini teria sido a última pessoa conhecida a ver Mara Lucia com vida. Nascido em Bauru (SP), aos 29 de novembro de 1957, filho de Décio Vitor Venturini e de Arlinda Alves Venturini, idade de 13 anos em 1970, morava com os pais na Rua Saint Martin, nº 13-75, cursando o 2º ano do então curso ginasiano na escola pública Ernesto Monte, período da manhã, das 6,00 as 11,00.
Conhecera Mara Lucia desde quando a família dela viera residir na vizinhança, se encontravam e brincavam juntos, e com outras crianças, após 15,30 horas, saída escolar dela.
Na data de 11 de novembro de 1970, Décio, a mando da mãe, fora à mina próxima buscar água e, no retorno, ao subir pela Rua Benjamin Constant, antes de encontrar um primo, viu ou reconheceu Mara Lucia ao longe, distância de quadra e meia acima, agachada e rabiscar alguma coisa na calçada.
Os primos pararam para conversar, marcar ida ao córrego para nadar; difícil precisar o horário desse encontro, embora o próprio Décio arrisque por volta das 15,10 horas, talvez aí algum equívoco em razão do período, de meado da primavera para o verão, quando os dias se tornam mais longos, com percepções diferentes do entardecer, como se via naquele mês de novembro.
Caminho retomado, Décio cruzou com Mara Lúcia a descer pela Benjamin Constant, ao lado de um adulto que a acompanhava ou fazia-se seguir, em meio as vias Engenheiro Saint Martin e Professor José Ranieri, e, ao passar por entre eles, deu as costas ao homem para perguntar à amiga, mais aproximada ao muro, 'onde ela ia', para ouvir a resposta 'logo ali' e algo como o 'seu nome está escrito na outra calçada', concomitante à indicação dela que aquele indivíduo era doido, assim expresso com o giro do dedo anular à altura do ouvido.
Segundo observações de Décio, Mara Lucia vestia short vermelho de bolas brancas, blusa branca com monograma da escola 'Grupo Escolar Rodrigues de Abreu', e estava descalça. O púbere lembra, ainda, que ao chegar à esquina da Rua Saint Martin parou e olhou para trás, porém não viu mais Mara Lucia nem aquele homem, a deduzir que seguiram pela a Rua José Ranieri, rumo à Vila Perroca.
Cumprida a obrigação materna, Décio teve autorização para brincar no córrego com o primo e amigos, por algum tempo, e ao regressar viu-se questionado por dona Leda se de fato avistara Mara Lucia e com quem, com resposta afirmativa e ele então descreveu o indivíduo que caminhava ao lado dela: um homem branco, que ele não conhecia, idade por volta dos 30 anos, 1,70 de altura mais ou menos, de bigode ralo, rosto afilado, trajando calça escura, talvez preta, camisa branca de mangas curtas, e tal pessoa, numa observação sutil, não usava relógio de pulso.
Das descrições de Décio, o retrato falado:
"A vítima foi vista pelo menor Décio Venturini, 1ª testemunha deste Boletim, caminhando em companhia de um indivíduo de cor branca, de bigode, aparentando 30 a 35 anos, relativamente bem trajado, vestindo na época uma camisa branca e calça preta; que perguntou à vítima onde estar ia, então ela, sem dizer nada, apontou tal indivíduo, e acenando com a mão, deu a entender que tal indivíduo era louco; que a mesma continuou em companhia do mesmo cidadão rumo à Vila Perroca.Este Plantão Policial foi informado que a vítima trajava na época, um short vermelho de bolas brancas, blusa branca com uma monograma no bolso, com a sigla do Grupo Escolar Rodrigues de Abreu, estando descalça; que é uma pessoa magra, morena clara e cabelos compridos.Todo o disponível policial foi mobilizado, inclusive o canil do 4º B.P. [Batalhão Policial] em diligências."O retrato falado apontava para um rosto bastante familiar dos policiais, o Elivaldo Gonçalves Torres de Vasconcelos, apelidado 'Francês', afamado por suas proezas sexuais, inclusive tarador de menores.
A polícia estava diante de provável sequestro, cometido por alguém conhecido da vítima, posto observada aparentemente tranquila ao lado de um homem, o que não era bom indicativo, na dedução de qualquer policial experiente, a antever-se algum predador sexual pedófilo, então a quase certeza que a vítima não sairia com vida após consumação do ato.
Décio voltaria a ser ouvido pela polícia aos 09 de dezembro de 1970, com mais detalhes do seu dia em 11 de novembro de 1970, mas nada pode acrescentar às investigações policiais em andamento.
Das demais vezes que sua presença solicitada na Delegacia de Polícia, descartou suspeitos para se ater apenas ao Francês, "podendo ser ele" como aquele que acompanhava Mara Lucia ou fazia-se acompanhar por ela.
3.2. A vizinha dos Vieira
Dalva do Carmo Gasparini Tavares, brasileira, casada, do lar, nascida aos 06 de janeiro de 1945, Gália (SP), filha de Domingos Luiz Gasparini e Germana Gonçalves de Oliveira, residente em Bauru, à Rua Saint Martin, 14-15.
Além das informações prestadas por Décio na Delegacia de Polícia, também Dalva do Carmo Gasparini Tavares, vizinha da família Vieira, citada no Boletim de Ocorrência, prestou depoimento, como testemunha no 'Caso Mara Lucia', aos 15 de dezembro de 1970.
Declarou-se vizinha da família Vieira, mais ou menos seis meses antes do ocorrido, que costumeiramente via Mara Lucia brincando com outras crianças vizinhas, inclusive os seus filhos, sempre nas imediações; e naquele dia 11 de novembro a menina esteve em sua casa, das 9,00 às 11,00 horas, quando saiu; considerava-a esperta, porém inocente, talvez pela idade.
No período da tarde, do mesmo 11 de novembro, esteve na casa de Leda, para acertos de costuras, e por lá permaneceu até por volta das 16,00 horas, e viu quando a menina chegou da escola, às 15,30 horas, lanchou, gracejou com o irmão menor e saiu para brincar na calçada da casa.
Dalva se retirou para o lar, e lá pelas 17,30 horas se dirigiu até a esquina para chamar seus filhos, quando se deparou com Leda procurando pela filha e não a encontrava.
Solidária, acompanhou Leda na busca pela filha nos arredores; o tio da menina, José Marques da Silva, policial militar, também se envolveu nas procuras ao lado de outras pessoas, entre elas o seu marido.
Permaneceu ao lado de Leda até a manhã de 15 de novembro, quando se dirigiu, com o marido, até Gália para votar, retornando na segunda-feira pela manhã, quando soube que o corpo de Mara Lucia fora localizado e já sepultado.
O testemunho de Dalva nada acrescentou; afinal ela não viu e nem ouviu nada, apenas acompanhou o drama da família Vieira, em especial Leda, a mãe da vítima.
Dalva figurou como testemunha por haver comparecido à Delegacia de Polícia, no momento da lavratura do Boletim de Ocorrência.
4. A procura pela menina
Alerta dado, uma menina desaparecida, sequestrada ou não, os vizinhos organizaram os primeiros grupos de buscas, na noite de 11 de novembro de 1970, e a eles se uniram policiais que por lá apareceram, extraoficialmente, atendendo aos chamados de José Marques da Silva, colega militar, casado com Jane Grossi, a tia materna da desaparecida.
Iniciava-se uma investigação oficiosa. À exceção do menor Décio, nenhuma testemunha localizada, ninguém viu ou ouviu algo anormal nalgum possível trajeto, nas proximidades da residência da menina, a aparentar que a execução e andamento do sequestro, rapto como se dizia à época, não atraíra atenções, e mesmo o único relatador, Décio, nada observou que pudesse indicar Mara Lucia forçada acompanhar o suposto criminoso.
Não se admitia, por questão lógica, que a menina estivesse perdida, ou por si, longe de casa; chegaria a alguma casa ou pessoa para solicitar ajuda.
Populares solidários, nos dias e noites seguintes percorreram todas as vilas e bairros, em patrulhas organizadas, alguns a pé, vasculhando lugares, outros com veículos, cada qual com um policial ou pessoa experiente, em ações mais ou menos coordenadas, numa varredura, sem resultados.
Policiais e especialistas já imaginavam a menina morta ou bastante ferida, na melhor hipótese.
5. O corpo encontrado
Por acaso, no dia 15 de novembro de 1970, o corpo da desaparecida Mara Lucia foi localizado em um banheiro de fundos, numa casa vazia, poucas quadras distantes de onde morava.
O itinerário provável, numa quarta-feira, 11 de novembro de 1970, por volta das 16,30 horas, um homem caminhou ao lado da menina, conhecida na vizinhança, pela Rua Benjamin Constant, entre as vias Engenheiro Saint Martin e Professor José Ranieri, e por esta adiante até a quadra 8, número 61.
Nenhum morador, trabalhador ou passante neste curso ou adjacências, viu nada, situação estranha em se tratando de ruas e travessas movimentadas.
5.1. A mulher que localizou o cadáver
Maria Cardoso Franco, brasileira, solteira, prendas domésticas, nascida em Santa Cruz do Rio Pardo (SP), aos 02 de junho de 1913, filha de Martinho Cardoso Franco e Joaquina Theodora Franco, residente à Rua São Gonçalo, 2-73, Bauru.
Uma casa à venda na Rua Professor José Ranieri, nº 8-61, e a interessada Maria Cardoso Franco lá se encontrava, naquele dia 15 de novembro, a vistoriar cada cômodo, detalhadamente, até chegar à cozinha onde sentiu forte odor vindo de fora, da área de serviço anexa ao prédio principal ou do quintal.
Na área de serviço Maria Franco percebeu que o banheiro estava fechado pelo lado de fora, e, por uma fresta na porta, saíam e entravam moscas varejeiras e de outras espécies, a deduzir, pelo vão, a entrada de um gato e por lá morto.
A mulher abriu a porta e a empurrou com um cabo de vassoura, para se deparar então com o cadáver de uma menina, atrás do vaso sanitário, um pano branco sobre a cabeça, peças de roupas e alguns objetos sobre e ao lado do corpo, sangue coagulado no chão.
Diante do tamanho imprevisto, Maria Franco saiu até a calçada defronte o imóvel para aguardar chegada ou passagem de algum conhecido, sendo Clovis Quagliato o primeiro, vindo da votação que se realizava naquele dia.
A mulher informou o ocorrido ao Plantão Policial[3], e outra vez seria ouvida pela polícia, aos 23 de novembro de 1971, porém este seu depoimento nada trouxe de interesse ou a acrescer, apesar de longo e detalhado.
5.2. Um vizinho confirmou o corpo da vítima
Clovis Quagliato, idade 42 anos, brasileiro, casado, motorista, nascido em Jau (SP) aos 16 de julho de 1928, filho de Hermenegildo Quagliato e Pedrina Penitente Quagliato, residente à Rua Professor José Ranieri, 8-67, Bauru.
O vizinho Clovis, inteirado da situação, dirigiu-se ao local para constatar o cadáver de uma pessoa, entendendo de imediato ser o de Mara Lucia.
"(...) que no banheiro do referido prédio, que se localiza na parte externa do prédio, tinha um cadáver de uma pessoa; que, em companhia da referida senhora dirigiu-se até o banheiro e após constatar a veracidade dos fatos, comunicou este Plantão Policial, por telefone".
Descontrolado Clóvis deixou o local em prantos e a gritar que era a menina desaparecida, atraindo atenções de vizinhos e transeuntes, e ir rápido telefonar para a polícia enquanto pessoas se ajuntavam em frente da casa onde localizado o corpo.
Clovis prestaria um novo depoimento, aos 15 de dezembro de 1970, e melhor esclareceria sua versão, contudo nada que pudesse melhor auxiliar nas investigações.
5.3. A polícia no local
Descoberto o cadáver que já se sabia de Mara Lucia, o espaço físico sofreu contaminações num entra e sai de populares, sem os cuidados com toques e apoios de mãos, os esbarrões e as esfregações com as costas, cabeças e pernas, nas paredes e chão de tão acanhado espaço físico, eliminando e a ocultar dados e detalhes para a peritagem. À mesma maneira corrompido o estreito corredor, à esquerda do prédio, o único acesso externo à área de serviço e banheiro aonde o corpo.
Não seria de forma alguma diferente, pela tardança da polícia chegar ao local, fato justificado pelas distância e comunicações com as autoridades, num domingo de eleições, sendo a primeira providência policial afastar os curiosos e isolar área.
Mara Lucia fora enfim encontrada, sem vida, no dia 15 de novembro de 1970, por volta das 12,15 horas, o corpo nu, em estado de putrefação, posição em decúbito dorsal entre o vaso sanitário e paredes do banheiro externo daquela casa desocupada, à Rua Professor José Ranieri, 8-61, a menos de seis quadras de onde vista com vida pela última vez.
A vítima trazia marcas visíveis de violência física pelas pancadas na cabeça e morte cruel, por estrangulamento, com a constrição do pescoço através de laço acionado mediante força maior, obstruindo passagem de ar aos pulmões, interrompendo circulação do sangue ao encéfalo e a comprimir os nervos da garganta; depois de morta sofreu agressão sexual.
A notícia espalhou-se rápido através das emissoras de rádio, depois pelos jornais, e o delegado de polícia Luiz Pegoraro, à frente dos trabalhos, oficialmente declarou o encontro do cadáver de Mara Lucia.
Outras autoridades policiais presentes no local: os delegados de polícia José Francisco Bastos Silva, titular da Delegacia de Polícia do Município; José Geraldo Cremonesi, do Serviço de Ordem Política e Social (SOPS); e o citado plantonista Luiz Pegoraro, da Delegacia de Polícia do Município.
Os peritos policiais avaliaram os detalhes de como encontrado o local, através das análises e disposições das peças e vestígios, para desvendar como ocorreu o crime, e a seguir proceder o 'auto de arrecadação' para exames posteriores, se e quando necessários, para conexão entre a prova material, o crime e o criminoso:
"Um (1) arco de prender cabelo de cor branca; uma (1) blusa de uniforme escolar, de cor branca, com monograma no bolso (Grupo Escolar Rodrigues de Abreu), tendo no seu interior diversas figurinhas; um (1) pequeno cordel de fibra trançado, que se encontrava envolvido na garganta da vítima e uma (1) tampa de lata, possivelmente de lata de talco, que se encontrava no banheiro, onde estava o corpo da vítima. O arco de prender cabelo e a blusa de uniforme escolar estavam sobre o corpo vítima, na altura do rosto".
No citado 'auto de arrecadação' não consta o tampo da caixa de descarga da privada, vista em fotos do local, usada para golpear a cabeça da vítima, e onde podia constar digitais do criminoso.
Por ordem do delegado Luiz Pegoraro, o corpo de Mara Lucia foi removido do local para o necrotério do Cemitério da Vila Independência, de Bauru, onde necropsiado pelo médico legista regional, Homero de Oliveira Ribeiro, da cidade Jaú-SP, auxiliado pelo clínico bauruense Danilo Campana.
6. Exame necroscópico
O 'Laudo Necroscópico', de 15 de novembro de 1970, apurou a causa e como ocorrida a morte:
"(...). O corpo que nos foi apresentado para exame, era de uma menor do sexo feminino, aparentando a idade alegada [9 anos], de cor branca; achava-se deitado em decúbito dorsal sobre a mesa do necrotério do cemitério da Vila Independência, despida e com uma corda de dois elementos, envolvendo o pescoço por três voltas fechando em nó simples com uma laçada. -Exame externo: O corpo achava-se em avançado estado de putrefação, aparentando mais de 84 horas de óbito; tegumento externo recoberto de pápulas e flictenas, características da putrefação; manchas verdosas por todo o corpo, mais acentuadas no abdomem e fossas ilíacas, também características da putrefação; retirado do pescoço uma corda que o volteava três vezes terminando em um nó simples com laçada, verificamos um sulco uniforme horizontal e completo, tendo de profundidade aproximadamente 2 centímetros; em ambos joelhos presenciamos escoriações contusas de formas mais ou menos irregulares, medindo em sua maior extensão aproximadamente 3 centímetros.-Exame ginecológico: Examinando os órgãos genitais da vítima observamos: órgãos genitais externos relativamente desenvolvidos em proporção à idade, com o monte de vênus ainda desprovido de pelos; - equimoses perivulvar; hímen, membranoso, de forma mais ou menos ovalar, apresentando roturas recentes nos quadrantes superior direito e inferior esquerdo; esta última, é profunda, observa-se desgarro e rotura da parede posterior da vagina e uma extensão de 4 centímetros.-Exame da região do pescoço: Externamente, já dissertamos em 'exame externo'; internamente, após dissecção constatamos hemorragias intramusculares, sufusões nos tecidos subjacentes ao sulco, esmagamento parcial do esqueleto da laringe e fratura com esmagamento do osso hioide.Comprovamos também uniformidade em profundidade do sulco produzido pela corda. E vista do avançado estado de putrefação do cadáver e principalmente pelos dados patognomicos de estrangulamento constatados no exame realizado na região do pescoço, deixamos de proceder ao exame interno.-Discussão e conclusão: Pelo que observamos em nosso exame concluímos: a) a vítima retro qualificada foi estuprada; houve coito vaginal e este deve ter sido de forma violenta; b) a vítima faleceu de asfixia mecânica (estrangulamento); c) o óbito ocorreu há mais de 84 horas.-Respostas aos quesitos: - ao primeiro [Houve morte?], sim; ao segundo [Qual a sua causa?], asfixia mecânica; ao terceiro [Qual o instrumento ou meio que a produziu?], constrição do pescoço por corda; ao quarto [Foi produzido por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura, ou por outro meio insidioso ou cruel? (Resposta especificada.)], por meio cruel estrangulamento.(...)."
Mara Lucia foi sepultada na mesma data, 15 de novembro de 1970, por volta das 17,30 horas, no Cemitério da Saudade, em Bauru.
7. Exame do corpo de delito
O exame de corpo de delito é a prova material da existência de um crime, ou, desaparecida a materialidade, do conjunto dos vestígios resultantes da prática criminosa.
No 'Caso Mara Lucia', o Instituto de Polícia Técnica, 'Dr. Coriolano Nogueira Cobra', de São Paulo, designou o perito criminal, Vladimir Zubkovsky, para proceder aos exames do 'corpo de delito' no local relacionado aos fatos:
8. Fotos periciais – IP 10/71
Algumas fotos, chocantes, revelando a crueza de um crime hediondo, sem o menor respeito pela vítima, uma criança indefesa.
A intenção dos autores foi exclusivamente mostrar o horror sacrificial a que foi exposta a pequena vítima da insanidade de adultos.
As fotos complementam os laudos e exames necroscópico e do corpo de delito.
No 'Caso Mara Lucia', o Instituto de Polícia Técnica, 'Dr. Coriolano Nogueira Cobra', de São Paulo, designou o perito criminal, Vladimir Zubkovsky, para proceder aos exames do 'corpo de delito' no local relacionado aos fatos:
"(...).- ESCLARECIMENTO PRELIMINARDeve-se colocar em relevo que, por razões perfeitamente justificáveis, o local em apreço não pode ser devido e convenientemente preservado por parte da autoridade policial, na forma como estabelece e determina o Código do Processo Penal, em seus arts. 6º, inciso ‘I’, e 169.Aliás, por ocasião da chegada do Perito-relator a Bauru, o cadáver de Mara Lucia Vieira já havia sido inclusive necropsiado e enterrado.Pelas razões acima expedidas, a marcha dos trabalhos em relação aos indícios concernentes ao 'delicta factis transeuntis' foi procedido o critério de exame de corpo de delito indireto. Por outro lado, com relação aos elementos de ordem material no que tange ao 'delicta factis permanentis', o Perito-relator, além de proceder o levantamento 'in loco', efetuou exames nas vestes e outros de laboratório, portanto tudo de forma direta.- O LOCAL E O CADÁVERComo bem retratam as ilustrações aéreas de nºs 1 a 3 do município de Bauru, complementadas pelas de nºs 4 e 5, que vão em anexo, o evento teve por palco dois prédios: um – residência da vítima – situado à Rua Eng. Saint Martin, 14-5, localizado numa das esquinas formadas com a Rua Benjamin Constant; outro – onde foi encontrado o cadáver da vítima – à Rua Prof. José Ranieri, nº 8-61. Como se pode notar pelas fotografias aéreas de nºs 1 a 3, o fato verificou-se numa área densamente povoada.Pericialmente falando, interessa, no presente caso, somente o prédio de nº 8-61 da Rua Prof. José Ranieri, o qual é térreo, isolado, construído praticamente ao nível geral da via pública, precedido por uma área cimentada, esta limitada com a Rua por muro de tijolos, encimado por cerca de madeira e interrompido por portão igualmente de madeira. Para outros detalhes, vide fotografia anexa de nº 5.Esse prédio residencial, desabitado, compreende: varanda, dois dormitórios, sala e cozinha. Ainda, junto ao corpo principal do prédio, há uma área com tanque, 'w.c.' com chuveiro e um pequeno quintal.O acesso ao 'w.c.', no caso em tela, verificou-se pela passagem lateral esquerda, considerando-se quem adentra no imóvel, visto que a da direita não possui comunicação. Para outros pormenores, vide fotografias anexas de nºs. 5 e 6.O 'w.c.' tem, com face para a área com tanque, uma porta de madeira, de uma só folha, tendo por sistema de segurança um trinco que se encaixa em uma alça fixada no batente, isto pelo lado externo. O 'w.c.' tem, ainda, voltado para a passagem lateral direita, considerando-se o sentido retro mencionado, um vitraux dotado de caixilhos metálicos envidraçados, basculantes uns, fixos outros. Para outros detalhes, vide fotografia anexa de nº 7.Como bem se visualiza pelas ilustrações inclusas de nºs 7 a 11, achava-se no interior 'w.c.', precisamente entre a bacia e a parede dos fundos, considerando-se o sentido de quem entra naquela dependência, o cadáver do sexo feminino, de cútis branca, identificado como sendo o de MARA LUCIA VIEIRA, com cerca de nove (9) anos de idade, o qual jazia, no piso, em decúbito dorsal.O cadáver apresentava-se nu. Os pés descalços e sem meias. Todavia, nas proximidades, foi encontrado um calção vermelho com estampas de bolinhas brancas, uma calcinha vermelha, uma blusa branca e uma travessa plástica da cor de creme. Peças estas que, logo mais adiante, serão objetos de exame.Acrescente-se, ademais, que entre os membros inferiores da vítima havia um panfleto de promoção de um curso de madureza. Além do mais, encostado sobre o membro inferior esquerdo e parte do tronco estava a tampa da caixa de descarga.Como se pode notar pelas fotografias anexas de nºs de 8 a 11, o cadáver já se encontrava em estado de putrefação, visto que eram notórios os fenômenos transformativos e a presença de bactérias anaeróbicas, tendo ainda como papel coadjuvante os germens aeróbios e também a formação de gases putrefeitos.Como se pode constatar pelas fotografias inclusas de nºs 10 e 11, cingia e constringia fortemente o pescoço da vítima, com múltiplas laçadas, uma corda de sisal, que será objeto de exame mais adiante.Os sulcos, impressões deixadas pelas laçadas nos tecidos moles do pescoço, estavam situados abaixo, acima e sobre a laringe e em sentido transversal ao eixo do pescoço, de formato contínuo e de profundidade uniforme, circunstâncias estas que podem ser observadas pelas fotografias anexas de nºs 10 e 11.Cumpre ainda ressaltar que em face a posição e situação das extremidades da corda de sisal, os agentes ativo e passivo, por ocasião do evento, achavam-se frente à frente.Visualiza-se pela ilustração anexa de nº 9, que Mara Lucia Vieira havia sido submetida a violenta conjunção carnal.Em atenção a solicitação da autoridade requisitante, o Perito-relator procedeu à raspagem de substâncias aderidas à parede da fachada posterior do prédio, onde eram visíveis, ainda, crostas, um pelo e manchas de uma substância semitransparente amarelo-claro.As crostas, o pelo e as manchas foram encaminhados ao Laboratório de Hematologia do I.P.T.- DO EXAME DE SANGUEAs crostas, o pelo e as manchas foram tratados distintamente com água destilada, preparando-se destarte, soluções para as diagnoses genéricas de sangue, empregando-se os reagentes de 'KASTLE-MEYER' e 'FLEIG' (fluorescência).Os resultados dessas diagnoses foram, como se supunha, NEGATIVOS.- PEÇAS DE EXAMEA autoridade requisitante entregou ao Perito-relator, para exame, as seguintes peças:I - uma blusa, usada, sem marca aparente de confecção, de tecido de algodão de cor branca, de mangas curtas, de gola redonda, de abertura central dotada de quatro botões de 'nylon', de cor branca, possuindo um bolso na parte inferior da face anterior direita da blusa, onde havia o monograma de um mapa do Estado de São Paulo e a expressão 'G. ESC. RODRIGUES DE ABREU – BAURU'.No exame desta peça notou-se uma solução de continuidade (rasgadura), de aspecto recente, a qual, partindo da 'casa' situado junto à gola, tinha trinta (30) milímetros de extensão, em sentido vertical e de cima para baixo. Para outros detalhes, vide fotografia anexo de nº 16.II - um calção usado, sem marca aparente de fabricação, de tecido de algodão vermelho, com estampa de bolas brancas e dotado de elástico na cintura (vide fotografia inclusa de nº 17).III - uma calcinha de menina, usada, de helanca vermelha, sem marca aparente de confecção, com adorno de renda branca nas pernas e apresentando uma pequena solução de continuidade no sentido horizontal da parte posterior, medindo cincoenta e cinco (55) milímetros de extensão, situada a sessenta (60) milímetros da costura lateral esquerda e a cincoenta (50) milímetros do cós (vide fotografia anexa de nº 17).IV - um cordel de sisal torcido, medindo em condições normais cento e quarenta (147) centímetros de comprimento total e pesando cerca de dez (10) gramas (vide fotografia anexa de nº 17).V – uma travessa plástica destinada a prender cabelo, em forma de arco, da cor creme.VI - uma tampa metálica dotada de rosca interna, própria para latas de inseticida e talco;Cumpre ressaltar que, com relação as peças descritas sob os itens 'II' e 'III', as mesmas além de microrganismos resultantes da putrefação do cadáver apresentavam fezes, circunstância esta indicativa de que ocorreu por ocasião do estrangulamento, o relaxamento do esfíncter anal de Mara Lucia Vieira. Por consequência lógica o estupro da menor verificou-se após o estrangulamento.Adite-se, também, que a peça relatada sob o item nº 'IV' foi requisitada pela Divisão de Crimes Contra a Pessoa, órgão do Departamento Estadual de Investigações Criminais.Finalmente, deve-se consignar que a peça descrita sob o item 'V' perdeu a sua respectiva forma ao ser tratada com substância antisséptica. (...)."O crime ocorreu e se sabe como, mesmo com a contaminação do ambiente e desaparecimento de parte da materialidade, não de todo comprometedora, porém não prestou ao auxílio para se chegar ao criminoso ou criminosos.
8. Fotos periciais – IP 10/71
Algumas fotos, chocantes, revelando a crueza de um crime hediondo, sem o menor respeito pela vítima, uma criança indefesa.
A intenção dos autores foi exclusivamente mostrar o horror sacrificial a que foi exposta a pequena vítima da insanidade de adultos.
As fotos complementam os laudos e exames necroscópico e do corpo de delito.
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