—livro impresso—
sábado, 16 de fevereiro de 2019
Os autores
Profissão: Aposentado - funcionário público estadual, área da saúde.
Formação: Pedagogo - Especialista em Educação; Teólogo – formação em teogonias e teologia psicanalítica; História (...) - programa de educação continuada.
Junko Sato Prado:
Formação: Pedagogo - Especialista em Educação; Teólogo – formação em teogonias e teologia psicanalítica; História (...) - programa de educação continuada.
Junko Sato Prado:
Profissão: Aposentada - servidora pública, área da saúde.
Formação: Cirurgiã-Dentista; Magistério.
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Ambos, memorialistas, atuantes no resgate histórico-documental civilizatório na formação do último rincão inculto da Província – depois Estado – de São Paulo, entre os rios Tietê e Paranapanema, desde a descida da Serra Botucatu às barrancas do Rio Paraná, a contar de 1850 / 1851.
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São autores, em parceria, dos títulos historiográficos:
1. 'Razias – incursões predatórias em territórios indígenas, a partir do Pardo santa-cruzense', 2005;
2. 'Historiografia para Santa Cruz do Rio Pardo', 2012;
3. 'Santa Cruz do Rio Pardo: Memórias, documentos e referências', 2013;
4. 'Santa Cruz do Rio Pardo – nos tempos dos coronéis e mandatários', 2015.
Também titulares dos registros :
1. 'Além das fronteiras e mistérios do desconhecido', 1998;
2. 'Selhama – o fenômeno paranormal', 1999;
3. 'Rita Emboava – segredos revelados', 2010;
4. 'Armando [Portezan] Vizetiv – o savant santa-cruzense', 2016;
5. 'Mara Lucia – um crime sem prescrição', 2018;
Todos os trabalhos disponibilizados eletronicamente no endereço:
1. 'Além das fronteiras e mistérios do desconhecido', 1998;
2. 'Selhama – o fenômeno paranormal', 1999;
3. 'Rita Emboava – segredos revelados', 2010;
4. 'Armando [Portezan] Vizetiv – o savant santa-cruzense', 2016;
5. 'Mara Lucia – um crime sem prescrição', 2018;
Todos os trabalhos disponibilizados eletronicamente no endereço:
Prefácio - Aurélio Fernandes
O Brasil está entre os países com menor taxa de elucidação de homicídios, seja por falhas ou falta de investigações por parte da polícia. A média é de apenas 15% dos assassinatos são esclarecidos. Em países como França e Reino Unido o índice varia de 80% a 90%. Até a vizinha Argentina tem um porcentual mais alto: 45%. O índice mostra que, passados [quase] 50 anos, crime hediondo como de Mara Lúcia continua a gerar indignação e demonstrar que o país ainda precisa de melhor muito na área de segurança pública e na persecução penal.
O trabalho do casal Celso e Junko Sato Prado resgata um dos crimes mais cruéis, ocorrido em 1970, em plena vigência da ditadura civil-militar. Com base nos inquéritos policiais, atualmente arquivados pelo Poder Judiciário, em Jundiaí, o documento já com as folhas puídas e amareladas pelo tempo ajuda a registrar o que aconteceu naquele dia fatídico de 11 de novembro, quando a menina foi raptada e encontrada morta.
É um material historiográfico que descreve personagens e as idas e vindas de uma intrincada investigação. Tudo com base em fatos documentados, sem ilações, para um caso que continua um mistério.
Aurélio
Alonso, jornalista
Algumas palavras
Aos 11 de novembro de 1970, uma criança de nove anos desapareceu da frente de sua casa, em Bauru, cidade do interior de São Paulo. Seu nome, Mara Lucia Vieira, filha de João Vieira e Leda Grossi Vieira, endereço Rua Engenheiro Saint Martin, nº 14-5, numa esquina com a Benjamin Constant.
Primeiro se pensou que a menina resolvera, na tarde daquela quarta-feira, por volta das 16,00 horas, avançar além das calçadas de sua casa, às ocultas da mãe, para brincar com coleguinhas nas adjacências, ou até mesmo mais distante a entreter-se, nalgum lugar, alheia às preocupações que sua ausência viesse causar.
Mara Lucia, entretanto, não mais regressaria ao lar, para ser encontrada, casualmente, quatro dias depois, morta e abandonada num banheiro externo do imóvel residencial desocupado, à Rua Professor José Ranieri, 8-61, corpo nu já em estado de putrefação, a menos de seis quadras de onde vista pela última vez. Trazia marcas severas de violência física, morte por estrangulamento e agressão sexual pós óbito.
O crime gerou revolta e comoção em Bauru e repercutiu em todo o Brasil: familiares da vítima, amigos e toda a sociedade alarmados. O crime consistiu em sequestro – na época dizia-se rapto, agressão física, estrangulamento da vítima e estupro.
Caso público e midiático, todos na expectativa em saber quando, e que fosse logo, a polícia identificaria e prenderia o criminoso.
Tão logo encontrado o cadáver, a polícia iniciou as investigações, certo ou errado, na forma de pré-inquérito que levasse ao autor ou autores do delito, através de diligências sumárias determinadas de ofício pelas autoridades, não coibidas aquelas sem registros protocolares, visando maior agilidade e melhor suporte para o inquérito formal.
No 'Caso Mara Lucia' tanto a polícia, pressionada pela sociedade, quanto a mídia, ávida por notícias e divulgações visando audiência, se apressaram resolver o crime que chocara o país, mas não se conseguiu chegar ao verdadeiro autor.
Algumas versões apontaram possíveis autores do crime, agora prescrito, e dois dentre eles destacados, o Nilton Paulo Vilela Marques e o Elivaldo Torres de Vasconcelos, vulgo Francês.
Nilton Paulo, principal suspeito para a Polícia Militar e parte da população de Bauru, prestou declarações na Delegacia de Polícia acompanhado de advogado e munido de provas, que ele se encontrava em outro município no dia e momento do crime, além de não ser reconhecido pela única testemunha, o menor Décio Luiz Venturini, como o homem que estava ao lado de Mara Lucia quando vista pela última vez.
Para a população bauruense, Nilton Paulo era o culpado, talvez pela razão que o imóvel, onde localizado o cadáver da menina, fosse do seu pai, e ele ali fizesse ponto para habitual uso de drogas e encontros libidinosos, isto desde quando a casa desocupada.
O álibi de Nilton seria forjado e as autoridades o acobertavam, por ser ele filho de rica e tradicional família, todavia o seu mais sério acusador, o policial militar Felizardo Félix da Silva, que o teria fiscalizado numa inspeção de trânsito, naquele 11 de novembro de 1970, por dirigir veículo além da velocidade permitida para o local, não lavrou o auto de infração, e, assim, sem produção de qualquer prova. Houve protestos e indignações.
Outro suspeito, Elivaldo Torres de [e] Vasconcelos, vulgo Francês, que eventualmente trabalhava no ramo de instalações e reparos elétricos, conhecia Mara Lucia desde quando as respectivas famílias moravam vizinhas, divisando quintais aos fundos.
Francês tinha fama de 'tarar menores', respondeu acusações a respeito, e em depoimento, apresentou contradições, e sobre ele divergiram os delegados de polícia, chefes de equipes de investigação no 'Caso Mara Lucia'; um, o dr. Luiz Pegoraro, parecia satisfeito com o depoimento dado "Assim é que seguindo o álibi fornecido por Francês comprovamos a veracidade do mesmo", enquanto o outro, dr. José Geraldo Cremonesi, mostrou-se relutante: "Não nos convencemos da total isenção de autoria do suspeito".
O menor Décio, que teria visto Mara Lúcia pela derradeira vez, não hesitou apontar o Francês, num grupo de pessoas parecidas entre si e deliberadamente colocadas num mesmo recinto pela autoridade policial, como aquele que mais se assemelhava ao indivíduo que estava ao lado da menina, no dia da desaparição, "podendo ser ele", e isto, para o delegado presente no tal ato do reconhecimento, soou como não conclusivo para continuidade das investigações, e pouco depois o Francês já não residia mais em Bauru.
O repórter investigativo, Saulo Gomes, das Emissoras Associadas e TV 4 - Tupi, alertado por um delegado de polícia 'descobriu' o paradeiro do Francês em Rio Claro, e disto proveu estardalhaços midiáticos, fundamentado em gravações de áudio e imagens com a única testemunha ocular e do próprio suspeito, Francês, obrigando o DOPS paulista a uma atuação incidental no caso.
Os expedientes inseridos nos IP de nº 10/71 não se encontram ordenados sequencialmente, por datas, e muitas páginas juntadas em datas posteriores, até entre si desencontradas, numa juntada quase que aleatória de documentos das equipes investigativas, ou levantamentos em separado. Um típico fechar de volumes às pressas.
Após dois anos de conturbadas ou, porque não, atabalhoadas investigações e um inquérito policial malconduzido, dificilmente se chegaria ao autor do delito; e, assim, em 1974 o então 1º Promotor de Justiça da Comarca de Bauru, dr. Irahy Baptista de Abreu, solicitou arquivamento do inquérito que "vem se avolumando com as constantes idas e vindas ao fórum e delegacia de polícia locais, apenas para satisfazer à legalidade dos prazos determinados por lei desde 6 de setembro de 1972", sendo tal pedido aceito pelo Juízo de Direito de Bauru aos 14 de agosto de 1974.
Em 1º de março de 1985 o inquérito policial sobre o 'Caso Mara Lucia' foi reaberto, a pedido do então 5º Promotor de Justiça da Comarca, dr. Otacilio Garms Filho, diante de novos fatos e depoimentos que poderiam, enfim, elucidar o crime, e outra vez Nilton Paulo Vilela Marques posto como principal alvo de acusações, com novos testemunhos, afora o obsessivo Felizardo Félix insistir nas acusações, desta feita mais para denunciar sua expulsão disciplinar da Polícia Militar, relacionando-a como ato punitivo em razão do seu testemunho que incriminava o rapaz.
Dois outros suspeitos ganhariam foco: João Ugeda Medina e Milton Martinho Ribeiro. O primeiro, desavençado com o João Vieira, que o obrigara casar-se com sua sobrinha, menor de idade, grávida num relacionamento conflituoso; enquanto Milton Martinho, toxicômano conhecido, residente em frente à casa dos Vieira, que em momentos de insânias dizia-se o executor de Mara Lucia.
Medina teve seu nome envolvido pelo ex-policial civil, investigador de polícia, Luiz Fernando Comegno, apelidado Dedé, que o apontou assassino de Mara Lucia, num levantamento ilógico, denunciando-o ao delegado Francisco de Assis Moura, da Delegacia Regional de Polícia, que o encarregara das averiguações, desconsideradas pelas autoridades.
O Milton Martinho foi revelado pelo investigador policial Manuel Bento Ferreira, incumbido pelo mesmo delegado, dr. Assis Moura, para atuar no caso 'Mara Lucia', em parceria com Luiz Fernando Comegno, o Dedé, no entanto, divergindo-se do colega quanto ao autor do delito. Bento, a seu juízo, juntara provas contundentes que incriminavam o seu suspeito, contudo, paralisadas as averiguações, quando se soube já falecido o implicado.
Manuel Bento Ferreira, relataria o 'Caso Mara Lucia' entre os muitos episódios de sua vida profissional, na obra 'Um Policial embaixo do Pé de Café', pela editora Daikoku, 2013, no qual afirma a identidade daquele que seria o autor dos crimes contra a menor Mara Lucia, inclusive a reforçar o seu embasamento na revelação que obteve de um irmão do incriminado.
Ainda sobre Milton Martinho Ribeiro, o então investigador de polícia, lotado noutro município, Washington Luiz Paroneto de Andrade, um confesso usuário de drogas e comungado àquele para drogarem-se, disse tê-lo ouvido certa feita insinuar-se como assassino de Mara Lucia, no entanto, sem comprovações que pudessem, de fato, imputá-lo culpado.
Os demais testemunhos e novos levantamentos não trouxeram subsídios capazes de colocar qualquer suspeito na cena do crime. Frustrado, o promotor Garms Filho solicitou e teve deferido o arquivamento dos autos aos 09 de maio de 1989.
Nova tentativa de reabertura do inquérito policial aconteceria no ano 2000, quando da prisão e as confissões do andarilho Laerte Patrocínio Orpinelli – 'o maníaco da bicicleta', que teria assassinado dez ou mais crianças em pelo menos sete municípios paulistas, atraindo as atenções do delegado José Jorge Cardia, da Delegacia de Investigações Gerais (DIG-Garra), de Bauru.
Orpinelli, entrevistado pelo dr. Cardia, admitiu a possibilidade de ter cometido algum crime em Bauru e, diante da foto de Maria Lucia, teria reagido de modo a se lembrar da menina, na mesma faixa etária de suas vítimas, crianças entre os nove e doze anos de idade, todas mortas de maneira semelhante.
Outra coincidência apontada pelo delegado Cardia, Orpinelli classificava-se como mentalmente confuso, bem próprio de 'biruta', conforme referência que Mara Lucia fizera do homem que estava próximo a ela, no momento do encontro com Décio Luiz Venturini. Contudo, levantamentos policiais demonstraram que Orpinelli não matou Mara Lucia.
Primeiro se pensou que a menina resolvera, na tarde daquela quarta-feira, por volta das 16,00 horas, avançar além das calçadas de sua casa, às ocultas da mãe, para brincar com coleguinhas nas adjacências, ou até mesmo mais distante a entreter-se, nalgum lugar, alheia às preocupações que sua ausência viesse causar.
Mara Lucia, entretanto, não mais regressaria ao lar, para ser encontrada, casualmente, quatro dias depois, morta e abandonada num banheiro externo do imóvel residencial desocupado, à Rua Professor José Ranieri, 8-61, corpo nu já em estado de putrefação, a menos de seis quadras de onde vista pela última vez. Trazia marcas severas de violência física, morte por estrangulamento e agressão sexual pós óbito.
O crime gerou revolta e comoção em Bauru e repercutiu em todo o Brasil: familiares da vítima, amigos e toda a sociedade alarmados. O crime consistiu em sequestro – na época dizia-se rapto, agressão física, estrangulamento da vítima e estupro.
Caso público e midiático, todos na expectativa em saber quando, e que fosse logo, a polícia identificaria e prenderia o criminoso.
Tão logo encontrado o cadáver, a polícia iniciou as investigações, certo ou errado, na forma de pré-inquérito que levasse ao autor ou autores do delito, através de diligências sumárias determinadas de ofício pelas autoridades, não coibidas aquelas sem registros protocolares, visando maior agilidade e melhor suporte para o inquérito formal.
No 'Caso Mara Lucia' tanto a polícia, pressionada pela sociedade, quanto a mídia, ávida por notícias e divulgações visando audiência, se apressaram resolver o crime que chocara o país, mas não se conseguiu chegar ao verdadeiro autor.
Algumas versões apontaram possíveis autores do crime, agora prescrito, e dois dentre eles destacados, o Nilton Paulo Vilela Marques e o Elivaldo Torres de Vasconcelos, vulgo Francês.
Nilton Paulo, principal suspeito para a Polícia Militar e parte da população de Bauru, prestou declarações na Delegacia de Polícia acompanhado de advogado e munido de provas, que ele se encontrava em outro município no dia e momento do crime, além de não ser reconhecido pela única testemunha, o menor Décio Luiz Venturini, como o homem que estava ao lado de Mara Lucia quando vista pela última vez.
Para a população bauruense, Nilton Paulo era o culpado, talvez pela razão que o imóvel, onde localizado o cadáver da menina, fosse do seu pai, e ele ali fizesse ponto para habitual uso de drogas e encontros libidinosos, isto desde quando a casa desocupada.
O álibi de Nilton seria forjado e as autoridades o acobertavam, por ser ele filho de rica e tradicional família, todavia o seu mais sério acusador, o policial militar Felizardo Félix da Silva, que o teria fiscalizado numa inspeção de trânsito, naquele 11 de novembro de 1970, por dirigir veículo além da velocidade permitida para o local, não lavrou o auto de infração, e, assim, sem produção de qualquer prova. Houve protestos e indignações.
Outro suspeito, Elivaldo Torres de [e] Vasconcelos, vulgo Francês, que eventualmente trabalhava no ramo de instalações e reparos elétricos, conhecia Mara Lucia desde quando as respectivas famílias moravam vizinhas, divisando quintais aos fundos.
Francês tinha fama de 'tarar menores', respondeu acusações a respeito, e em depoimento, apresentou contradições, e sobre ele divergiram os delegados de polícia, chefes de equipes de investigação no 'Caso Mara Lucia'; um, o dr. Luiz Pegoraro, parecia satisfeito com o depoimento dado "Assim é que seguindo o álibi fornecido por Francês comprovamos a veracidade do mesmo", enquanto o outro, dr. José Geraldo Cremonesi, mostrou-se relutante: "Não nos convencemos da total isenção de autoria do suspeito".
O menor Décio, que teria visto Mara Lúcia pela derradeira vez, não hesitou apontar o Francês, num grupo de pessoas parecidas entre si e deliberadamente colocadas num mesmo recinto pela autoridade policial, como aquele que mais se assemelhava ao indivíduo que estava ao lado da menina, no dia da desaparição, "podendo ser ele", e isto, para o delegado presente no tal ato do reconhecimento, soou como não conclusivo para continuidade das investigações, e pouco depois o Francês já não residia mais em Bauru.
O repórter investigativo, Saulo Gomes, das Emissoras Associadas e TV 4 - Tupi, alertado por um delegado de polícia 'descobriu' o paradeiro do Francês em Rio Claro, e disto proveu estardalhaços midiáticos, fundamentado em gravações de áudio e imagens com a única testemunha ocular e do próprio suspeito, Francês, obrigando o DOPS paulista a uma atuação incidental no caso.
Os expedientes inseridos nos IP de nº 10/71 não se encontram ordenados sequencialmente, por datas, e muitas páginas juntadas em datas posteriores, até entre si desencontradas, numa juntada quase que aleatória de documentos das equipes investigativas, ou levantamentos em separado. Um típico fechar de volumes às pressas.
Após dois anos de conturbadas ou, porque não, atabalhoadas investigações e um inquérito policial malconduzido, dificilmente se chegaria ao autor do delito; e, assim, em 1974 o então 1º Promotor de Justiça da Comarca de Bauru, dr. Irahy Baptista de Abreu, solicitou arquivamento do inquérito que "vem se avolumando com as constantes idas e vindas ao fórum e delegacia de polícia locais, apenas para satisfazer à legalidade dos prazos determinados por lei desde 6 de setembro de 1972", sendo tal pedido aceito pelo Juízo de Direito de Bauru aos 14 de agosto de 1974.
Em 1º de março de 1985 o inquérito policial sobre o 'Caso Mara Lucia' foi reaberto, a pedido do então 5º Promotor de Justiça da Comarca, dr. Otacilio Garms Filho, diante de novos fatos e depoimentos que poderiam, enfim, elucidar o crime, e outra vez Nilton Paulo Vilela Marques posto como principal alvo de acusações, com novos testemunhos, afora o obsessivo Felizardo Félix insistir nas acusações, desta feita mais para denunciar sua expulsão disciplinar da Polícia Militar, relacionando-a como ato punitivo em razão do seu testemunho que incriminava o rapaz.
Dois outros suspeitos ganhariam foco: João Ugeda Medina e Milton Martinho Ribeiro. O primeiro, desavençado com o João Vieira, que o obrigara casar-se com sua sobrinha, menor de idade, grávida num relacionamento conflituoso; enquanto Milton Martinho, toxicômano conhecido, residente em frente à casa dos Vieira, que em momentos de insânias dizia-se o executor de Mara Lucia.
Medina teve seu nome envolvido pelo ex-policial civil, investigador de polícia, Luiz Fernando Comegno, apelidado Dedé, que o apontou assassino de Mara Lucia, num levantamento ilógico, denunciando-o ao delegado Francisco de Assis Moura, da Delegacia Regional de Polícia, que o encarregara das averiguações, desconsideradas pelas autoridades.
O Milton Martinho foi revelado pelo investigador policial Manuel Bento Ferreira, incumbido pelo mesmo delegado, dr. Assis Moura, para atuar no caso 'Mara Lucia', em parceria com Luiz Fernando Comegno, o Dedé, no entanto, divergindo-se do colega quanto ao autor do delito. Bento, a seu juízo, juntara provas contundentes que incriminavam o seu suspeito, contudo, paralisadas as averiguações, quando se soube já falecido o implicado.
Manuel Bento Ferreira, relataria o 'Caso Mara Lucia' entre os muitos episódios de sua vida profissional, na obra 'Um Policial embaixo do Pé de Café', pela editora Daikoku, 2013, no qual afirma a identidade daquele que seria o autor dos crimes contra a menor Mara Lucia, inclusive a reforçar o seu embasamento na revelação que obteve de um irmão do incriminado.
Ainda sobre Milton Martinho Ribeiro, o então investigador de polícia, lotado noutro município, Washington Luiz Paroneto de Andrade, um confesso usuário de drogas e comungado àquele para drogarem-se, disse tê-lo ouvido certa feita insinuar-se como assassino de Mara Lucia, no entanto, sem comprovações que pudessem, de fato, imputá-lo culpado.
Os demais testemunhos e novos levantamentos não trouxeram subsídios capazes de colocar qualquer suspeito na cena do crime. Frustrado, o promotor Garms Filho solicitou e teve deferido o arquivamento dos autos aos 09 de maio de 1989.
Nova tentativa de reabertura do inquérito policial aconteceria no ano 2000, quando da prisão e as confissões do andarilho Laerte Patrocínio Orpinelli – 'o maníaco da bicicleta', que teria assassinado dez ou mais crianças em pelo menos sete municípios paulistas, atraindo as atenções do delegado José Jorge Cardia, da Delegacia de Investigações Gerais (DIG-Garra), de Bauru.
Orpinelli, entrevistado pelo dr. Cardia, admitiu a possibilidade de ter cometido algum crime em Bauru e, diante da foto de Maria Lucia, teria reagido de modo a se lembrar da menina, na mesma faixa etária de suas vítimas, crianças entre os nove e doze anos de idade, todas mortas de maneira semelhante.
Outra coincidência apontada pelo delegado Cardia, Orpinelli classificava-se como mentalmente confuso, bem próprio de 'biruta', conforme referência que Mara Lucia fizera do homem que estava próximo a ela, no momento do encontro com Décio Luiz Venturini. Contudo, levantamentos policiais demonstraram que Orpinelli não matou Mara Lucia.
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Sumário
Algumas palavras
Sumário
I – Dos acontecimentos
- 1. O sequestro
- 2. Histórico do desaparecimento
- 3. Do Boletim de Ocorrência nº 1.464
- 3.1. Décio, aquele que por último viu Mara Lucia com vida
- 3.2. Dalva do Carmo Gasparini Tavares, vizinha dos Vieira
- 4. A procura pela menina
- 5. O corpo encontrado
- 5.1. Maria Cardoso Franco
- 5.2. Clovis Quagliato
- 5.3. A polícia no local
- 6. Exame necroscópico
- 7. Exame do corpo de delito
- 8. Fotos periciais – IP 10/71
Sumário
I – Dos acontecimentos
- 1. O sequestro
- 2. Histórico do desaparecimento
- 3. Do Boletim de Ocorrência nº 1.464
- 3.1. Décio, aquele que por último viu Mara Lucia com vida
- 3.2. Dalva do Carmo Gasparini Tavares, vizinha dos Vieira
- 4. A procura pela menina
- 5. O corpo encontrado
- 5.1. Maria Cardoso Franco
- 5.2. Clovis Quagliato
- 5.3. A polícia no local
- 6. Exame necroscópico
- 7. Exame do corpo de delito
- 8. Fotos periciais – IP 10/71
II – Das investigações e resultados
- 1. A polícia à procura do assassino
- 1.1. Antonio Rodrigues
- 1.2. Hélio Martins Quinelato
- 1.3. Santo Martins Quinelato
- 2. Os suspeitos improváveis
- 2.1. Edgard de Castro Marques – o primeiro incriminado
- 2.2. Ademar dos Santos
- 2.3. Joaquim Luiz de Lima Filho – o 'Quina'
- 2.4. Arlindo Luiz de Lima – o 'Lindóia'
- 2.5. Luiz Carlos Rosalin – o 'Carlinhos'
- 3. Os suspeitos descartados
- 3.1. José Carlos de Mello
- 3.2. Valdir Fialho Moura
- 3.3. Aparecido Leme
- 3.4. José Rufino Leite – um andarilho
- 3.5. Abel Silva – o caminheiro
- 3.6. Alberto Rodrigues de Souza ou Alberto dos Santos
- 3.7. Um estranho nas proximidades
- 3.8. Outro estranho, agora em casa de Mara Lucia
- 3.9. Antonio Carlos Pereira Rocha – o parafílico
- 3.10. Ofertantes de dinheiro às mulheres
- 3.10.1. Tentação a uma menor
- 3.10.2. Um homem com sotaque espanhol
- 3.11. José Alves
- 3.12. Waldemar Pereira
- 3.13 'Zé Gurita'
- 3.14. Geraldo Vieira da Silva
- 3.15. José Paes Bezerra – o 'Monstro do Morumbi'
- 4. Investigações que nem deveriam ser
- 4.1. Um menino, uma senhora e um suspeito irreal
- 4.2. Informes desencontrados
- 4.3. Um jovem perturbado
- 4.4. Um homem suspeito – o pânico disseminado
- 4.5. O suspeitado Otacilio Vieira de Carvalho
- 4.6. O homem escondido no forro de uma casa
- 5. Dos primeiros relatórios
- 5.1. Relatório assinado pelo dr. Geraldo Cremonesi
- 5.2. Do delegado Luiz Pegoraro – relatório de 28/11/1970
- 5.3. Relatório dos investigadores de polícia de São Paulo
III – 'Francês', o suspeito do retrato falado
- 1. Elivaldo Gonçalves Torres de Vasconcelos – o 'Francês'
- 1.1. Um pai dominante
- 2. Reconhecimento visual – semelhante ao retrato falado
- 3. Quando o Francês na mira dos policiais
- 4. O depoimento do Francês
- 4.1. O que sugerem as divergências de datas
- 5. Depoimentos que mencionam o Francês
- 5.1. De Leda Grossi Vieira, a mãe da vítima
- 5.2. Do João Vieira, o pai da vítima
- 5.3. Da Jane Grossi Marques da Silva – tia de Mara Lucia
- 6. Um depoimento até para ser desconsiderado
- 7. Das testemunhas citadas pelo Francês
- 7.1. O Félix Sanches Filho – um testemunho destoante
- 7.2. Depoimento de Mituo Harada
- 7.3. Depoimento de José Leôncio
- 8. Uma investigação despropositada
- 9. A imprensa no acosso ao Francês
- 9.1. O repórter investigativo Saulo Gomes
- 9.2. E o Francês prestou queixas
- 9.3. Delegado do SOPS de Bauru recorreu ao DEOPS
- 9.4. As declarações do jornalista Saulo Gomes
IV – Nilton Paulo – o principal implicado
- 1. Nilton Paulo numa intrincada rede de suspeições
- 1.1. Um pai rico e influente
- 2. Depoimentos controversos
- 2.1. A denúncia do policial militar Felizardo Félix da Silva
- 2.2. O depoimento de Alencar [Pelegrini] Gandara
- 2.3. Acareação entre Felizardo Félix e Alencar Gandara
- 2.4. Laudze Garcia Menezes – testemunha do Felizardo
- 3. O depoimento de Nilton Paulo
- 3.1. Auto de acareação entre Felizardo Félix e Nilton Paulo
- 4 – Os testemunhos a favor de Nilton Paulo
- 4.1. Declaração conjunta das senhoras rotarianas
- 4.2. Depoimentos individuais das senhoras rotarianas
- 4.2.1. Alyria Abreu de Almeida
- 4.2.2. Marina Rinaldi Junqueira
- 4.2.3. Anna Lins Accioly
- 4.2.4. Natalina Barbeiro Roberto
- 4.2.5. Eloísa Souza Zulian
- 4.2.6. Neide Urso – confirma Nilton Paulo em Botucatu
- 4.3. Documentos juntados para o álibi de Nilton Paulo
- 4.3.1. Nota fiscal de abastecimento do veículo
- 4.3.2. Comprovante de votação
- 5. Crime por vingança familiar – se dizia na época
- 6. Pedido de arquivamento do Inquérito Policial 10/71
V – Reabertura do IP 10/71
- 1. Uma década depois
- 2. O 'Diário de Bauru', em 1985: a reconstituição do crime
- 3. Análise sucinta
VI – O prosseguimento das investigações
- 1. Novos testemunhos
- 1.1. Marilene de Fátima Erba Ferracini – a fantasiosa
- 1.1.1. Edson Francisco da Silva – depoimento supérfluo
- 1.2. Elizabeth Gonçalves da Silva – a sensatez
- 1.3. Da 'Coluna Informe' do 'Diário de Bauru'
- 1.3.1. Eduardo Nassarala – se recusou revelar a fonte
- 1.4. Felizardo Félix da Silva – 2º depoimento - contradições
- 1.4.1. Felizardo Félix – nas manchetes de jornais em 1986
- 1.5. Esclarecimentos de 'Dona Lalu'
- 1.6. Depoimento de Milton Martins – temeu comprometer-se
- 1.7. Testemunho de Reynaldo Martins da Silva Passos
- 1.8. Depoimento do delegado de polícia José Jorge Cardia
VII – Investigações extra-autos
- 1. João Ugeda Medina denunciado assassino
- 1.1. Depoimento de Luiz Fernando Comegno – o Dedé
- 1.2 Clara Vieira de Carvalho em defesa do ex-cônjuge Medina
- 1.3. Informações de João Vieira sobre o Medina
- 1.4. Das conclusões sem resultados
- 2. O investigado Milton Martinho Ribeiro
- 2.1. O que disse o investigador Manuel Bento Ferreira
- 2.2. O relato de Washington Paroneto de Andrade
- 2.3. Leila de Lourdes Codogno
- 2.4. Informações adicionais sobre o Martinho
VIII – Quem matou Mara Lucia?
- 1. Francês foi o sequestrador
- 2. Nilton Paulo Vilela Marques não respondeu pelo crime
IX – O encerramento sem punição
- 1. Não se quis o Nilton Paulo na cena do crime
- 2. Relatório policial complementar de 29 de abril de 1987
- 3. Outra vez o arquivamento dos autos, agora em 09/05/1989
- 4. E o delegado José Jorge Cardia ainda quis reabrir o caso
Contracapa
I – Dos acontecimentos
1. O sequestro
Na Delegacia de Polícia do Município de Bauru, aos 12 de novembro de 1970, o escrivão Cirineu Alves de Lima lavrou o Boletim de Ocorrência de nº 1464, por rapto, que atualmente se classificaria como sequestro.
Na Delegacia de Polícia do Município de Bauru, aos 12 de novembro de 1970, o escrivão Cirineu Alves de Lima lavrou o Boletim de Ocorrência de nº 1464, por rapto, que atualmente se classificaria como sequestro.
Mara Lucia Vieira, nove anos de idade, filha de João Vieira e Leda Grossi Vieira, aos 11 de novembro de 1970, por volta das 16,00 horas, desaparecera de frente da sua residência. Não consta o autor do registro, no entanto, figuram testemunhas o menor Décio Luiz Venturini, 13 anos, amigo e vizinho de Mara Lucia, e Dalva do Carmo Gasparini Tavares, do lar, moradora próxima à residência dos pais da desaparecida.
O histórico não informa, por ausência de provas, se a menor foi retirada defronte de sua residência onde brincava – assinalou-se para esta possibilidade; se apanhada a caminho numa das ruas adjacentes; ou, se furtivamente, induzida ou não, tenha ido ao encontro de seu algoz.
Correto, no entanto, que o desaparecimento de Mara Lucia não foi mediante violência ou ameaça, e sim por meio de astúcia do sequestrador ou por ser ele conhecido da vítima, pois, quando esta vista pela última vez, caminhava, tranquila, ao lado do homem que, possivelmente pouco depois, a assassinaria com requintes de crueldade e se serviria sexualmente do cadáver, ou que a outro ele a entregasse para o mesmo trágico desenlace.
2. Histórico do desaparecimento
Leda Grossi Vieira, a mãe da vítima, estava em sua casa, costurando, na companhia da vizinha Dalva do Carmo Gasparini Tavares. Lembra que às 15,55 horas olhou no relógio para ver se estava a tempo de preparar mamadeira para a criança, sob seus cuidados, enquanto sua irmã Jane, a mãe, cuidava de ajustes no comércio da cidade. Naquele momento Leda, num espichar de olhos, viu a filha Mara Lucia brincando na calçada, sozinha, sentada a garatujar qualquer coisa no chão. Alimentou a criança, trocou a fralda e a recolocou no berço.
Mulher prática, Leda aproveitou a oportunidade para dar banho nos filhos menores, Julio Cesar e João, idades de 7 e 6 anos, respectivamente, antes da vez de Mara Lucia, tudo mais ou menos cronometrado, rotina doméstica, sendo que a filha mais velha, a Maria Angélica, de 10 anos, retornaria da escola por volta das 18,10 horas, pois às quartas-feiras tinha aula de Educação Física.
Jane retornou às 16,45 horas e perguntou por Mara Lucia, com a resposta que estaria na calçada, em frente ou ao lado, brincando, mas a chegante negou tê-la visto, ambas, no entanto, tranquilizadas, pois o filho de uma vizinha acabara de chegar e, ouvindo a conversa ou questionado, disse que a menina estava em sua casa, e então Leda mandou o filho Júlio Cesar chama-la; Mara Lucia não se encontrava na casa vizinha, nem por lá esteve naquele dia.
Leda, angustiada e sem o marido que viajara no dia anterior, queria saber onde a filha se metera. Maria Angélica ao chegar da escola, além das 18,00 horas, teve incumbência em percorrer residências conhecidas, onde costumeiramente sua irmã pudesse ser localizada; sem sucesso.
Excluída a vizinhança, ainda relativamente próximo da morada existia o tobogã na Avenida Duque de Caxias, lugar atrativo para crianças; e, em direção contrária, estava a mina de água potável, onde as pessoas por lá enchiam seus vasilhames para o lar; mas, ninguém notara Mara Lucia nesses lugares.
3. Do Boletim de Ocorrência nº 1.464
Não houve autor identificado no registro do Boletim de Ocorrência sobre o desaparecimento da Mara Lucia, apenas duas testemunhas arroladas, o menor Décio Luiz Venturini, que teria visto a vítima ao lado de um homem, o qual sabia descrever com detalhes, e Dalva do Carmo Gasparini Tavares, apenas presente por solidariedade aos pais da vítima, seus vizinhos.
Quase sempre uma testemunha tem algo a dizer, quando ainda no calor dos acontecimentos, mas, passados o momento e tempos, a pessoa reflete melhor, quando não por aconselhamentos, e suas declarações perdem propositadamente, às vezes, a importância e nada acrescentam para as investigações policiais.
Não foi assim com o menor Décio, mesmo décadas depois, ainda a manter versão primária apontando para o mesmo homem que observara ao lado de Mara Lucia naquela fatídica data.
3.1. Aquele que por último viu Mara Lucia com vida
Décio Luiz Venturini teria sido a última pessoa conhecida a ver Mara Lucia com vida. Nascido em Bauru (SP), aos 29 de novembro de 1957, filho de Décio Vitor Venturini e de Arlinda Alves Venturini, idade de 13 anos em 1970, morava com os pais na Rua Saint Martin, nº 13-75, cursando o 2º ano do então curso ginasiano na escola pública Ernesto Monte, período da manhã, das 6,00 as 11,00.
Conhecera Mara Lucia desde quando a família dela viera residir na vizinhança, se encontravam e brincavam juntos, e com outras crianças, após 15,30 horas, saída escolar dela.
Na data de 11 de novembro de 1970, Décio, a mando da mãe, fora à mina próxima buscar água e, no retorno, ao subir pela Rua Benjamin Constant, antes de encontrar um primo, viu ou reconheceu Mara Lucia ao longe, distância de quadra e meia acima, agachada e rabiscar alguma coisa na calçada.
Os primos pararam para conversar, marcar ida ao córrego para nadar; difícil precisar o horário desse encontro, embora o próprio Décio arrisque por volta das 15,10 horas, talvez aí algum equívoco em razão do período, de meado da primavera para o verão, quando os dias se tornam mais longos, com percepções diferentes do entardecer, como se via naquele mês de novembro.
Caminho retomado, Décio cruzou com Mara Lúcia a descer pela Benjamin Constant, ao lado de um adulto que a acompanhava ou fazia-se seguir, em meio as vias Engenheiro Saint Martin e Professor José Ranieri, e, ao passar por entre eles, deu as costas ao homem para perguntar à amiga, mais aproximada ao muro, 'onde ela ia', para ouvir a resposta 'logo ali' e algo como o 'seu nome está escrito na outra calçada', concomitante à indicação dela que aquele indivíduo era doido, assim expresso com o giro do dedo anular à altura do ouvido.
Segundo observações de Décio, Mara Lucia vestia short vermelho de bolas brancas, blusa branca com monograma da escola 'Grupo Escolar Rodrigues de Abreu', e estava descalça. O púbere lembra, ainda, que ao chegar à esquina da Rua Saint Martin parou e olhou para trás, porém não viu mais Mara Lucia nem aquele homem, a deduzir que seguiram pela a Rua José Ranieri, rumo à Vila Perroca.
Cumprida a obrigação materna, Décio teve autorização para brincar no córrego com o primo e amigos, por algum tempo, e ao regressar viu-se questionado por dona Leda se de fato avistara Mara Lucia e com quem, com resposta afirmativa e ele então descreveu o indivíduo que caminhava ao lado dela: um homem branco, que ele não conhecia, idade por volta dos 30 anos, 1,70 de altura mais ou menos, de bigode ralo, rosto afilado, trajando calça escura, talvez preta, camisa branca de mangas curtas, e tal pessoa, numa observação sutil, não usava relógio de pulso.
Das descrições de Décio, o retrato falado:
"A vítima foi vista pelo menor Décio Venturini, 1ª testemunha deste Boletim, caminhando em companhia de um indivíduo de cor branca, de bigode, aparentando 30 a 35 anos, relativamente bem trajado, vestindo na época uma camisa branca e calça preta; que perguntou à vítima onde estar ia, então ela, sem dizer nada, apontou tal indivíduo, e acenando com a mão, deu a entender que tal indivíduo era louco; que a mesma continuou em companhia do mesmo cidadão rumo à Vila Perroca.Este Plantão Policial foi informado que a vítima trajava na época, um short vermelho de bolas brancas, blusa branca com uma monograma no bolso, com a sigla do Grupo Escolar Rodrigues de Abreu, estando descalça; que é uma pessoa magra, morena clara e cabelos compridos.Todo o disponível policial foi mobilizado, inclusive o canil do 4º B.P. [Batalhão Policial] em diligências."O retrato falado apontava para um rosto bastante familiar dos policiais, o Elivaldo Gonçalves Torres de Vasconcelos, apelidado 'Francês', afamado por suas proezas sexuais, inclusive tarador de menores.
A polícia estava diante de provável sequestro, cometido por alguém conhecido da vítima, posto observada aparentemente tranquila ao lado de um homem, o que não era bom indicativo, na dedução de qualquer policial experiente, a antever-se algum predador sexual pedófilo, então a quase certeza que a vítima não sairia com vida após consumação do ato.
Décio voltaria a ser ouvido pela polícia aos 09 de dezembro de 1970, com mais detalhes do seu dia em 11 de novembro de 1970, mas nada pode acrescentar às investigações policiais em andamento.
Das demais vezes que sua presença solicitada na Delegacia de Polícia, descartou suspeitos para se ater apenas ao Francês, "podendo ser ele" como aquele que acompanhava Mara Lucia ou fazia-se acompanhar por ela.
3.2. A vizinha dos Vieira
Dalva do Carmo Gasparini Tavares, brasileira, casada, do lar, nascida aos 06 de janeiro de 1945, Gália (SP), filha de Domingos Luiz Gasparini e Germana Gonçalves de Oliveira, residente em Bauru, à Rua Saint Martin, 14-15.
Além das informações prestadas por Décio na Delegacia de Polícia, também Dalva do Carmo Gasparini Tavares, vizinha da família Vieira, citada no Boletim de Ocorrência, prestou depoimento, como testemunha no 'Caso Mara Lucia', aos 15 de dezembro de 1970.
Declarou-se vizinha da família Vieira, mais ou menos seis meses antes do ocorrido, que costumeiramente via Mara Lucia brincando com outras crianças vizinhas, inclusive os seus filhos, sempre nas imediações; e naquele dia 11 de novembro a menina esteve em sua casa, das 9,00 às 11,00 horas, quando saiu; considerava-a esperta, porém inocente, talvez pela idade.
No período da tarde, do mesmo 11 de novembro, esteve na casa de Leda, para acertos de costuras, e por lá permaneceu até por volta das 16,00 horas, e viu quando a menina chegou da escola, às 15,30 horas, lanchou, gracejou com o irmão menor e saiu para brincar na calçada da casa.
Dalva se retirou para o lar, e lá pelas 17,30 horas se dirigiu até a esquina para chamar seus filhos, quando se deparou com Leda procurando pela filha e não a encontrava.
Solidária, acompanhou Leda na busca pela filha nos arredores; o tio da menina, José Marques da Silva, policial militar, também se envolveu nas procuras ao lado de outras pessoas, entre elas o seu marido.
Permaneceu ao lado de Leda até a manhã de 15 de novembro, quando se dirigiu, com o marido, até Gália para votar, retornando na segunda-feira pela manhã, quando soube que o corpo de Mara Lucia fora localizado e já sepultado.
O testemunho de Dalva nada acrescentou; afinal ela não viu e nem ouviu nada, apenas acompanhou o drama da família Vieira, em especial Leda, a mãe da vítima.
Dalva figurou como testemunha por haver comparecido à Delegacia de Polícia, no momento da lavratura do Boletim de Ocorrência.
4. A procura pela menina
Alerta dado, uma menina desaparecida, sequestrada ou não, os vizinhos organizaram os primeiros grupos de buscas, na noite de 11 de novembro de 1970, e a eles se uniram policiais que por lá apareceram, extraoficialmente, atendendo aos chamados de José Marques da Silva, colega militar, casado com Jane Grossi, a tia materna da desaparecida.
Iniciava-se uma investigação oficiosa. À exceção do menor Décio, nenhuma testemunha localizada, ninguém viu ou ouviu algo anormal nalgum possível trajeto, nas proximidades da residência da menina, a aparentar que a execução e andamento do sequestro, rapto como se dizia à época, não atraíra atenções, e mesmo o único relatador, Décio, nada observou que pudesse indicar Mara Lucia forçada acompanhar o suposto criminoso.
Não se admitia, por questão lógica, que a menina estivesse perdida, ou por si, longe de casa; chegaria a alguma casa ou pessoa para solicitar ajuda.
Populares solidários, nos dias e noites seguintes percorreram todas as vilas e bairros, em patrulhas organizadas, alguns a pé, vasculhando lugares, outros com veículos, cada qual com um policial ou pessoa experiente, em ações mais ou menos coordenadas, numa varredura, sem resultados.
Policiais e especialistas já imaginavam a menina morta ou bastante ferida, na melhor hipótese.
5. O corpo encontrado
Por acaso, no dia 15 de novembro de 1970, o corpo da desaparecida Mara Lucia foi localizado em um banheiro de fundos, numa casa vazia, poucas quadras distantes de onde morava.
O itinerário provável, numa quarta-feira, 11 de novembro de 1970, por volta das 16,30 horas, um homem caminhou ao lado da menina, conhecida na vizinhança, pela Rua Benjamin Constant, entre as vias Engenheiro Saint Martin e Professor José Ranieri, e por esta adiante até a quadra 8, número 61.
Nenhum morador, trabalhador ou passante neste curso ou adjacências, viu nada, situação estranha em se tratando de ruas e travessas movimentadas.
5.1. A mulher que localizou o cadáver
Maria Cardoso Franco, brasileira, solteira, prendas domésticas, nascida em Santa Cruz do Rio Pardo (SP), aos 02 de junho de 1913, filha de Martinho Cardoso Franco e Joaquina Theodora Franco, residente à Rua São Gonçalo, 2-73, Bauru.
Uma casa à venda na Rua Professor José Ranieri, nº 8-61, e a interessada Maria Cardoso Franco lá se encontrava, naquele dia 15 de novembro, a vistoriar cada cômodo, detalhadamente, até chegar à cozinha onde sentiu forte odor vindo de fora, da área de serviço anexa ao prédio principal ou do quintal.
Na área de serviço Maria Franco percebeu que o banheiro estava fechado pelo lado de fora, e, por uma fresta na porta, saíam e entravam moscas varejeiras e de outras espécies, a deduzir, pelo vão, a entrada de um gato e por lá morto.
A mulher abriu a porta e a empurrou com um cabo de vassoura, para se deparar então com o cadáver de uma menina, atrás do vaso sanitário, um pano branco sobre a cabeça, peças de roupas e alguns objetos sobre e ao lado do corpo, sangue coagulado no chão.
Diante do tamanho imprevisto, Maria Franco saiu até a calçada defronte o imóvel para aguardar chegada ou passagem de algum conhecido, sendo Clovis Quagliato o primeiro, vindo da votação que se realizava naquele dia.
A mulher informou o ocorrido ao Plantão Policial[3], e outra vez seria ouvida pela polícia, aos 23 de novembro de 1971, porém este seu depoimento nada trouxe de interesse ou a acrescer, apesar de longo e detalhado.
5.2. Um vizinho confirmou o corpo da vítima
Clovis Quagliato, idade 42 anos, brasileiro, casado, motorista, nascido em Jau (SP) aos 16 de julho de 1928, filho de Hermenegildo Quagliato e Pedrina Penitente Quagliato, residente à Rua Professor José Ranieri, 8-67, Bauru.
O vizinho Clovis, inteirado da situação, dirigiu-se ao local para constatar o cadáver de uma pessoa, entendendo de imediato ser o de Mara Lucia.
"(...) que no banheiro do referido prédio, que se localiza na parte externa do prédio, tinha um cadáver de uma pessoa; que, em companhia da referida senhora dirigiu-se até o banheiro e após constatar a veracidade dos fatos, comunicou este Plantão Policial, por telefone".
Descontrolado Clóvis deixou o local em prantos e a gritar que era a menina desaparecida, atraindo atenções de vizinhos e transeuntes, e ir rápido telefonar para a polícia enquanto pessoas se ajuntavam em frente da casa onde localizado o corpo.
Clovis prestaria um novo depoimento, aos 15 de dezembro de 1970, e melhor esclareceria sua versão, contudo nada que pudesse melhor auxiliar nas investigações.
5.3. A polícia no local
Descoberto o cadáver que já se sabia de Mara Lucia, o espaço físico sofreu contaminações num entra e sai de populares, sem os cuidados com toques e apoios de mãos, os esbarrões e as esfregações com as costas, cabeças e pernas, nas paredes e chão de tão acanhado espaço físico, eliminando e a ocultar dados e detalhes para a peritagem. À mesma maneira corrompido o estreito corredor, à esquerda do prédio, o único acesso externo à área de serviço e banheiro aonde o corpo.
Não seria de forma alguma diferente, pela tardança da polícia chegar ao local, fato justificado pelas distância e comunicações com as autoridades, num domingo de eleições, sendo a primeira providência policial afastar os curiosos e isolar área.
Mara Lucia fora enfim encontrada, sem vida, no dia 15 de novembro de 1970, por volta das 12,15 horas, o corpo nu, em estado de putrefação, posição em decúbito dorsal entre o vaso sanitário e paredes do banheiro externo daquela casa desocupada, à Rua Professor José Ranieri, 8-61, a menos de seis quadras de onde vista com vida pela última vez.
A vítima trazia marcas visíveis de violência física pelas pancadas na cabeça e morte cruel, por estrangulamento, com a constrição do pescoço através de laço acionado mediante força maior, obstruindo passagem de ar aos pulmões, interrompendo circulação do sangue ao encéfalo e a comprimir os nervos da garganta; depois de morta sofreu agressão sexual.
A notícia espalhou-se rápido através das emissoras de rádio, depois pelos jornais, e o delegado de polícia Luiz Pegoraro, à frente dos trabalhos, oficialmente declarou o encontro do cadáver de Mara Lucia.
Outras autoridades policiais presentes no local: os delegados de polícia José Francisco Bastos Silva, titular da Delegacia de Polícia do Município; José Geraldo Cremonesi, do Serviço de Ordem Política e Social (SOPS); e o citado plantonista Luiz Pegoraro, da Delegacia de Polícia do Município.
Os peritos policiais avaliaram os detalhes de como encontrado o local, através das análises e disposições das peças e vestígios, para desvendar como ocorreu o crime, e a seguir proceder o 'auto de arrecadação' para exames posteriores, se e quando necessários, para conexão entre a prova material, o crime e o criminoso:
"Um (1) arco de prender cabelo de cor branca; uma (1) blusa de uniforme escolar, de cor branca, com monograma no bolso (Grupo Escolar Rodrigues de Abreu), tendo no seu interior diversas figurinhas; um (1) pequeno cordel de fibra trançado, que se encontrava envolvido na garganta da vítima e uma (1) tampa de lata, possivelmente de lata de talco, que se encontrava no banheiro, onde estava o corpo da vítima. O arco de prender cabelo e a blusa de uniforme escolar estavam sobre o corpo vítima, na altura do rosto".
No citado 'auto de arrecadação' não consta o tampo da caixa de descarga da privada, vista em fotos do local, usada para golpear a cabeça da vítima, e onde podia constar digitais do criminoso.
Por ordem do delegado Luiz Pegoraro, o corpo de Mara Lucia foi removido do local para o necrotério do Cemitério da Vila Independência, de Bauru, onde necropsiado pelo médico legista regional, Homero de Oliveira Ribeiro, da cidade Jaú-SP, auxiliado pelo clínico bauruense Danilo Campana.
6. Exame necroscópico
O 'Laudo Necroscópico', de 15 de novembro de 1970, apurou a causa e como ocorrida a morte:
"(...). O corpo que nos foi apresentado para exame, era de uma menor do sexo feminino, aparentando a idade alegada [9 anos], de cor branca; achava-se deitado em decúbito dorsal sobre a mesa do necrotério do cemitério da Vila Independência, despida e com uma corda de dois elementos, envolvendo o pescoço por três voltas fechando em nó simples com uma laçada. -Exame externo: O corpo achava-se em avançado estado de putrefação, aparentando mais de 84 horas de óbito; tegumento externo recoberto de pápulas e flictenas, características da putrefação; manchas verdosas por todo o corpo, mais acentuadas no abdomem e fossas ilíacas, também características da putrefação; retirado do pescoço uma corda que o volteava três vezes terminando em um nó simples com laçada, verificamos um sulco uniforme horizontal e completo, tendo de profundidade aproximadamente 2 centímetros; em ambos joelhos presenciamos escoriações contusas de formas mais ou menos irregulares, medindo em sua maior extensão aproximadamente 3 centímetros.-Exame ginecológico: Examinando os órgãos genitais da vítima observamos: órgãos genitais externos relativamente desenvolvidos em proporção à idade, com o monte de vênus ainda desprovido de pelos; - equimoses perivulvar; hímen, membranoso, de forma mais ou menos ovalar, apresentando roturas recentes nos quadrantes superior direito e inferior esquerdo; esta última, é profunda, observa-se desgarro e rotura da parede posterior da vagina e uma extensão de 4 centímetros.-Exame da região do pescoço: Externamente, já dissertamos em 'exame externo'; internamente, após dissecção constatamos hemorragias intramusculares, sufusões nos tecidos subjacentes ao sulco, esmagamento parcial do esqueleto da laringe e fratura com esmagamento do osso hioide.Comprovamos também uniformidade em profundidade do sulco produzido pela corda. E vista do avançado estado de putrefação do cadáver e principalmente pelos dados patognomicos de estrangulamento constatados no exame realizado na região do pescoço, deixamos de proceder ao exame interno.-Discussão e conclusão: Pelo que observamos em nosso exame concluímos: a) a vítima retro qualificada foi estuprada; houve coito vaginal e este deve ter sido de forma violenta; b) a vítima faleceu de asfixia mecânica (estrangulamento); c) o óbito ocorreu há mais de 84 horas.-Respostas aos quesitos: - ao primeiro [Houve morte?], sim; ao segundo [Qual a sua causa?], asfixia mecânica; ao terceiro [Qual o instrumento ou meio que a produziu?], constrição do pescoço por corda; ao quarto [Foi produzido por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura, ou por outro meio insidioso ou cruel? (Resposta especificada.)], por meio cruel estrangulamento.(...)."
Mara Lucia foi sepultada na mesma data, 15 de novembro de 1970, por volta das 17,30 horas, no Cemitério da Saudade, em Bauru.
7. Exame do corpo de delito
O exame de corpo de delito é a prova material da existência de um crime, ou, desaparecida a materialidade, do conjunto dos vestígios resultantes da prática criminosa.
No 'Caso Mara Lucia', o Instituto de Polícia Técnica, 'Dr. Coriolano Nogueira Cobra', de São Paulo, designou o perito criminal, Vladimir Zubkovsky, para proceder aos exames do 'corpo de delito' no local relacionado aos fatos:
8. Fotos periciais – IP 10/71
Algumas fotos, chocantes, revelando a crueza de um crime hediondo, sem o menor respeito pela vítima, uma criança indefesa.
A intenção dos autores foi exclusivamente mostrar o horror sacrificial a que foi exposta a pequena vítima da insanidade de adultos.
As fotos complementam os laudos e exames necroscópico e do corpo de delito.
No 'Caso Mara Lucia', o Instituto de Polícia Técnica, 'Dr. Coriolano Nogueira Cobra', de São Paulo, designou o perito criminal, Vladimir Zubkovsky, para proceder aos exames do 'corpo de delito' no local relacionado aos fatos:
"(...).- ESCLARECIMENTO PRELIMINARDeve-se colocar em relevo que, por razões perfeitamente justificáveis, o local em apreço não pode ser devido e convenientemente preservado por parte da autoridade policial, na forma como estabelece e determina o Código do Processo Penal, em seus arts. 6º, inciso ‘I’, e 169.Aliás, por ocasião da chegada do Perito-relator a Bauru, o cadáver de Mara Lucia Vieira já havia sido inclusive necropsiado e enterrado.Pelas razões acima expedidas, a marcha dos trabalhos em relação aos indícios concernentes ao 'delicta factis transeuntis' foi procedido o critério de exame de corpo de delito indireto. Por outro lado, com relação aos elementos de ordem material no que tange ao 'delicta factis permanentis', o Perito-relator, além de proceder o levantamento 'in loco', efetuou exames nas vestes e outros de laboratório, portanto tudo de forma direta.- O LOCAL E O CADÁVERComo bem retratam as ilustrações aéreas de nºs 1 a 3 do município de Bauru, complementadas pelas de nºs 4 e 5, que vão em anexo, o evento teve por palco dois prédios: um – residência da vítima – situado à Rua Eng. Saint Martin, 14-5, localizado numa das esquinas formadas com a Rua Benjamin Constant; outro – onde foi encontrado o cadáver da vítima – à Rua Prof. José Ranieri, nº 8-61. Como se pode notar pelas fotografias aéreas de nºs 1 a 3, o fato verificou-se numa área densamente povoada.Pericialmente falando, interessa, no presente caso, somente o prédio de nº 8-61 da Rua Prof. José Ranieri, o qual é térreo, isolado, construído praticamente ao nível geral da via pública, precedido por uma área cimentada, esta limitada com a Rua por muro de tijolos, encimado por cerca de madeira e interrompido por portão igualmente de madeira. Para outros detalhes, vide fotografia anexa de nº 5.Esse prédio residencial, desabitado, compreende: varanda, dois dormitórios, sala e cozinha. Ainda, junto ao corpo principal do prédio, há uma área com tanque, 'w.c.' com chuveiro e um pequeno quintal.O acesso ao 'w.c.', no caso em tela, verificou-se pela passagem lateral esquerda, considerando-se quem adentra no imóvel, visto que a da direita não possui comunicação. Para outros pormenores, vide fotografias anexas de nºs. 5 e 6.O 'w.c.' tem, com face para a área com tanque, uma porta de madeira, de uma só folha, tendo por sistema de segurança um trinco que se encaixa em uma alça fixada no batente, isto pelo lado externo. O 'w.c.' tem, ainda, voltado para a passagem lateral direita, considerando-se o sentido retro mencionado, um vitraux dotado de caixilhos metálicos envidraçados, basculantes uns, fixos outros. Para outros detalhes, vide fotografia anexa de nº 7.Como bem se visualiza pelas ilustrações inclusas de nºs 7 a 11, achava-se no interior 'w.c.', precisamente entre a bacia e a parede dos fundos, considerando-se o sentido de quem entra naquela dependência, o cadáver do sexo feminino, de cútis branca, identificado como sendo o de MARA LUCIA VIEIRA, com cerca de nove (9) anos de idade, o qual jazia, no piso, em decúbito dorsal.O cadáver apresentava-se nu. Os pés descalços e sem meias. Todavia, nas proximidades, foi encontrado um calção vermelho com estampas de bolinhas brancas, uma calcinha vermelha, uma blusa branca e uma travessa plástica da cor de creme. Peças estas que, logo mais adiante, serão objetos de exame.Acrescente-se, ademais, que entre os membros inferiores da vítima havia um panfleto de promoção de um curso de madureza. Além do mais, encostado sobre o membro inferior esquerdo e parte do tronco estava a tampa da caixa de descarga.Como se pode notar pelas fotografias anexas de nºs de 8 a 11, o cadáver já se encontrava em estado de putrefação, visto que eram notórios os fenômenos transformativos e a presença de bactérias anaeróbicas, tendo ainda como papel coadjuvante os germens aeróbios e também a formação de gases putrefeitos.Como se pode constatar pelas fotografias inclusas de nºs 10 e 11, cingia e constringia fortemente o pescoço da vítima, com múltiplas laçadas, uma corda de sisal, que será objeto de exame mais adiante.Os sulcos, impressões deixadas pelas laçadas nos tecidos moles do pescoço, estavam situados abaixo, acima e sobre a laringe e em sentido transversal ao eixo do pescoço, de formato contínuo e de profundidade uniforme, circunstâncias estas que podem ser observadas pelas fotografias anexas de nºs 10 e 11.Cumpre ainda ressaltar que em face a posição e situação das extremidades da corda de sisal, os agentes ativo e passivo, por ocasião do evento, achavam-se frente à frente.Visualiza-se pela ilustração anexa de nº 9, que Mara Lucia Vieira havia sido submetida a violenta conjunção carnal.Em atenção a solicitação da autoridade requisitante, o Perito-relator procedeu à raspagem de substâncias aderidas à parede da fachada posterior do prédio, onde eram visíveis, ainda, crostas, um pelo e manchas de uma substância semitransparente amarelo-claro.As crostas, o pelo e as manchas foram encaminhados ao Laboratório de Hematologia do I.P.T.- DO EXAME DE SANGUEAs crostas, o pelo e as manchas foram tratados distintamente com água destilada, preparando-se destarte, soluções para as diagnoses genéricas de sangue, empregando-se os reagentes de 'KASTLE-MEYER' e 'FLEIG' (fluorescência).Os resultados dessas diagnoses foram, como se supunha, NEGATIVOS.- PEÇAS DE EXAMEA autoridade requisitante entregou ao Perito-relator, para exame, as seguintes peças:I - uma blusa, usada, sem marca aparente de confecção, de tecido de algodão de cor branca, de mangas curtas, de gola redonda, de abertura central dotada de quatro botões de 'nylon', de cor branca, possuindo um bolso na parte inferior da face anterior direita da blusa, onde havia o monograma de um mapa do Estado de São Paulo e a expressão 'G. ESC. RODRIGUES DE ABREU – BAURU'.No exame desta peça notou-se uma solução de continuidade (rasgadura), de aspecto recente, a qual, partindo da 'casa' situado junto à gola, tinha trinta (30) milímetros de extensão, em sentido vertical e de cima para baixo. Para outros detalhes, vide fotografia anexo de nº 16.II - um calção usado, sem marca aparente de fabricação, de tecido de algodão vermelho, com estampa de bolas brancas e dotado de elástico na cintura (vide fotografia inclusa de nº 17).III - uma calcinha de menina, usada, de helanca vermelha, sem marca aparente de confecção, com adorno de renda branca nas pernas e apresentando uma pequena solução de continuidade no sentido horizontal da parte posterior, medindo cincoenta e cinco (55) milímetros de extensão, situada a sessenta (60) milímetros da costura lateral esquerda e a cincoenta (50) milímetros do cós (vide fotografia anexa de nº 17).IV - um cordel de sisal torcido, medindo em condições normais cento e quarenta (147) centímetros de comprimento total e pesando cerca de dez (10) gramas (vide fotografia anexa de nº 17).V – uma travessa plástica destinada a prender cabelo, em forma de arco, da cor creme.VI - uma tampa metálica dotada de rosca interna, própria para latas de inseticida e talco;Cumpre ressaltar que, com relação as peças descritas sob os itens 'II' e 'III', as mesmas além de microrganismos resultantes da putrefação do cadáver apresentavam fezes, circunstância esta indicativa de que ocorreu por ocasião do estrangulamento, o relaxamento do esfíncter anal de Mara Lucia Vieira. Por consequência lógica o estupro da menor verificou-se após o estrangulamento.Adite-se, também, que a peça relatada sob o item nº 'IV' foi requisitada pela Divisão de Crimes Contra a Pessoa, órgão do Departamento Estadual de Investigações Criminais.Finalmente, deve-se consignar que a peça descrita sob o item 'V' perdeu a sua respectiva forma ao ser tratada com substância antisséptica. (...)."O crime ocorreu e se sabe como, mesmo com a contaminação do ambiente e desaparecimento de parte da materialidade, não de todo comprometedora, porém não prestou ao auxílio para se chegar ao criminoso ou criminosos.
8. Fotos periciais – IP 10/71
Algumas fotos, chocantes, revelando a crueza de um crime hediondo, sem o menor respeito pela vítima, uma criança indefesa.
A intenção dos autores foi exclusivamente mostrar o horror sacrificial a que foi exposta a pequena vítima da insanidade de adultos.
As fotos complementam os laudos e exames necroscópico e do corpo de delito.
◙
II – Das investigações e resultados
1. A polícia à procura do assassino
Reconhecidamente difícil a tarefa policial em investigar os acontecimentos que vitimaram Mara Lucia e prender o assassino, pois, à exceção do menor Décio, nenhuma outra pessoa localizada teria visto ou notado a menina, acompanhada ou que se deixou conduzir por alguém, até o banheiro aos fundos de uma casa desabitada, onde brutalmente espancada, assassinada e estuprada.
Os trabalhos policiais de investigações se iniciaram tão logo encontrado o cadáver. Não houve lentidão e, dias depois, a polícia civil se debruçava em dezenas de inquirições, extra-autos, para produção e carreamento de provas que pudessem levar ao assassino.
Por decisão superior formaram-se algumas equipes de investigadores, chefiadas por delegados de polícia, outra vinda de São Paulo – Capital para auxílios nas apurações. Chegaram a alguns nomes oficialmente anotados.
1.1. Antonio Rodrigues
Natural de Itapuí (SP), nascido aos 20 de maio de 1921, filho de Manoel Rodrigues e Maria Bertiana Rodrigues, aposentado, morador em Bauru, à Rua Timbiras, 4-78, prestou declarações aos 24 de agosto de 1971, estando presente o delegado de polícia José Geraldo Cremonesi.
Morador em Bauru desde 1939 ou 1940, Antonio Rodrigues trabalhou durante trinta anos na Tipografia Comercial, de propriedade de Paulo de Castro Marques, em serviços gerais, típico 'faz de tudo', cobrador, varredor, atividades de pedreiro, e outras demandas. Aposentado, continuou a trabalhar para Paulo Marques.
Antonio Rodrigues esteve naquela casa, propriedade do Paulo Marques, a 11 de novembro de 1970, por volta das 13,30 horas, para dedetização do ambiente – desinfestação de pulgas, com uso de 'Neocid', acompanhado de dois auxiliares, os irmãos Hélio e Santo Martins Quinelato, cuidando dos cômodos internos e externo circundante inclusive o banheiro aos fundos separado do prédio principal, e nada anormal observado, a tampa da caixa de descarga no lugar próprio e o assento do vaso sanitário fechado.
Concluído os serviços, mais ou menos às 16,00 horas, os homens deixaram o local, retornando em 13 de novembro, por volta das 17,30 horas, para constatar o efeito do veneno, apenas no interior da casa, permanecendo no local cerca de dez minutos.
Quando oficializado seu depoimento, em 24 de agosto de 1971, Antonio Rodrigues respondeu perguntas, esclareceu dúvidas e confirmou Ademar dos Santos como o último morador da casa, seu conhecido, empregado numa floricultura.
Perguntado, esclareceu que a tampa do vasilhame de veneno foi jogada no canteiro da frente da casa, semelhante àquela encontrada pela perícia, igual às de talco.
Não viu papéis, propaganda escrita de 'curso de madureza', nem corda de sisal ou outro tipo que servisse de varal.
Rodrigues esteve no imóvel naquela data, antes dos acontecimentos, e em nada pode colaborar com a polícia.
1.2. Hélio Martins Quinelato
Nascido em Pompéia (SP), aos 12 de fevereiro de 1946, filho de Pedro Quinelato e de Ana Martins Quinelato, profissão Servente de Pedreiro, casado, residente à Rua Alto Purus, 17-17, Vila Leme, em Bauru. Prestou declarações aos 25 de agosto de 1971, estando presente autoridade policial o delegado José Geraldo Cremonesi.
Hélio confirmou todo o depoimento de Antonio Rodrigues, sem diferenças significativas.
1.3. Santo Martins Quinelato
Nascido em Paulópolis (SP) em 01 de novembro de 1940, filho de Pedro Quinelato e Ana Martins Quinelato, pedreiro, casado, residente à Rua Alto Purus, 16-50, Vila Leme, em Bauru; prestou declarações à polícia a 25 de agosto de 1971, estando presente o delegado José Geraldo Cremonesi.
Santo praticamente repetiu os depoimentos do irmão Hélio e de Antonio Rodrigues, que nada viu de anormal no imóvel, quando lá esteve, a serviço, sem anormalidade quando retornou ao imóvel para verificar a eficácia do veneno.
Tanto ele quanto o irmão e o Antonio Rodrigues, no retorno ao local, a 13 de novembro, encontraram o portão fechado, entraram pela porta da sala, olharam os cômodos, não abriram a porta da cozinha, não vistoriaram o banheiro, nem sentiram odores estranhos.
No depoimento Santo esclareceu que, na sexta-feira, após a revista na casa, ele, o irmão e Antonio Rodrigues foram até próximo à residência dos Vieira, onde era grande o número de pessoas que iam e vinham em procura do Mara Lucia, ainda não localizada. Quase quatorze anos decorridos, Santo foi outra vez ouvido no 'Caso Mara Lucia', então reaberto.
O depoimento aconteceu aos 08 de março de 1985, na Delegacia Regional de Bauru, perante o delegado de polícia, Walter Mendes, e do promotor de justiça, Otacilio Garms Filho:
Sem nenhuma linha de investigação descartada, nem poderia ser diferente, a atuação policial tornou-se maior a partir da localização do cadáver, sendo investigadas e posteriormente ouvidas as pessoas que estiveram no imóvel nos dias 11 e 13 de novembro de 1970.
No entanto, a primeira suspeição ativa de quem o algoz ou mandante do crime, por denúncia, recaiu sobre um idoso caquético, residente no local, líder de segmento religioso mediúnico que funcionava no mesmo endereço.
A polícia não registrou a natureza da denúncia.
2.1. Edgard de Castro Marques – o primeiro incriminado
Filho do político bauruense Carlos Marques da Silva, Intendente Municipal entre 07/03/1898 - 09/10/1900, e um dos fundadores da Loja Maçônica 'Architectos' (1896), também em Bauru.
Benemérito, cumpre-lhe um histórico.
Edgard residiu por alguns anos em Garça (SP), onde cidadão bem relacionado, gerente da Tipografia Cruzeiro (filial da matriz de Bauru), professo kardecista sectário do Centro Espírita Caminho de Damasco, envolvido em obras de assistência social e um dos fundadores do Hospital dos Pobres, depois Hospital e Maternidade Samaritano.
Ainda em Garça, Edgard destacou-se como cofundador do mensário 'Comarca de Garça', depois hebdomadário; pela sua respeitabilidade e ações dignas, lhe foi dado nome de rua na localidade.
Também o Edgard era irmão do rico empresário Paulo de Castro Marques, proprietário da Gráfica Comercial e dono de diversos imóveis em Bauru, inclusive aquela casa à Rua Professor José Ranieri, onde Edgard residiu com a filha de criação, Iracema, o marido dela e os filhos.
Não se sabe a razão que Edgard, na velhice e já residindo em Bauru, tenha se desvirtuado do kardecismo para práticas mediúnicas de 'sessões' domésticas, nas quais menos abrangentes as questões éticas, religiosas e regras de moralidade, pelos padrões da época.
O rumo religioso empregado por Edgard no 'centro' localizado na própria residência, não lhe dava melhores referências, no entendimento dos opositores religiosos.
Apesar da liberdade de culto a todos os indivíduos e confissões no Brasil, ainda nos anos de 1970 prevalecia mentalidade instituída pelo Decreto 847, de 11 de novembro de 1890, que em seu artigo 157, considerava o espiritismo prática proibida.
O próprio 'kardecismo', registrado e autorizado no país, era execrado pelas seitas [religiões] cristãs tradicionais, como as católica, presbiteriana, batista e pentecostais, sendo o culto constantemente denunciado nas delegacias de polícia e a responder perante o juízo nalguns casos, porém a vulnerabilidade maior, e não cumpre aqui as razões e contrarrazões, as perseguições religiosas recaíam muito mais sobre os praticantes de ritos de raízes afro-ameríndio, pejorativamente denominados de 'baixo espiritismo'.
Não se sabe, oficialmente, por qual razão Edgard figurou implicado no 'Caso Mara Lucia', a polícia jamais informou, mas suspeitava-se de crime a mando, por vingança familiar, e ele, por exercer liderança religiosa num grupo de adeptos, muitos deles simplórios e 'cumpre ordens', poderia ser o mandante, considerando que naquele ambiente a 'palavra do chefe' era determinação e o pedido executado.
Sem outras razões, Edgard figurou e foi investigado suspeito no 'Caso Mara Lucia', até que constato seu óbito meses antes do acontecimento.
2.2. Ademar dos Santos
Afro-brasileiro, idade 37 anos, jardineiro, nascido em Duartina-SP, aos 16 de dezembro de 1934, filho de Benedito Faustino dos Santos e Benedita dos Santos, residente e domiciliado à Rua Antonio Garcia, 7-55, Bauru, casado com Iracema, filha adotiva de Edgard de Castro Marques.
Ademar foi suspeito da morte de Mara Lucia, sob mando ou contratante, a pedido, em razão do vínculo socioafetivo com Edgard, e por residir, com a esposa e filhos, na mesma casa que aquele, tido chefe de um lugar onde as 'práticas ou sessões espíritas'.
Intimado, Ademar apresentou-se como testemunha, aos 23 de novembro de 1971, junto a Delegacia de Polícia do Município, na presença do delegado José Geraldo Cremonesi.
A polícia soube, e este era o seu papel investigativo, que um envelope fora retirado por crianças de sob a porta da casa à Rua Professor José Ranieri, 8-61, e entregue à vizinha Filomena que o repassara a Iracema, a mulher de Ademar dos Santos. A casa era a mesma onde encontrado o corpo de Mara Lucia.
Ademar explicou, um pouco diferente, que estava em sua nova residência, no dia 15 de novembro de 1970 quando, por volta das 8,00 horas foi procurado pela ex-vizinha, que lhe confiou envelope timbrado do Banco do Brasil, entregue no seu antigo endereço, destinado a Edson Quintiliano.
O endereço original de Edson Quintiliano, marcava a Rua Domiciano Silva, 22-20, rabiscado e manuscrito para a Professor José Ranieri 8-61, com provável indicação de algum vizinho ao carteiro. Tal ato significava que o endereço dado, para a correspondência chegar a Edson, era lugar de referência para pessoas entre si conhecidas, ou seja, no caso, frequentadores das 'sessões espíritas'.
Ademar ao sair à procura de Edson, que pronunciara não conhecer, nem teve dificuldades para localizá-lo, pois naquele instante um homem passava em frente de sua casa, o qual indagado se conhecia o Edson de tal, coincidentemente era o próprio.
A polícia localizou Edson para saber que a carta comercial comprovava a quitação de crediário; e ouvidas as demais pessoas citadas, no episódio da correspondência, com as confirmações dos relatos.
No depoimento prestado aos 23 de novembro de 1971 Ademar relatou que soube, pelo rádio, do desaparecimento de Mara Lucia e, depois, do encontro do cadáver, à Rua Professor José Ranieri, 8-61, local onde residira até 15 de setembro de 1970, para lá se dirigiu pondo-se entre as tantas pessoas aglomeradas, e ouviu comentários que o praticante do crime era alguém antes morador naquele local, todavia não reconhecido ser ele o tal residente, talvez em referência ao Edgard de Castro Marques.
Os investigadores de polícia da capital paulista, Luiz Olivares, Nelson da Cunha Paes Leme e Bernardo Espin Garcia, designados para o auxílio à polícia de Bauru no 'Caso Mara Lucia', recomendaram, num relatório conjunto, atenções a Luiz de Tal, amigo de Ademar dos Santos, que "estaria de posse de um rolo de corda pertencente a Ademar", sem demais esclarecimentos se a corda era igual àquela utilizada no estrangulamento da vítima, ou por qual razão não a requisitaram.
O depoente Ademar confirmou ter um amigo, por nome Luiz, cujo irmão, Loversi, era seu compadre e frequentador das 'sessões espíritas', e que se achava internado no Hospital Psiquiátrico de Marília na época dos fatos. Quanto ao Luiz, informou que este poucas vezes esteve em sua casa.
Através de Ademar a polícia soube muito dos frequentadores das 'sessões espíritas', destacadas 'dona Lila – irmã de Edgard', e 'dona Tanin – esposa de um funcionário da Companhia de Força e Luz'.
2.3. Joaquim Luiz de Lima Filho – o 'Quina'
Joaquim Luiz de Lima Filho, alcunhado Quina, era pintor de paredes e pedreiro, por conta própria ou como empregado, 21 anos de idade, nascido em Bauru aos 18 de junho de 1939, filho de Joaquim Luiz de Lima e Lazara Dias da Silva. Casado, residia à Rua Maria José, 9-45, em Bauru.
Quina conhecia a Mara Lucia e trabalhou na reforma de uma casa vizinha até a tarde daquele 11 de novembro de 1970, juntamente com o irmão Arlindo Luiz de Lima – vulgo Lindóia, não retornando nos dias seguintes, o que o tornou suspeito para a polícia, ouvido pelo delegado José Francisco Bastos Silva, na Delegacia de Polícia do Município, aos 03 de fevereiro de 1971.
Como declarante Quina informou conhecer os pais da vítima dois anos antes do ocorrido, quando empregado na reforma da residência onde os Vieira vieram morar; depois trabalhou nas proximidades, em serviços diversos, inclusive na data fatídica.
Não omitiu que viu menina nos dias antecedentes aos fatos, só ou com os irmãos, e que ela, vez ou outra, brincava num monte de areia defronte o imóvel onde trabalhava, e, no dia do desaparecimento pedira a ela que não brincasse mais ali, por ordem da proprietária, sugerindo que fosse embora.
Mara Lucia, observou ele, na data de 11 de novembro, pela manhã, permaneceu nas imediações até ser chamada pela mãe, para se aprontar e ir à escola; depois, mais tarde, quando ia tomar café com o irmão e a dona do imóvel, viu a menina de regresso da escola, a caminho de casa, trajando short branco com bolas vermelhas e a blusa branca com distintivo da escola, e a teria convidado para lanchar com eles e ela poderia levar mangas, mas a menina recusou sob pretexto que a dona da casa não gostava dela, e sua mãe proibira que entrasse lá, e seguiu rumo e não mais a viu até que, quase ao final do expediente, por volta das 17,45 horas, a mãe procurava por ela nas imediações.
Quanto a ausência ao serviço, nos dias seguintes, esclareceu desentendimento com a contratante, e apenas soube pelo rádio, a 15 de novembro, que Mara Lucia fora encontrada morta.
O operário vivia, na época, conflito familiar, separado da esposa entre os meses de outubro a dezembro de 1970, por questões de foro íntimo, e na noite do dia 11 de novembro esteve envolvido num 'trabalho espírita', por volta das 20,30 às 23,30 horas, juntamente com o amigo Luiz Carlos Rosalin – o Carlinhos, e daí retornou para sua residência, aclarando que ele e o amigo eram médiuns e frequentavam 'centros espíritas' na cidade.
Conforme por ele dito, reconciliou-se com a esposa aos 23 de dezembro de 1970.
2.4. Arlindo Luiz de Lima – o 'Lindóia'
Arlindo, solteiro, 18 anos, nascido aos 24 de outubro de 1952, em Bauru, também residente à Rua Maria José, 9-45, trabalhava com o irmão Joaquim Luiz de Lima Filho, o Quina, quando do desaparecimento e morte de Mara Lucia.
Intimado, prestou declarações na Delegacia de Polícia do Município, aos 03 de fevereiro de 1971, perante o delegado José Francisco Bastos Silva.
Arlindo não estava na mira dos policiais como suspeito, vistas pelas respostas dadas às perguntas que certamente lhe foram feitas, afinal, quase ninguém deseja declarar nem esclarecer nada numa delegacia, de livre e espontânea vontade, ficando naquela do 'se perguntado responde'.
A polícia queria saber das roupas que seu fraterno usava no dia do desaparecimento de Mara Lucia, por que razão Quina não mais compareceu ao serviço após 11 de novembro de 1970.
O declarante confirmou tudo quanto já dissera o irmão, sem contradições, inclusive que ambos eram frequentadores de 'centros espíritas' na cidade.
2.5. Luiz Carlos Rosalin – o 'Carlinhos'
Carlinhos, 22 anos, nascido aos 19 de outubro de 1948, em Bauru, filho de Manoel Rosalin e Maria Antoneli Rosalin, solteiro, residente à Rua Maria José, 8-29, Bauru, ouvido como declarante, na Delegacia de Polícia do Município, pelo delegado Alfredo Enéas Gonçalves D'Abril, aos 10 de janeiro de 1971.
O declarante, motorista de taxi e particular, teve o nome levantado por policiais, por conhecer Joaquim Luiz de Lima Filho, o Quina, confirmando amizade e ambos eram médiuns e frequentadores de 'centros', e na noite de 11 de novembro de 1970, fizeram 'trabalho espírita' nos arredores de Bauru, entre 20,30 até por volta das 23,30 horas; e desde pequeno conhecia os irmãos Quina e Lindóia.
O declarante, aparentemente receoso, esclareceu que não era 'aquele médium' na concepção exata da palavra, "que não recebia nada (...) que Joaquim Luiz Filho, também não é verdadeiramente médium."
Suas declarações demonstram medos e forçado a discorrer sobre 'trabalhos espirituais', mas que "não fez qualquer trabalho espírita visando elucidação do crime, e também não sabe que seus companheiros o tivessem feito."
Carlinhos se declarou sexualmente impotente, que não fizera nem participara de qualquer 'trabalho espiritual' para elucidar algum crime, e, aparentemente, buscava apenas solução para o seu problema.
A uma pergunta 'Carlinhos' informou à polícia que nunca dirigiu veículo de sua contratante, sem que a mesma estivesse presente, ou alguma pessoa da família.
Aparentemente a polícia deseja saber muito de 'médiuns espíritas', visando possíveis vínculos destes com o 'centro' de Edgard de Castro Marques.
3. Os suspeitos descartados
As investigações policiais sobre o 'Caso Mara Lucia' concentraram-se nas mãos dos delegados de polícia, dr. José Geraldo Cremonesi e dr. Luiz Pegoraro.
A atribuição do delegado era definida pela sua circunscrição policial, com exceção das delegacias especializadas. No caso, os delegados de polícia atuavam, às vezes, em conjunto, em outras com duas equipes, uma sob o comando do dr. José Geraldo Cremonesi, pelo Serviço de Ordem Política e Social – SOPS, e outra chefiada pelo dr. Luiz Pegoraro, da Delegacia de Polícia do Município de Bauru, sendo os grupos acrescidos de policiais civis designados e mesmo de outras delegacias e de diferentes municípios.
O SPS era cognominado DOPS.
Documentos inseridos no Inquérito Policial 10/1971 revelam participações de outros delegados de polícia, como exemplo, dr. Alfredo Enéas Gonçalves D'Abril, da Delegacia do Município.
O delegado José Francisco Bastos Silva era o responsável pela Delegacia de Polícia do Município, e dele partiam as ordens, às vezes diretamente, sobre as investigações no 'Caso Mara Lucia', e a ele os delegados e respectivas equipes prestavam contas; e alguns depoimentos tiveram sua condução.
Mara Lucia fora sequestrada e encontrada morta quatro dias depois. O corpo nu, já em putrefação, apresentava sinais de violência, estrangulamento com corda de sisal, pancadas fortes na cabeça com o tampo da caixa de descarga, e violência sexual; por certo o mais hediondo crime contra uma menor já registrado nos anais da história policial bauruense.
A população exigia pressa para encontrar e prender o culpado, e os policiais se movimentavam nesta cobrança popular e da imprensa, perdendo-se em casos irrelevantes que terminavam em becos sem saídas.
Menos de um mês após a morte da menina, a Polícia Civil detivera algumas pessoas próximas ou assemelhadas ao 'retrato falado' descrito pelo menor Décio, e entre os verificados, aqueles que se enquadravam no relato de típico maluco ou situadas dentro da faixa etária, à maneira entendida, e outras que, de alguma maneira, se relacionaram com a família da vítima.
Os esforços dos investigadores se concentravam em localizar alguma outra testemunha, alguém na vizinhança de onde encontrado o corpo; todavia ninguém viu nada e nenhuma informação obtida e crível sobre anormalidades nas imediações.
Nenhum dos suspeitos, diretamente ou por foto, foi reconhecido por Décio, e a polícia os descarou, mas o único por ele reconhecido não foi considerado por ausência de firmeza ante o dito 'podendo ser ele', sem as considerações que Décio, apenas um menino, sem dúvidas, pressionado pela família e outros para não errar ou apontar algum inocente, além de assustado e confuso pela perda de uma amiga.
3.1. José Carlos de Mello
Para a polícia, e isto era óbvio, Mara Lucia deixara-se facilmente conduzir pelas ruas de Bauru, sem aparente resistência para entrar naquele imóvel onde seria morta.
Isto significava que o sequestrador possivelmente estava entre pessoas conhecidas, alguém em que ela confiasse ou lhe cativara, mediante promessas, somente a reagir, se tempo houve, quando entendida as intenções do agressor, atestado pela forma brutal como dado o assassínio.
A razão em conhecer o algoz quase não oferece chance para a vítima sair viva dos acontecimentos.
A polícia chegou ao José Carlos de Mello, por este apresentar semelhança com o retrato falado, e o alerta que no ano de 1969 residira com a família de Mara Lucia, por algum tempo, com denotada afeição pela menina embora sem aparente malícia.
Mello, segundo o delegado de polícia Cremonesi em seu relatório, era instável, inclusive profissionalmente, não desapercebido pela família Vieira, um atendente de enfermagem deixar o serviço para trabalhar como vigilante noturno, e nisto o gesto de Mara Lucia apontando-o 'biruta'.
Mas, Jane Grossi Marques da Silva, tia de Mara Lucia, explicara à polícia que a menina, quando não entendia alguma coisa dita por alguém ou qual o propósito, tinha o costume de girar o dedo próximo ao ouvido para dizer que a pessoa era ou estava louca.Mello residia e trabalhava em Jundiaí, como atendente ou auxiliar de enfermagem, quando preso por policiais daquele município e transferido para Bauru, a pedido das autoridades.
Não lhe adiantou explicar que, no dia 11 de novembro de 1970, se encontrava em serviço no hospital, e bastava conferir: "Tal fato foi confirmado em telefonema pela direção do Hospital pelo cartão de ponto nº 48, tendo realmente, o epigrafado [Mello] trabalhado no dia 11 até às 15,30 hs e ainda, nos dias 12/13/14/16/17 e 18 até às 15 horas. (Das 6 às 15 hs.)".
A prisão de Mello revelou-se estúpida e inadequada, na usual prática do prender para investigar, quando o correto recomendava primeiro investigar para, se o caso, prender. Não reconhecido pela testemunha, dias depois deu-se a liberação.
O cronista José Carlos de Oliveira, do Jornal do Brasil – RJ, 1970/1980, na recuperação de saúde numa fazenda em Lençóis Paulista, circulou por Bauru e comentou o 'Caso Mara Lucia':
A atitude policial em relação ao Mello mostrou-se imprudente e extremante danosa para um inocente. Não consta alguma autoridade a desculpar-se e reparar o mal feito.
3.2. Valdir Fialho Moura
O delegado Cremonesi, da Delegacia Seccional de Bauru, aos 03 de dezembro de 1970, encaminhou seu primeiro relatório do andamento processual à Delegacia do Município, com ocorrências de alguns suspeitos levantados e rejeitados.
Sem complementares, Valdir, cognominado no relatório como 'Pedreiro Valdir', residente em Bauru, à Rua Augusto Boemer, 1-44, fundos, figurou entre os indagados por trabalhar em frente à casa da vítima, com um colega conhecido por Alemão.
Valdir teria visto a Mara Lucia por volta das 15,00 horas, e nada mais pode acrescentar, e nem o Alemão, conforme depreendido: "Pouco informaram que ajudasse as investigações."
Aos 10 de fevereiro de 1971, o mesmo cidadão, agora identificado como Valdir Fialho Moura, brasileiro, pedreiro, casado, 30 anos de idade, nascido em Montes Claros – MG, aos 04 de outubro de 1941, filho de Manoel José Moura e Izaura Fialho Moura, endereço mencionado, intimado compareceu junto a Delegacia de Polícia do Município de Bauru, como testemunha, perante o delegado José Francisco Bastos Silva.
Valdir, em 11 de novembro de 1970, trabalhava numa residência defronte à casa de Mara Lucia, na feitura de um piso, juntamente com Aparecido de tal, que depois se soube por sobrenome Leme; o pedreiro não conhecia a menina.
Naquele dia trabalhara das 7.00 às 11,00 horas, com parada para o almoço mais ou menos às 12,30 horas, e lembra que, por volta das 14,00 horas um rapaz, aparentando 25 anos, alto, cabelo loiro e liso, conversou com Aparecido procurando serviço de pintor, numa conversa aproximada de cinco minutos, sem se recordar da vestimenta do rapaz, e que não o conhecia anteriormente e nem seria capaz de reconhecê-lo.
Ainda mais, que na referida data, 11 de novembro, pediu emprestada uma escada à mãe de Mara Lucia, devolvendo pouco depois, mas não conversou com a menina.
Entre 15,30 e 15,40, Valdir e Aparecido deixaram aquela residência e foram trabalhar em outra nas imediações, e ele, Valdir, teria visto a menina Mara Lucia brincando na calçada defronte sua morada, ninguém próximo a ela, e nada soube a não ser no dia seguinte, com a notícia de seu desaparecimento.
De algum estranho nas imediações, excluído o pintor, o Valdir, quando trabalhava na Padaria Cristina, à Rua Saint Martin, viu certo senhor de aproximadamente 45 anos de idade, com quem conversou e soube que o mesmo ia à procura de serviço no Jardim Bela Vista, mas não sabia o nome da pessoa, que seria avô e residia, com a família, próximo do cemitério na Vila Cardia.
3.3. Aparecido Leme
Aparecido Leme, pedreiro, casado, 25 anos de idade, nascido em Brotas – SP, aos 18 de julho de 1945, filho de Antonio Leme e Maria Martins, residente e domiciliado à Rua Prefeito Alves de Lima, 7-19, Vila Independência, cidade de Bauru, ouvido na Delegacia de Polícia do Município, aos 10 de fevereiro de 1971, na presença do delegado dr. José Francisco Bastos Silva.
Leme informou à polícia que trabalhara com o Valdir nos dias 09 e 10 de novembro de 1970, numa casa defronte a de Mara Lucia, à Rua Engenheiro Saint Martin, mas no dia 11 compareceu noutro serviço, à Rua Rodrigues Romero, da mesma dupla, às 7,00 horas, somente ambos se reencontrando após 14,00 horas. Esclareceu que não conhecia e nem viu Mara Lucia em nenhum dia de trabalho.
Do pintor que procurava serviço, Leme declarou que o conhecia, por 'Sr. Zé', que já trabalharam juntos. Tal José era magro, branco, cabelo escuro e liso; que haviam conversado na segunda-feira na obra da Saint Martin, quando lhe pediu emprego, sem êxito; e outra vez se viram, na terça-feira em horário de almoço, na mesma Saint Martin, quando José o comunicou já ter arrumado serviço e seguiu adiante numa bicicleta.
O depoimento teve como conclusão que Leme foi trabalhar no dia 11 de novembro de 1970, pela manhã, na Rua Rodrigues Romero e o Valdir permaneceu na Rua Saint Martin até à tarde, quando se juntou ao companheiro.
Sem importância para a polícia as pequenas divergências entre os depoimentos de Aparecido Leme e Valdir Fialho.
3.4. José Rufino Leite – um andarilho
Os andarilhos de passagens quase sempre são suspeitos de crimes assombradores; a população acostuma-se com eles, até sentir ausência de um ou mais deles, quando a cidade sacodida por algum grave acontecimento.
Quase sempre, para a época de 1970, andarilhos eram pessoas marcantes numa cidade onde surgiam do nada.
Alguns eram falantes, galaneadores de bravatas e, bem informados, descrevendo e reproduzindo com precisão os grandes crimes noticiados pela imprensa, como se fossem partícipes dos acontecimentos, e daí alguma denúncia e consequente prisão para apuração dos fatos.
Não se sabe por qual motivo as autoridades trouxeram o José Rufino Leite para Bauru, lugar onde nunca esteve, e não tinha nenhuma semelhança com o retrato falado.
Sem nada de interessante a acrescentar, de imediato afastado da lista de suspeitos.
3.5. Abel Silva – o caminheiro
Em Londrina (PR) a polícia deteve um perambulante erradio, suspeito de cometimento de crime semelhante ao acontecido com Mara Lucia. Poderia tratar-se de assassino em série.
As suspeições sobre ele aumentaram, quando descoberto em seu poder intrigantes depósitos bancários, em Ourinhos – SP, e uma carta em seu poder que se referia ao acontecido com Mara Lucia.
O homem não era andarilho comum, não praticara crime em Londrina e nem esteve em Bauru no dia 11 de novembro de 1970.
Investigado por outros delegados, em conjunto, Abel foi descartado como o assassino de Mara Lucia, além de não ter sido reconhecido por Décio Luiz mediante fotografia.
Os suspeitos não reconhecidos por Décio, visualmente ou por fotografias, logo eram descartados.
A carta referente ao ocorrido em Bauru era da namorada do suspeito, moradora em São Paulo – capital, consoante pode provar.
Não se tem notícias do quanto as averiguações sobre Abel no 'Caso Mara Lucia', nem mesmo quem efetivamente ele era.
3.6. Alberto Rodrigues de Souza ou Alberto dos Santos
Alberto foi preso pelo estupro e assassinato, cometido em agosto de 1970, de uma menina de 4 anos de idade, no município de Ibaiti – PR, também suspeito de crime semelhante em Londrina (PR), e do estupro e morte de Neila Ribeiro, 11 anos, filha do então Prefeito de Santo Inácio (PR), Braulio Ribeiro, em outubro do mesmo ano.
Sua captura ocorreu em Londrina no mês de novembro de 1970, logo descartado do assassinato de Mara Lucia, por não ter registro de passagem por Bauru e nem reconhecido por nenhuma pessoa da localidade. À mesma maneira, em nada se assemelhava às descrições de Décio e nem por este identificado mediante as fotografias apresentadas.
Jamais provado que Alberto tenha estuprado e assassinado Neila Ribeiro. Os verdadeiros culpados, dois deles, foram posteriormente presos e condenados num rumoroso julgamento, situações que não interessam neste trabalho.
Mas, Alberto voltaria a ser notícia quarenta anos após o crime em Ibaiti, ao ser preso por igual procedimento em Carmo da Mata (MG).
O 'Caso Mara Lucia' abalou Bauru, de modo que qualquer acontecimento era motivo de denúncia à polícia, então obrigada a tomar providências, afinal isto poderia levar ao assassino.
Uma das denúncias investigadas partira do menor Paulo Cesar Lagata, 11 anos, filho de Décio Luis Lagata, residente à Rua Machado de Assis, 9-72, em Bauru.
Paulo Cesar dizia sobre um estranho visto entre as ruas Machado de Assis e Virgilio Malta, querendo falar com a menor Simone, empregada da família, nos dias 19 e 20 de novembro, quando ausentes os moradores adultos, chegando tal indivíduo adentrar a casa, numa das tentativas.
Apesar da campana montada pela polícia, nenhum suspeito foi observado na região.
3.8. Outro estranho, agora em casa dos pais de Mara Lucia
Alguns jornais da grande imprensa publicaram fotos de um demente que se evadiu de manicômio na então Guanabara.
Leda Grossi Vieira, mãe de Mara Lucia, alarmou-se ao ver e reconhecer nas fotos estampadas um homem que batera à sua porta, algumas vezes, pedindo refeição ou ajutório, inclusive na data de 11 de novembro de 1970.
O indivíduo, segundo Leda, tentara entrar à força em sua residência, sendo barrado por ela ameaçando chamar a polícia; e referiu, ainda, que o pedinte, no dia 11 de novembro, lhe proferira uma série de palavrões quando da negativa em lhe dar alimento.
A polícia solicitou fotografias originais do suspeito, para melhor identificação junto à Leda, e o caso não prosperou.
3.9. Antonio Carlos Pereira Rocha – o parafílico
Rocha, conhecido morador em Bauru, à Rua Benjamin Constant, nº 1-26, já denunciado algumas vezes por exibir o sexo às mulheres, e dado às práticas pederastas, uma perversão para a época. Usava bigode ralo.
Pessoa de poder aquisitivo relevante, pela família, esteve ausente do Brasil por mais de ano, morando no México.
Criador de casos, era protegido pela parentela; mostrava inconstância no trabalho, mas estava empregado na Baurucar, no setor administrativo, em Bauru, quando inquirido no 'Caso Mara Lucia', informando que no dia 11 de novembro esteve numa consulta médica, na cidade de Jau, retornando à noite.
Noutra versão alegou acamado entre 10 e 12 de novembro, e somente a 13 comparecido ao médico, com amigdalite.
Diligenciado constatou-se que efetivamente teve consulta com o médico jauense, dr. Luiz Prado Rocchi, aos 13/11/1970, efetuando pagamento com um cheque no valor de Cr$ 50,00, contra a Agência Banco do Brasil em Bauru; e adquiriu os medicamentos numa farmácia – do Julinho, conforme comprovação.
Rocha negou práticas de exibicionismos sexuais e demais acusações, esclarecendo que tinha namorada em Bauru, o que verificado correto.
Não foi autenticado por Décio Luiz, via fotografia, como a pessoa vista com Mara Lucia naquela tarde de 11 de novembro; nem reconhecido diretamente quando colocado com outras pessoas.
3.10. Ofertantes de dinheiro às mulheres
Homens procuram mulheres, iniciadas ou não na prostituição, para delas solicitarem favores sexuais por dinheiro ou regalos que possam interessar. Prostituição é a prática consciente, sobre de favores sexuais mediante paga ou recompensas outras de reciprocidade, ou seja, com pleno conhecimento e responsabilidade do ato.
Uma criança pode ser induzida a praticar sexo mediante convencimentos, promessas e dinheiro.
Um homem a abrolhar em Bauru, na efervescência do 'Caso Mara Lucia', oferecendo compensações a mulheres jovens, aparentemente pobres e desconhecidas, para práticas de sexo, sem dúvidas era fazer-se suspeito do assassinato da menina.
Dois casos foram registrados pela polícia, reais ou mitomaníacos, o que não é incomum, num tempo em que a imprensa procurava notícias que pudessem elucidar o crime.
3.10.1. Tentação a uma menor
Maria Aparecida Pacheco, endereço à Rua 7 de Setembro, 12-37, avisou a polícia que fora convidada por um estranho, mediante dinheiro – 20 cruzeiros na época, para que ela o acompanhasse até um endereço à Rua Araújo Leite, cuja proposta recusada.
A polícia considerou este acontecimento como real e preocupante, pois tal poderia ter ocorrido com Mara Lucia, incitada assim, mas a polícia não encontrou nenhum suspeito que se encaixasse nas descrições de Maria Aparecida Pacheco.
3.10.2. Um homem com sotaque espanhol
Aparecida da Rocha de Souza, empregada [doméstica] de Darcy Vieira, à Avenida Duque de Caxias, relatou à polícia que aos 10 de novembro um senhor bateu à porta querendo falar com o patrão, que se achava ausente.
Na oportunidade o homem forçou e entrou na casa para propor à jovem relacionamento sexual, com recusa, vindo daí outra oferta, em dinheiro, para que ela se tornasse sua amante, oferecendo-lhe 500 cruzeiros colocado num de seus bolsos.
Nova negativa e o descrito tentou então agarrá-la, no entanto, a recuar e deixar o local diante da ameaça de gritos da agredida; e ela, depois, percebeu que o seu relógio havia desaparecido, certamente levado pelo fugitivo.
A empregada acrescentaria detalhes: o homem se parecia com aquele do retrato falado, moreno claro, usava bigode ralo e, no dia trajava camisa poliéster, de cor branca riscada. Outro pormenor notado pela jovem, o sotaque do agressor assemelhava-se ao espanhol.
O caso faz pressupor que o denunciado vinha sondando a casa para o momento certo da abordagem.
A polícia considerou estranho o relato, todavia levou-o a sério, pelo menos num primeiro momento, associando-o ao caso da Maria Aparecida, onde igualmente as propostas em dinheiro. Realizadas intensas buscas, inclusive nos hotéis e pousadas locais, sem qualquer resultado positivo.
Os investigadores de polícia da capital, Luiz Olivares, Nelson da Cunha Paes Leme, e Bernardo Espin Garcia, designados para auxílio aos policiais de Bauru no 'Caso Mara Lucia', teriam encontrado dois suspeitos enquadrados nas descrições de Aparecida da Rocha de Souza, o Alcides Lúcio Ponties e o paraguaio Patrocínio Echeverria, ambos averiguados e exclusos ante a ausência de provas e de reconhecimento.
3.11. José Alves
Brasileiro, pardo, idade 38 anos, casado, pedreiro, natural de Santo Antonio do Mato Verde – MG, nascido aos 30 de junho de 1933, filho de Hermínio Alves e Pedrina Maria de Jesus Alves, com Inquérito nº 113/72, fls. 62 v, instaurado em 14 de março de 1972, por infração ao artigo 214 do C.P, sendo vítima certa Delgina Aparecida Queiroz, filha de José Queiroz e Geraldina Alves Queiroz cujo processo em andamento na Justiça no ano de 1972, mês de junho.
No Brasil, qualquer prática sexual mediante violência ou grave ameaça, diversa do vaginal, era atentado violento ao pudor – AVP, e não estupro, como tipo penal que vigorou entre 1940, com entrada em vigor do Código Penal Brasileiro, até agosto de 2009, quando revogado pela Lei de nº 12.015 aquele ano.
Alves, ouvido como declarante estando presente o delegado José Geraldo Cremonesi, em 16 de março de 1972, após investigações policiais junto aos familiares, companheiros e pessoas do seu relacionamento, inclusive com os procedimentos de acareações, nada concluso que fosse o assassino de Mara Lúcia, com reconhecimento negativo para o retrato falado.
Sem dúvidas, um palrador, detalhista e megalômano nas proezas sexuais, sem efetivamente qualquer comprometimento.
3.12. Waldemar Pereira
Brasileiro, 36 anos, filho de José Pereira e de Carolina Squicati, nascido em Tibiriçá – SP, aos 25 de junho de 1935, frentista e lavrador, sem residência fixa, conhecido pelas alcunhas 'Deolindo', 'Deo', 'Boi', 'Boiadeiro', 'Zé do Caixão'.
Waldemar residiu em Bauru nos anos de 1969/1970, Rua Recife nº 3-6, na Vila Perroca, com condenação nesta cidade em 01/02/1972, 1ª Vara, a três anos cinco meses e dez dias de detenção, incurso no artigo 155 – caput c/c artigo 44 – I e § 1º do citado artigo 155.
Por ocasião da sentença em Bauru, Waldemar Pereira se encontrava preso em Piracicaba, por crime naquela cidade cometido as 13 de fevereiro de 1972, semelhante ao ocorrido em Bauru – 'Caso Mara Lucia'.
Preso em flagrante Waldemar confessou autoria do crime em Piracicaba e, segundo a imprensa, teria admitido responsabilidade no 'Caso Mara Lucia', participação no entanto negada, que não esteve em Bauru no dia 11 de novembro de 1970:
3.13. 'Zé Gurita'
José dos Santos ou José Gregório dos Santos, vulgo 'Zé Gurita', brasileiro, branco, 30 anos de idade, nascido aos 21 de maio de 1940, em Quatá – SP, filho de Pedro Gregório dos Santos e Ostália Vieira, amasiado, profissão indefinida, endereço informado à Rua Amador Bueno, sem número ou este desconhecido, na vila do mesmo nome, em São Paulo – Capital, prestou depoimento a 11 de fevereiro de 1971, na Delegacia de Polícia do Município, perante o dr. José Francisco Bastos Silva.
Nome conhecido nos meios policiais, Zé Gurita' era garganta que gostava de gabar-se de seus delitos e tantas prisões:
Em 03 encontrava-se em Junqueirópolis, onde preso por discussão com a amásia, liberado no dia seguinte. Entre os dias de 04 a 10 esteve em Tupã, Iacri e Oswaldo Cruz, retornando a Junqueirópolis à procura da amante, no Rádio Bar, onde ela trabalhava, e outra vez detido pela polícia, por volta das 17,30 horas de 10 de novembro, solto no mesmo dia, em torno das 21,00 horas.
Como andarilho perambulava entre uma cidade e outra, às vezes a pé, por outras a valer-se de passes ferroviários emitidos por delegacias de polícia a favor de indigentes, pousando em locais improvisados, sob coberturas de prédios, em zonas de meretrício ou mesmo ao relento.
Levantava algum dinheiro à guisa de empréstimos, escambos e trabalhos eventuais como carregamentos de vagões de carga nos armazéns ferroviários ou lotando caminhões em entrepostos, biscates em podas de arvores sazonais nas fazendas de amoreiras, onde o cultivo do 'bicho da seda'; nas colheitas de café e de outros produtos.
Dentre as tantas arengas, 'Zé Gurita' confessou à polícia que por volta das 6,30 horas de 12 de novembro de 1970, na gare ferroviária de Duartina, encontrou-se com o seu meio irmão, Geraldo Vieira da Silva, que lhe confidenciara ter vindo de Bauru, onde na tarde anterior aliciara uma menina, idade entre 8 ou 9 anos, a quem oferecera dinheiro para acompanhá-lo até uma casa vaga, onde a estuprou e a matou por asfixia, enforcamento, deixando o corpo num banheiro aos fundos do imóvel, "cabeça próxima do bacio sanitário e os pés para o lado da porta".
A revelação tornou-se mais completa com a descrição que 'Zé Gurita' deu sobre o Geraldo, rapaz magro, rosto afilado, bigode ralo, cabelo ondulado [meio liso], que na ocasião trajava calça jeans, camisa branca de mangas longas, porém enroladas, calçado com sapatos pretos; um rapaz "que, costuma olhar por baixo, não encarando as pessoas, com os olhos grandes espantados, com a aparência de não ser muito certo".
Geraldo, conforme 'Zé Gurita', esteve preso em Belo Horizonte – MG, por assassinato, condenado a seis anos, no entanto liberto em 1968 após quatro anos de reclusão. Também Geraldo, certa feita, teria acuado crianças numa estrada entre Colorado e Cambé, no Estado do Paraná.
'Zé Gurita', examinado, não esteve em Bauru no dia 11 de novembro de 1970, mas as informações sobre o Geraldo interessaram aos policiais.
3.14. Geraldo Vieira da Silva
A Delegacia Seccional de Polícia de Bauru solicitou a detenção do Geraldo Vieira da Silva, 28 anos, moreno, filho de Benedito Vieira da Silva e de Maria Sebastiana de Jesus, dito lavrador, caminheiro em viagens ferroviárias através de passes fornecidos por delegacias de polícia, e de pousos constantes em albergues. Para a polícia Geraldo podia ser o autor dos delitos contra Mara Lucia Vieira.
Na época, 17 de fevereiro de 1971, a polícia suspeitava ou tinha informações que Geraldo estivesse domiciliado na cidade de Osvaldo Cruz, trabalhando com certo senhor João Eduardo.
Sem aparente êxito de captura, a Delegacia de Polícia do Município de Bauru, solicitou da Delegacia de Polícia de Belo Horizonte (MG), via Ofício nº 463/71, aos 07 de junho de 1971, se tal indivíduo lá estivera preso, no período de 1960/1969.
Geraldo Vieira da Silva não registrava prisão e nem antecedentes criminais no 'estado mineiro'.
Não se tem outras notícias da polícia sobre o suspeito Geraldo em relação ao 'Caso Mara Lucia'.
3.15. José Paes Bezerra – o 'Monstro do Morumbi'
O assassino em série, José Paes Bezerra, no final dos anos 1960 e primeiros anos da década seguinte, brutalmente assassinava mulheres por estrangulamento e abandonava os corpos em terrenos baldios do Morumbi. Também despojava as vítimas das joias, dinheiro e peças de roupas preservadas, para presentear sua mulher, que acabou por denunciá-lo às autoridades.
Paes Bezerra, caçado, fugiu para o Estado do Pará por lá fazendo vítimas até ser capturado.
Confessado os crimes, especialistas na época traçaram o seu perfil criminoso, de natureza científica, sobre a 'hereditariedade na formação de um assassino em série'.
A jornalista Marlene Rodrigues assinou um desses trabalhos, "A hereditariedade forma o criminoso?", publicação pela Folha de São Paulo (28/03/1971), do qual o trecho reproduzido pelo Jornal da Cidade, em sua edição de 03/04/1971:
Paes Bezerra foi descartado como assassino de Mara Lucia.
4. Investigações que nem deveriam ser
4.1. Um menino, uma senhora e um suspeito irreal
Segundo o relatório assinado pelo Dr. Pegoraro a 29 de novembro de 1970, no entanto com citações posteriores a 09 de dezembro de 1970, sua equipe pesquisou um menino de nove anos, por nome Paulo, filho de Clóvis Quagliato – aquele entre os primeiros a ver o corpo de Mara Lucia.
A casa de Clóvis ficava divisa acima àquela onde encontrado o corpo de Mara Lucia.
Ao contrário dos familiares residentes sob o mesmo teto – que nada viram nem ouviram, Paulo brincando com colegas e sentado na mureta em frente à casa de certa Odila F. Murback, no cruzamento das vias públicas Professor José Ranieri com a Duque de Caxias, antes do lanche oferecido pela dona Odila, entre 17,00 e 17,30 horas, teria ouvido ruído no portão da casa onde foi morta Mara Lucia, e pode ver um homem afrodescendente, vestido com paletó e usando chapéu, entrar pelo portão e seguir corredor adentro.
Odila afirma ter visto, dias antes de 11 de novembro, um homem conforme descrito por Paulo, sentado defronte aquela residência, mãos sobre o rosto a tapa-lo, não podendo descreve-lo, talvez seja a mesma pessoa vista pelo menino que igualmente não conseguiu descreve-lo.
Algo à beira da fantasia.
4.2. Informes desencontrados
De uma casa antes onde encontrado o corpo Mara Lucia, residia a família de Antonia Maria das Neves, e todos ali investigados, e ninguém viu nem ouvido nada, inclusive a lavadeira Benita Alves de Lima, que trabalhou naquele dia 11 de novembro, entre 15 e 17,00 horas e nem no dia seguinte, mesmo horário, em que também lá também trabalhou.
Contudo, cita o delegado Pegoraro em seu relatório de 28 de novembro de 1970, que "no último dia 9, Antonia pedia para que a procurássemos. Assim o fizemos".
Não poderia ser nove de novembro – o crime ainda não havia acontecido –, e o apurado foi que a Antonia Maria das Neves omitira propositadamente informação, em razão de sua mãe, Maria José Nogueira, sexagenária e convalescente de facectomia - cirurgia oftálmica de catarata, temendo recaída.
Restabelecida, Maria José informou aos policiais que no dia 11 de novembro, período da manhã – mais ou menos dez horas, observou uma senhora olhando o exterior da casa e quintal, querendo saber quantos cômodos tinha a residência, mas não sabia informar, e viu a porta do banheiro aberta.
Maria José tinha mais a declarar.
Na noite de 12 de novembro, entre 23,30 e 24,00 horas, estava só quando ouviu 'barulho surdo' de coisa pesada caindo ao chão; e depois disso chegou seu neto José Bonifácio e a esposa, acompanhados de um nissei cujo pai falecera e estava sendo velado o corpo no domicílio.
Por volta das 0,30 horas, já treze de novembro, escutou-se um barulho, desta feita como disparo de arma de pressão, o neto saiu fora para verificar e nada constatou, e apenas um veículo marca DKW (Dampf Kraft Wagen) em trânsito.
A anciã recolheu-se para dormir e outra vez ouviu barulho de algo pesado caindo ao chão como vindo da casa ao lado.
O dito pelo não dito.
4.3. Um jovem perturbado
Dado alerta do desaparecimento de Mara Lucia, na noite de 11 de novembro, a polícia teve informações que Juvenal Batista Neto, morador numa travessa da Alameda Universitária, vendedor de livros da 'Editorial Acadêmica', assumiu comportamento estranho, e na manhã do de 12 de novembro, pediu demissão do serviço, e à tarde deixou a cidade em companhia de Babil Ferreira, como caroneiros, com informações que chegaram à capital do estado e, inclusive, em Santos – litoral paulista.
No retorno a Bauru o casal foi investigado sem qualquer indício de envolvimento no crime, e nada revelado do comportamento desvirtuado de Juvenal.
4.4. Um homem suspeito – o pânico disseminado
Odete Passareli Antunes, residente à Rua Rua Saint Martin nº 13-49, saíra da garagem de sua casa às 7,25 horas, dirigindo veículo próprio, quando viu um homem de costas, magro, vestindo paletó, na esquina oposta à morada dos Vieira, um homem magro, alto, trajando paletó.
A mulher preocupou-se e retornou à residência para pedir à emprega para fechar a portão da garagem, temendo pelos filhos menores. A doméstica confirmou os dados fornecidos pela patroa.
Não viu mais o homem, quando foi levar e buscar um dos filhos à escola, num excessivo e desnecessário cronograma.
4.5. O suspeitado Otacilio Vieira de Carvalho
Sobre o pedreiro Otacilio, filho de Orozimbo Vieira de Carvalho e de Juventina Maria de Jesus, residente à Rua Tupinambás nº 4-68, recaíam suspeitas pelos antecedentes criminais, por isso detido e interrogado, à exaustão, porém provado que no dia do acontecimento, ele trabalhou, jantou e pernoitou no serviço, cuidando de uma obra na Vila Falcão.
4.6. O homem escondido no forro de uma casa
Osny Xavier dos Santos era um conhecido da polícia.
Seus dados mostram idade 30 anos, filho de Lainerte Xavier dos Santos e Emilia Monteiro, tinha por profissão pedreiro, residência incerta, com certa semelhança ao retrato falado.
Avistado por policiais numa ronda, Osny entrou num imóvel abandonado, próximo à Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro – SANBRA, para esconder-se no forro da casa e lá ser apanhado, talvez ato de zombaria contra os policiais.
Nada se apurou contra o Osny.
5. Dos primeiros relatórios
Desde a localização do corpo de Mara Lucia foram formadas algumas equipes de investigadores, chefiadas por delegados de polícia, para atuações no caso, e delas, duas se destacaram, uma chefiada pelo dr. José Geraldo Cremonesi e outra sob o comando do dr. Luiz Pegoraro.
A investigação policial, após a análise criminal ou reconstituição histórica de determinado delito, prossegue conduta por meio de coletas de informações, entrevistas ou interrogatórios de testemunhas e informantes, para a identificação de suspeitos e produção de provas, a fim que se possa concluir objetivos.
Assim foram os procedimentos iniciais, já com divergências, uma equipe da polícia civil, em cima do retrato falado, a indicar Elivaldo Gonçalves Torres de Vasconcelos – Francês, o mais próximo reconhecido pela única testemunha, "podendo ser ele", com antecedentes em tarar menores, sem excluir aqueles mais ou menos assemelhados ao mesmo desenho foto; enquanto o outro grupo mais à cata daqueles já conhecidos por práticas de crimes sexuais, de potencial ofensivo, e mais atentos àqueles noticiados assassinos em série presos em outras localidades.
À parte das duas equipes, numa investigação militar, tecnicamente paralela, apontava outro potencial implicado, Nilton Paulo Vileta de Castro [Marques], também sob a mira das duas principais equipes civis, ante as insistentes denúncias populares, e certo entendimento, entrelinhas, que o crime poderia ser por vingança familiar num típico triângulo amoroso.
No 'Caso Mara Lucia', percebe-se, não havia distinção ou limites de atuações entre as equipes civis, operando em paralelo e muitas vezes contrapondo-se, interrogando suspeitos, ouvindo pessoas e, através das chefias, emitindo opiniões e relatórios disjuntos, com afetações quanto aos alvos das diligências.
Sem a interação ideal entre equipes, uma apontava para determinado suspeito, recomendando continuidade nas investigações, e a outra para o mesmo elemento, considerava-o descartado ante os 'álibis' apresentados.
Desta forma os delegados de polícia envolvidos direta ou indiretamente nas investigações, como chefes de equipes ou opinantes, ainda são lembrados, quase meio século decorrido, como 'fazedores' de relatórios voltados aos superiores hierárquicos e à imprensa, transformando tudo num amontoado de papéis e palavras aquilo que deveria ser trabalho técnico e científico.
5.1. Relatório assinado pelo dr. José Geraldo Cremonesi
Relatório de 23 de novembro de 1970, ao final com data de 03 de dezembro de 1970, com assinatura do delegado Cremonesi, é o resumo das averiguações do 'Caso Mara Lucia', com os principais destaques e afastados outros sem resultados positivos, "todos, porém, examinados".
O delegado autor do relatório, chefe de uma das equipes de investigação, descreveu os fatos e trabalhos de campo com sua turma, citando os seus investigados, todos afastados do rol de suspeitos, por dessemelhanças ao retrato falado além de não nem reconhecidos visualmente pela testemunha Décio Luiz Venturini, à exceção de Elivaldo Gonçalves Torres de Vasconcelos, o Francês, "podendo ser ele", e sobre o qual deviam prosseguir as investigações.
Pelos álibis apresentados e por ele relatados, dr. Cremonesi não opinou pela continuidade das averiguações sobre o Nilton Paulo, outro fortemente suspeito, inclusive nos levantamentos da Polícia Militar.
5.2. Do delegado Luiz Pegoraro – relatório de 28/11/1970
Dr. Pegoraro apresentou extenso relatório citando os 'investigadores de polícia Orlando Padovan, Cezar Bernardino de Oliveira e Sebastião de Vedrossi de Freitas', todos de sua equipe, envolvidos em minuciosas averiguações, no entanto a lamentar os resultados, pois "pouca coisa obtivemos."
Seu relatório, datado e assinado em 28 de novembro de 1970, traz inseridos acontecimentos posteriores e investigações amadoristas, sem embasamentos técnicos.
Notório, no entanto, o esforço de Pegoraro para excluir Elivaldo Gonçalves Torres de Vasconcelos da cena do crime de sequestro e, consequentemente, da execução da menor Mara Lucia.
O retrato falado, em cima das declarações de Décio Luiz Venturini, e o reconhecimento visual pelo mesmo, quase não deixava opções para excluir o Elivaldo Gonçalves Torres de Vasconcelos, vulgo 'Francês', do crime de sequestro da menina Mara Lucia; todavia, para o delegado Pegoraro, Décio não foi taxativo no reconhecimento do Francês, "podendo ser ele", daí desconsiderado para as incriminações.
5.3. Relatório dos investigadores de polícia de São Paulo
A Polícia de Bauru solicitou ou lhe foi imposta colaboração investigativa de São Paulo – Capital. O DEIC então designou os investigadores de polícia Luiz Olivares, Nelson da Cunha Paes Leme, e Bernardo Espin Garcia, para assessorar a Delegacia Seccional de Bauru no 'Caso Mara Lucia'.
Policiais tarimbados, diligenciaram o provável itinerário feito pela vítima e assassino, desde a Rua Benjamin Constant – da calçada da residência de Mara Lucia ao número 8-61, e daí, pela Rua Professor José Ranieri até o lugar do crime, sistema casa a casa, "foram os moradores indagados e, incrivelmente, nenhum deles forneceu detalhes a respeito da passagem da vítima e seu presumível raptor, fato que achamos surpreendente visto ser rua de grande movimento".
Os investigadores, pela denúncia da jovem Aparecida da Rocha de Souza, que teria sido assediada por um homem com sotaque espanhol que a desejava por amante, ouviram Alcides Lúcio Ponties e o paraguaio Patrocínio Echeverrria; ambos eliminados do rol de suspeitos.
Nada acrescentaram às investigações em curso pelos policiais de Bauru, e o pequeno relatório apresentado foi repetitivo, com recomendações seguidas, que se devia ouvir com mais atenções a lavadeira Benedita Alves de Lima, de cujo local de trabalho se podia visualizar a área de serviço e banheiro da casa onde aconteceu o crime; persistir nas inquirições dos moradores das citadas ruas Benjamin Constant e Professor José Ranieri e travessas adjacentes, dentro de um perímetro razoável, tratando-se as duas vias de grande movimento.
Em dezembro de 1970, dia 08 de dezembro, quase nada avançaram suas investigações, sem a colaboração dos moradores da região onde ocorrera o crime.
Para os investigadores da capital, decepcionados na missão, era preciso trabalho mais acurado com os moradores no entorno para se descobrir testemunhas; e, de igual forma, recomendaram levantamentos junto aos possíveis pretendentes em alugar ou comprar a casa.
Aqueles policiais apontaram, ainda, a necessidade de melhor investigar a corda utilizada para o assassinato de Mara Lucia, suspeitando de certo Luiz que estaria de posse de um rolo da mesma, pertencente ao Ademar dos Santos, antigo morador da casa 8-61 – Professor José Ranieri.
Aconselharam averiguações pormenorizadas sobre o folheto do 'Curso de Madureza' junto ao corpo vítima, absurdamente seguidas à risca pelos chefes de equipes policiais.
Reconhecidamente difícil a tarefa policial em investigar os acontecimentos que vitimaram Mara Lucia e prender o assassino, pois, à exceção do menor Décio, nenhuma outra pessoa localizada teria visto ou notado a menina, acompanhada ou que se deixou conduzir por alguém, até o banheiro aos fundos de uma casa desabitada, onde brutalmente espancada, assassinada e estuprada.
Os trabalhos policiais de investigações se iniciaram tão logo encontrado o cadáver. Não houve lentidão e, dias depois, a polícia civil se debruçava em dezenas de inquirições, extra-autos, para produção e carreamento de provas que pudessem levar ao assassino.
Por decisão superior formaram-se algumas equipes de investigadores, chefiadas por delegados de polícia, outra vinda de São Paulo – Capital para auxílios nas apurações. Chegaram a alguns nomes oficialmente anotados.
1.1. Antonio Rodrigues
Natural de Itapuí (SP), nascido aos 20 de maio de 1921, filho de Manoel Rodrigues e Maria Bertiana Rodrigues, aposentado, morador em Bauru, à Rua Timbiras, 4-78, prestou declarações aos 24 de agosto de 1971, estando presente o delegado de polícia José Geraldo Cremonesi.
Morador em Bauru desde 1939 ou 1940, Antonio Rodrigues trabalhou durante trinta anos na Tipografia Comercial, de propriedade de Paulo de Castro Marques, em serviços gerais, típico 'faz de tudo', cobrador, varredor, atividades de pedreiro, e outras demandas. Aposentado, continuou a trabalhar para Paulo Marques.
Antonio Rodrigues esteve naquela casa, propriedade do Paulo Marques, a 11 de novembro de 1970, por volta das 13,30 horas, para dedetização do ambiente – desinfestação de pulgas, com uso de 'Neocid', acompanhado de dois auxiliares, os irmãos Hélio e Santo Martins Quinelato, cuidando dos cômodos internos e externo circundante inclusive o banheiro aos fundos separado do prédio principal, e nada anormal observado, a tampa da caixa de descarga no lugar próprio e o assento do vaso sanitário fechado.
Concluído os serviços, mais ou menos às 16,00 horas, os homens deixaram o local, retornando em 13 de novembro, por volta das 17,30 horas, para constatar o efeito do veneno, apenas no interior da casa, permanecendo no local cerca de dez minutos.
Quando oficializado seu depoimento, em 24 de agosto de 1971, Antonio Rodrigues respondeu perguntas, esclareceu dúvidas e confirmou Ademar dos Santos como o último morador da casa, seu conhecido, empregado numa floricultura.
Perguntado, esclareceu que a tampa do vasilhame de veneno foi jogada no canteiro da frente da casa, semelhante àquela encontrada pela perícia, igual às de talco.
Não viu papéis, propaganda escrita de 'curso de madureza', nem corda de sisal ou outro tipo que servisse de varal.
Rodrigues esteve no imóvel naquela data, antes dos acontecimentos, e em nada pode colaborar com a polícia.
1.2. Hélio Martins Quinelato
Nascido em Pompéia (SP), aos 12 de fevereiro de 1946, filho de Pedro Quinelato e de Ana Martins Quinelato, profissão Servente de Pedreiro, casado, residente à Rua Alto Purus, 17-17, Vila Leme, em Bauru. Prestou declarações aos 25 de agosto de 1971, estando presente autoridade policial o delegado José Geraldo Cremonesi.
Hélio confirmou todo o depoimento de Antonio Rodrigues, sem diferenças significativas.
1.3. Santo Martins Quinelato
Nascido em Paulópolis (SP) em 01 de novembro de 1940, filho de Pedro Quinelato e Ana Martins Quinelato, pedreiro, casado, residente à Rua Alto Purus, 16-50, Vila Leme, em Bauru; prestou declarações à polícia a 25 de agosto de 1971, estando presente o delegado José Geraldo Cremonesi.
Santo praticamente repetiu os depoimentos do irmão Hélio e de Antonio Rodrigues, que nada viu de anormal no imóvel, quando lá esteve, a serviço, sem anormalidade quando retornou ao imóvel para verificar a eficácia do veneno.
Tanto ele quanto o irmão e o Antonio Rodrigues, no retorno ao local, a 13 de novembro, encontraram o portão fechado, entraram pela porta da sala, olharam os cômodos, não abriram a porta da cozinha, não vistoriaram o banheiro, nem sentiram odores estranhos.
No depoimento Santo esclareceu que, na sexta-feira, após a revista na casa, ele, o irmão e Antonio Rodrigues foram até próximo à residência dos Vieira, onde era grande o número de pessoas que iam e vinham em procura do Mara Lucia, ainda não localizada. Quase quatorze anos decorridos, Santo foi outra vez ouvido no 'Caso Mara Lucia', então reaberto.
O depoimento aconteceu aos 08 de março de 1985, na Delegacia Regional de Bauru, perante o delegado de polícia, Walter Mendes, e do promotor de justiça, Otacilio Garms Filho:
"(...); que, o depoente ratifica inteiramente as suas declarações de 25 de agosto de 1971, as quais se encontram nos autos; que, em decorrência do tempo não se recorda a roupa que usava na ocasião, mas sabe que era uma roupa de serviço; que, na época não tinha calça preta ou camisa coral alaranjada; que usava conjuntamente, pois nunca teve este tipo de roupa; que, com relação aos outros dois não pode afirmar se eles usaram este tipo de roupa; que, não se recorda ter visto nas imediações da casa uma menina de cerca de 14 anos com uma perna engessada; que, não jogou nada num terreno baldio do outro lado da rua na mesma quadra; que, na verdade sequer se recorda da existência de um terreno baldio naquela quadra; que, não sabe quem foi ao autor do crime cometido contra Mara Lucia Vieira; que, tanto na vez que o depoente foi colocar 'neocid' na casa, fora acompanhado por seu irmão Hélio Martins Quinelato e Antonio Rodrigues bem como na sexta-feira quando fora ver o resultado do veneno ali deixado; que, esclarece que quando foi ver o resultado da aplicação do 'neocid' foi em companhia das duas pessoas já mencionadas."2. Os suspeitos improváveis
Sem nenhuma linha de investigação descartada, nem poderia ser diferente, a atuação policial tornou-se maior a partir da localização do cadáver, sendo investigadas e posteriormente ouvidas as pessoas que estiveram no imóvel nos dias 11 e 13 de novembro de 1970.
No entanto, a primeira suspeição ativa de quem o algoz ou mandante do crime, por denúncia, recaiu sobre um idoso caquético, residente no local, líder de segmento religioso mediúnico que funcionava no mesmo endereço.
A polícia não registrou a natureza da denúncia.
2.1. Edgard de Castro Marques – o primeiro incriminado
Filho do político bauruense Carlos Marques da Silva, Intendente Municipal entre 07/03/1898 - 09/10/1900, e um dos fundadores da Loja Maçônica 'Architectos' (1896), também em Bauru.
Benemérito, cumpre-lhe um histórico.
Edgard residiu por alguns anos em Garça (SP), onde cidadão bem relacionado, gerente da Tipografia Cruzeiro (filial da matriz de Bauru), professo kardecista sectário do Centro Espírita Caminho de Damasco, envolvido em obras de assistência social e um dos fundadores do Hospital dos Pobres, depois Hospital e Maternidade Samaritano.
Ainda em Garça, Edgard destacou-se como cofundador do mensário 'Comarca de Garça', depois hebdomadário; pela sua respeitabilidade e ações dignas, lhe foi dado nome de rua na localidade.
Também o Edgard era irmão do rico empresário Paulo de Castro Marques, proprietário da Gráfica Comercial e dono de diversos imóveis em Bauru, inclusive aquela casa à Rua Professor José Ranieri, onde Edgard residiu com a filha de criação, Iracema, o marido dela e os filhos.
Não se sabe a razão que Edgard, na velhice e já residindo em Bauru, tenha se desvirtuado do kardecismo para práticas mediúnicas de 'sessões' domésticas, nas quais menos abrangentes as questões éticas, religiosas e regras de moralidade, pelos padrões da época.
O rumo religioso empregado por Edgard no 'centro' localizado na própria residência, não lhe dava melhores referências, no entendimento dos opositores religiosos.
Apesar da liberdade de culto a todos os indivíduos e confissões no Brasil, ainda nos anos de 1970 prevalecia mentalidade instituída pelo Decreto 847, de 11 de novembro de 1890, que em seu artigo 157, considerava o espiritismo prática proibida.
O próprio 'kardecismo', registrado e autorizado no país, era execrado pelas seitas [religiões] cristãs tradicionais, como as católica, presbiteriana, batista e pentecostais, sendo o culto constantemente denunciado nas delegacias de polícia e a responder perante o juízo nalguns casos, porém a vulnerabilidade maior, e não cumpre aqui as razões e contrarrazões, as perseguições religiosas recaíam muito mais sobre os praticantes de ritos de raízes afro-ameríndio, pejorativamente denominados de 'baixo espiritismo'.
Não se sabe, oficialmente, por qual razão Edgard figurou implicado no 'Caso Mara Lucia', a polícia jamais informou, mas suspeitava-se de crime a mando, por vingança familiar, e ele, por exercer liderança religiosa num grupo de adeptos, muitos deles simplórios e 'cumpre ordens', poderia ser o mandante, considerando que naquele ambiente a 'palavra do chefe' era determinação e o pedido executado.
Sem outras razões, Edgard figurou e foi investigado suspeito no 'Caso Mara Lucia', até que constato seu óbito meses antes do acontecimento.
2.2. Ademar dos Santos
Afro-brasileiro, idade 37 anos, jardineiro, nascido em Duartina-SP, aos 16 de dezembro de 1934, filho de Benedito Faustino dos Santos e Benedita dos Santos, residente e domiciliado à Rua Antonio Garcia, 7-55, Bauru, casado com Iracema, filha adotiva de Edgard de Castro Marques.
Ademar foi suspeito da morte de Mara Lucia, sob mando ou contratante, a pedido, em razão do vínculo socioafetivo com Edgard, e por residir, com a esposa e filhos, na mesma casa que aquele, tido chefe de um lugar onde as 'práticas ou sessões espíritas'.
Intimado, Ademar apresentou-se como testemunha, aos 23 de novembro de 1971, junto a Delegacia de Polícia do Município, na presença do delegado José Geraldo Cremonesi.
A polícia soube, e este era o seu papel investigativo, que um envelope fora retirado por crianças de sob a porta da casa à Rua Professor José Ranieri, 8-61, e entregue à vizinha Filomena que o repassara a Iracema, a mulher de Ademar dos Santos. A casa era a mesma onde encontrado o corpo de Mara Lucia.
Ademar explicou, um pouco diferente, que estava em sua nova residência, no dia 15 de novembro de 1970 quando, por volta das 8,00 horas foi procurado pela ex-vizinha, que lhe confiou envelope timbrado do Banco do Brasil, entregue no seu antigo endereço, destinado a Edson Quintiliano.
O endereço original de Edson Quintiliano, marcava a Rua Domiciano Silva, 22-20, rabiscado e manuscrito para a Professor José Ranieri 8-61, com provável indicação de algum vizinho ao carteiro. Tal ato significava que o endereço dado, para a correspondência chegar a Edson, era lugar de referência para pessoas entre si conhecidas, ou seja, no caso, frequentadores das 'sessões espíritas'.
Ademar ao sair à procura de Edson, que pronunciara não conhecer, nem teve dificuldades para localizá-lo, pois naquele instante um homem passava em frente de sua casa, o qual indagado se conhecia o Edson de tal, coincidentemente era o próprio.
A polícia localizou Edson para saber que a carta comercial comprovava a quitação de crediário; e ouvidas as demais pessoas citadas, no episódio da correspondência, com as confirmações dos relatos.
No depoimento prestado aos 23 de novembro de 1971 Ademar relatou que soube, pelo rádio, do desaparecimento de Mara Lucia e, depois, do encontro do cadáver, à Rua Professor José Ranieri, 8-61, local onde residira até 15 de setembro de 1970, para lá se dirigiu pondo-se entre as tantas pessoas aglomeradas, e ouviu comentários que o praticante do crime era alguém antes morador naquele local, todavia não reconhecido ser ele o tal residente, talvez em referência ao Edgard de Castro Marques.
Os investigadores de polícia da capital paulista, Luiz Olivares, Nelson da Cunha Paes Leme e Bernardo Espin Garcia, designados para o auxílio à polícia de Bauru no 'Caso Mara Lucia', recomendaram, num relatório conjunto, atenções a Luiz de Tal, amigo de Ademar dos Santos, que "estaria de posse de um rolo de corda pertencente a Ademar", sem demais esclarecimentos se a corda era igual àquela utilizada no estrangulamento da vítima, ou por qual razão não a requisitaram.
O depoente Ademar confirmou ter um amigo, por nome Luiz, cujo irmão, Loversi, era seu compadre e frequentador das 'sessões espíritas', e que se achava internado no Hospital Psiquiátrico de Marília na época dos fatos. Quanto ao Luiz, informou que este poucas vezes esteve em sua casa.
Através de Ademar a polícia soube muito dos frequentadores das 'sessões espíritas', destacadas 'dona Lila – irmã de Edgard', e 'dona Tanin – esposa de um funcionário da Companhia de Força e Luz'.
2.3. Joaquim Luiz de Lima Filho – o 'Quina'
Joaquim Luiz de Lima Filho, alcunhado Quina, era pintor de paredes e pedreiro, por conta própria ou como empregado, 21 anos de idade, nascido em Bauru aos 18 de junho de 1939, filho de Joaquim Luiz de Lima e Lazara Dias da Silva. Casado, residia à Rua Maria José, 9-45, em Bauru.
Quina conhecia a Mara Lucia e trabalhou na reforma de uma casa vizinha até a tarde daquele 11 de novembro de 1970, juntamente com o irmão Arlindo Luiz de Lima – vulgo Lindóia, não retornando nos dias seguintes, o que o tornou suspeito para a polícia, ouvido pelo delegado José Francisco Bastos Silva, na Delegacia de Polícia do Município, aos 03 de fevereiro de 1971.
Como declarante Quina informou conhecer os pais da vítima dois anos antes do ocorrido, quando empregado na reforma da residência onde os Vieira vieram morar; depois trabalhou nas proximidades, em serviços diversos, inclusive na data fatídica.
Não omitiu que viu menina nos dias antecedentes aos fatos, só ou com os irmãos, e que ela, vez ou outra, brincava num monte de areia defronte o imóvel onde trabalhava, e, no dia do desaparecimento pedira a ela que não brincasse mais ali, por ordem da proprietária, sugerindo que fosse embora.
Mara Lucia, observou ele, na data de 11 de novembro, pela manhã, permaneceu nas imediações até ser chamada pela mãe, para se aprontar e ir à escola; depois, mais tarde, quando ia tomar café com o irmão e a dona do imóvel, viu a menina de regresso da escola, a caminho de casa, trajando short branco com bolas vermelhas e a blusa branca com distintivo da escola, e a teria convidado para lanchar com eles e ela poderia levar mangas, mas a menina recusou sob pretexto que a dona da casa não gostava dela, e sua mãe proibira que entrasse lá, e seguiu rumo e não mais a viu até que, quase ao final do expediente, por volta das 17,45 horas, a mãe procurava por ela nas imediações.
Quanto a ausência ao serviço, nos dias seguintes, esclareceu desentendimento com a contratante, e apenas soube pelo rádio, a 15 de novembro, que Mara Lucia fora encontrada morta.
O operário vivia, na época, conflito familiar, separado da esposa entre os meses de outubro a dezembro de 1970, por questões de foro íntimo, e na noite do dia 11 de novembro esteve envolvido num 'trabalho espírita', por volta das 20,30 às 23,30 horas, juntamente com o amigo Luiz Carlos Rosalin – o Carlinhos, e daí retornou para sua residência, aclarando que ele e o amigo eram médiuns e frequentavam 'centros espíritas' na cidade.
Conforme por ele dito, reconciliou-se com a esposa aos 23 de dezembro de 1970.
2.4. Arlindo Luiz de Lima – o 'Lindóia'
Arlindo, solteiro, 18 anos, nascido aos 24 de outubro de 1952, em Bauru, também residente à Rua Maria José, 9-45, trabalhava com o irmão Joaquim Luiz de Lima Filho, o Quina, quando do desaparecimento e morte de Mara Lucia.
Intimado, prestou declarações na Delegacia de Polícia do Município, aos 03 de fevereiro de 1971, perante o delegado José Francisco Bastos Silva.
Arlindo não estava na mira dos policiais como suspeito, vistas pelas respostas dadas às perguntas que certamente lhe foram feitas, afinal, quase ninguém deseja declarar nem esclarecer nada numa delegacia, de livre e espontânea vontade, ficando naquela do 'se perguntado responde'.
A polícia queria saber das roupas que seu fraterno usava no dia do desaparecimento de Mara Lucia, por que razão Quina não mais compareceu ao serviço após 11 de novembro de 1970.
O declarante confirmou tudo quanto já dissera o irmão, sem contradições, inclusive que ambos eram frequentadores de 'centros espíritas' na cidade.
2.5. Luiz Carlos Rosalin – o 'Carlinhos'
Carlinhos, 22 anos, nascido aos 19 de outubro de 1948, em Bauru, filho de Manoel Rosalin e Maria Antoneli Rosalin, solteiro, residente à Rua Maria José, 8-29, Bauru, ouvido como declarante, na Delegacia de Polícia do Município, pelo delegado Alfredo Enéas Gonçalves D'Abril, aos 10 de janeiro de 1971.
O declarante, motorista de taxi e particular, teve o nome levantado por policiais, por conhecer Joaquim Luiz de Lima Filho, o Quina, confirmando amizade e ambos eram médiuns e frequentadores de 'centros', e na noite de 11 de novembro de 1970, fizeram 'trabalho espírita' nos arredores de Bauru, entre 20,30 até por volta das 23,30 horas; e desde pequeno conhecia os irmãos Quina e Lindóia.
O declarante, aparentemente receoso, esclareceu que não era 'aquele médium' na concepção exata da palavra, "que não recebia nada (...) que Joaquim Luiz Filho, também não é verdadeiramente médium."
Suas declarações demonstram medos e forçado a discorrer sobre 'trabalhos espirituais', mas que "não fez qualquer trabalho espírita visando elucidação do crime, e também não sabe que seus companheiros o tivessem feito."
Carlinhos se declarou sexualmente impotente, que não fizera nem participara de qualquer 'trabalho espiritual' para elucidar algum crime, e, aparentemente, buscava apenas solução para o seu problema.
A uma pergunta 'Carlinhos' informou à polícia que nunca dirigiu veículo de sua contratante, sem que a mesma estivesse presente, ou alguma pessoa da família.
Aparentemente a polícia deseja saber muito de 'médiuns espíritas', visando possíveis vínculos destes com o 'centro' de Edgard de Castro Marques.
3. Os suspeitos descartados
As investigações policiais sobre o 'Caso Mara Lucia' concentraram-se nas mãos dos delegados de polícia, dr. José Geraldo Cremonesi e dr. Luiz Pegoraro.
A atribuição do delegado era definida pela sua circunscrição policial, com exceção das delegacias especializadas. No caso, os delegados de polícia atuavam, às vezes, em conjunto, em outras com duas equipes, uma sob o comando do dr. José Geraldo Cremonesi, pelo Serviço de Ordem Política e Social – SOPS, e outra chefiada pelo dr. Luiz Pegoraro, da Delegacia de Polícia do Município de Bauru, sendo os grupos acrescidos de policiais civis designados e mesmo de outras delegacias e de diferentes municípios.
O SPS era cognominado DOPS.
Documentos inseridos no Inquérito Policial 10/1971 revelam participações de outros delegados de polícia, como exemplo, dr. Alfredo Enéas Gonçalves D'Abril, da Delegacia do Município.
O delegado José Francisco Bastos Silva era o responsável pela Delegacia de Polícia do Município, e dele partiam as ordens, às vezes diretamente, sobre as investigações no 'Caso Mara Lucia', e a ele os delegados e respectivas equipes prestavam contas; e alguns depoimentos tiveram sua condução.
Mara Lucia fora sequestrada e encontrada morta quatro dias depois. O corpo nu, já em putrefação, apresentava sinais de violência, estrangulamento com corda de sisal, pancadas fortes na cabeça com o tampo da caixa de descarga, e violência sexual; por certo o mais hediondo crime contra uma menor já registrado nos anais da história policial bauruense.
A população exigia pressa para encontrar e prender o culpado, e os policiais se movimentavam nesta cobrança popular e da imprensa, perdendo-se em casos irrelevantes que terminavam em becos sem saídas.
Menos de um mês após a morte da menina, a Polícia Civil detivera algumas pessoas próximas ou assemelhadas ao 'retrato falado' descrito pelo menor Décio, e entre os verificados, aqueles que se enquadravam no relato de típico maluco ou situadas dentro da faixa etária, à maneira entendida, e outras que, de alguma maneira, se relacionaram com a família da vítima.
Os esforços dos investigadores se concentravam em localizar alguma outra testemunha, alguém na vizinhança de onde encontrado o corpo; todavia ninguém viu nada e nenhuma informação obtida e crível sobre anormalidades nas imediações.
Nenhum dos suspeitos, diretamente ou por foto, foi reconhecido por Décio, e a polícia os descarou, mas o único por ele reconhecido não foi considerado por ausência de firmeza ante o dito 'podendo ser ele', sem as considerações que Décio, apenas um menino, sem dúvidas, pressionado pela família e outros para não errar ou apontar algum inocente, além de assustado e confuso pela perda de uma amiga.
3.1. José Carlos de Mello
Para a polícia, e isto era óbvio, Mara Lucia deixara-se facilmente conduzir pelas ruas de Bauru, sem aparente resistência para entrar naquele imóvel onde seria morta.
Isto significava que o sequestrador possivelmente estava entre pessoas conhecidas, alguém em que ela confiasse ou lhe cativara, mediante promessas, somente a reagir, se tempo houve, quando entendida as intenções do agressor, atestado pela forma brutal como dado o assassínio.
A razão em conhecer o algoz quase não oferece chance para a vítima sair viva dos acontecimentos.
A polícia chegou ao José Carlos de Mello, por este apresentar semelhança com o retrato falado, e o alerta que no ano de 1969 residira com a família de Mara Lucia, por algum tempo, com denotada afeição pela menina embora sem aparente malícia.
Mello, segundo o delegado de polícia Cremonesi em seu relatório, era instável, inclusive profissionalmente, não desapercebido pela família Vieira, um atendente de enfermagem deixar o serviço para trabalhar como vigilante noturno, e nisto o gesto de Mara Lucia apontando-o 'biruta'.
Mas, Jane Grossi Marques da Silva, tia de Mara Lucia, explicara à polícia que a menina, quando não entendia alguma coisa dita por alguém ou qual o propósito, tinha o costume de girar o dedo próximo ao ouvido para dizer que a pessoa era ou estava louca.Mello residia e trabalhava em Jundiaí, como atendente ou auxiliar de enfermagem, quando preso por policiais daquele município e transferido para Bauru, a pedido das autoridades.
Não lhe adiantou explicar que, no dia 11 de novembro de 1970, se encontrava em serviço no hospital, e bastava conferir: "Tal fato foi confirmado em telefonema pela direção do Hospital pelo cartão de ponto nº 48, tendo realmente, o epigrafado [Mello] trabalhado no dia 11 até às 15,30 hs e ainda, nos dias 12/13/14/16/17 e 18 até às 15 horas. (Das 6 às 15 hs.)".
A prisão de Mello revelou-se estúpida e inadequada, na usual prática do prender para investigar, quando o correto recomendava primeiro investigar para, se o caso, prender. Não reconhecido pela testemunha, dias depois deu-se a liberação.
O cronista José Carlos de Oliveira, do Jornal do Brasil – RJ, 1970/1980, na recuperação de saúde numa fazenda em Lençóis Paulista, circulou por Bauru e comentou o 'Caso Mara Lucia':
"(...) numa casa desocupada, uma menina de 9 anos é violentada e estrangulada. O assassino se serve muitas vezes do cadáver...Prendem um inocente que sofre bastante antes que prevaleça o seu álibi. Finalmente as investigações conduzem a um rapaz de 28 anos, com antecedentes na área do atentado sexual. O juiz Giglio, jovem, vermelho, meio sardento, está reunindo provas. A prisão do inocente tornou arriscada a acusação pouco fundada ao indigitado assassino. Giglio disse que me deixará ler o processo. (...). Via a casa onde foi assassinada a pequena e me parece inconcebível que nenhum vizinho tivesse suspeitado de nada. A psicologia deste povo merece estudo." (In 'Diário Selvagem: O Brasil na mira de um escritor atrevido e inconformista', sobre sua vida, org. Jason Tércio).Sem dúvidas referências ao Mello, inocente, enquanto as investigações apontavam para Elivaldo – o Francês. O cronista, se leu o processo nada divulgou e sua morte levou o segredo (Editora Record, 2005, apud publicação no blog 'Joãozinho Pede Justiça', http://joaozinhopedejustica.zip.net/arch2008-06-29_2008-07-05.html).
A atitude policial em relação ao Mello mostrou-se imprudente e extremante danosa para um inocente. Não consta alguma autoridade a desculpar-se e reparar o mal feito.
3.2. Valdir Fialho Moura
O delegado Cremonesi, da Delegacia Seccional de Bauru, aos 03 de dezembro de 1970, encaminhou seu primeiro relatório do andamento processual à Delegacia do Município, com ocorrências de alguns suspeitos levantados e rejeitados.
Sem complementares, Valdir, cognominado no relatório como 'Pedreiro Valdir', residente em Bauru, à Rua Augusto Boemer, 1-44, fundos, figurou entre os indagados por trabalhar em frente à casa da vítima, com um colega conhecido por Alemão.
Valdir teria visto a Mara Lucia por volta das 15,00 horas, e nada mais pode acrescentar, e nem o Alemão, conforme depreendido: "Pouco informaram que ajudasse as investigações."
Aos 10 de fevereiro de 1971, o mesmo cidadão, agora identificado como Valdir Fialho Moura, brasileiro, pedreiro, casado, 30 anos de idade, nascido em Montes Claros – MG, aos 04 de outubro de 1941, filho de Manoel José Moura e Izaura Fialho Moura, endereço mencionado, intimado compareceu junto a Delegacia de Polícia do Município de Bauru, como testemunha, perante o delegado José Francisco Bastos Silva.
Valdir, em 11 de novembro de 1970, trabalhava numa residência defronte à casa de Mara Lucia, na feitura de um piso, juntamente com Aparecido de tal, que depois se soube por sobrenome Leme; o pedreiro não conhecia a menina.
Naquele dia trabalhara das 7.00 às 11,00 horas, com parada para o almoço mais ou menos às 12,30 horas, e lembra que, por volta das 14,00 horas um rapaz, aparentando 25 anos, alto, cabelo loiro e liso, conversou com Aparecido procurando serviço de pintor, numa conversa aproximada de cinco minutos, sem se recordar da vestimenta do rapaz, e que não o conhecia anteriormente e nem seria capaz de reconhecê-lo.
Ainda mais, que na referida data, 11 de novembro, pediu emprestada uma escada à mãe de Mara Lucia, devolvendo pouco depois, mas não conversou com a menina.
Entre 15,30 e 15,40, Valdir e Aparecido deixaram aquela residência e foram trabalhar em outra nas imediações, e ele, Valdir, teria visto a menina Mara Lucia brincando na calçada defronte sua morada, ninguém próximo a ela, e nada soube a não ser no dia seguinte, com a notícia de seu desaparecimento.
De algum estranho nas imediações, excluído o pintor, o Valdir, quando trabalhava na Padaria Cristina, à Rua Saint Martin, viu certo senhor de aproximadamente 45 anos de idade, com quem conversou e soube que o mesmo ia à procura de serviço no Jardim Bela Vista, mas não sabia o nome da pessoa, que seria avô e residia, com a família, próximo do cemitério na Vila Cardia.
3.3. Aparecido Leme
Aparecido Leme, pedreiro, casado, 25 anos de idade, nascido em Brotas – SP, aos 18 de julho de 1945, filho de Antonio Leme e Maria Martins, residente e domiciliado à Rua Prefeito Alves de Lima, 7-19, Vila Independência, cidade de Bauru, ouvido na Delegacia de Polícia do Município, aos 10 de fevereiro de 1971, na presença do delegado dr. José Francisco Bastos Silva.
Leme informou à polícia que trabalhara com o Valdir nos dias 09 e 10 de novembro de 1970, numa casa defronte a de Mara Lucia, à Rua Engenheiro Saint Martin, mas no dia 11 compareceu noutro serviço, à Rua Rodrigues Romero, da mesma dupla, às 7,00 horas, somente ambos se reencontrando após 14,00 horas. Esclareceu que não conhecia e nem viu Mara Lucia em nenhum dia de trabalho.
Do pintor que procurava serviço, Leme declarou que o conhecia, por 'Sr. Zé', que já trabalharam juntos. Tal José era magro, branco, cabelo escuro e liso; que haviam conversado na segunda-feira na obra da Saint Martin, quando lhe pediu emprego, sem êxito; e outra vez se viram, na terça-feira em horário de almoço, na mesma Saint Martin, quando José o comunicou já ter arrumado serviço e seguiu adiante numa bicicleta.
O depoimento teve como conclusão que Leme foi trabalhar no dia 11 de novembro de 1970, pela manhã, na Rua Rodrigues Romero e o Valdir permaneceu na Rua Saint Martin até à tarde, quando se juntou ao companheiro.
Sem importância para a polícia as pequenas divergências entre os depoimentos de Aparecido Leme e Valdir Fialho.
3.4. José Rufino Leite – um andarilho
Os andarilhos de passagens quase sempre são suspeitos de crimes assombradores; a população acostuma-se com eles, até sentir ausência de um ou mais deles, quando a cidade sacodida por algum grave acontecimento.
Quase sempre, para a época de 1970, andarilhos eram pessoas marcantes numa cidade onde surgiam do nada.
Alguns eram falantes, galaneadores de bravatas e, bem informados, descrevendo e reproduzindo com precisão os grandes crimes noticiados pela imprensa, como se fossem partícipes dos acontecimentos, e daí alguma denúncia e consequente prisão para apuração dos fatos.
Não se sabe por qual motivo as autoridades trouxeram o José Rufino Leite para Bauru, lugar onde nunca esteve, e não tinha nenhuma semelhança com o retrato falado.
Sem nada de interessante a acrescentar, de imediato afastado da lista de suspeitos.
3.5. Abel Silva – o caminheiro
Em Londrina (PR) a polícia deteve um perambulante erradio, suspeito de cometimento de crime semelhante ao acontecido com Mara Lucia. Poderia tratar-se de assassino em série.
As suspeições sobre ele aumentaram, quando descoberto em seu poder intrigantes depósitos bancários, em Ourinhos – SP, e uma carta em seu poder que se referia ao acontecido com Mara Lucia.
O homem não era andarilho comum, não praticara crime em Londrina e nem esteve em Bauru no dia 11 de novembro de 1970.
Investigado por outros delegados, em conjunto, Abel foi descartado como o assassino de Mara Lucia, além de não ter sido reconhecido por Décio Luiz mediante fotografia.
Os suspeitos não reconhecidos por Décio, visualmente ou por fotografias, logo eram descartados.
A carta referente ao ocorrido em Bauru era da namorada do suspeito, moradora em São Paulo – capital, consoante pode provar.
Não se tem notícias do quanto as averiguações sobre Abel no 'Caso Mara Lucia', nem mesmo quem efetivamente ele era.
3.6. Alberto Rodrigues de Souza ou Alberto dos Santos
Alberto foi preso pelo estupro e assassinato, cometido em agosto de 1970, de uma menina de 4 anos de idade, no município de Ibaiti – PR, também suspeito de crime semelhante em Londrina (PR), e do estupro e morte de Neila Ribeiro, 11 anos, filha do então Prefeito de Santo Inácio (PR), Braulio Ribeiro, em outubro do mesmo ano.
Sua captura ocorreu em Londrina no mês de novembro de 1970, logo descartado do assassinato de Mara Lucia, por não ter registro de passagem por Bauru e nem reconhecido por nenhuma pessoa da localidade. À mesma maneira, em nada se assemelhava às descrições de Décio e nem por este identificado mediante as fotografias apresentadas.
Jamais provado que Alberto tenha estuprado e assassinado Neila Ribeiro. Os verdadeiros culpados, dois deles, foram posteriormente presos e condenados num rumoroso julgamento, situações que não interessam neste trabalho.
Mas, Alberto voltaria a ser notícia quarenta anos após o crime em Ibaiti, ao ser preso por igual procedimento em Carmo da Mata (MG).
- "(...) foi levantado ontem pelo polícia de Londrina depois que recebeu um ofício da Delegacia de Carmo da Mata, no estado de Minas Gerais, dando conta da prisão do marginal Alberto Rodrigues de Souza, que estuprou em agosto de 1970 uma menina de 4 anos em Ibaiti, e que cometeu idêntico crime naquela cidade mineira." (Apud http://www.folhadelondrina.com.br/opiniao/ha-40-anos-17-de-fevereiro-de-1971-739666.html - publicação 17/02/2011).
O 'Caso Mara Lucia' abalou Bauru, de modo que qualquer acontecimento era motivo de denúncia à polícia, então obrigada a tomar providências, afinal isto poderia levar ao assassino.
Uma das denúncias investigadas partira do menor Paulo Cesar Lagata, 11 anos, filho de Décio Luis Lagata, residente à Rua Machado de Assis, 9-72, em Bauru.
Paulo Cesar dizia sobre um estranho visto entre as ruas Machado de Assis e Virgilio Malta, querendo falar com a menor Simone, empregada da família, nos dias 19 e 20 de novembro, quando ausentes os moradores adultos, chegando tal indivíduo adentrar a casa, numa das tentativas.
Apesar da campana montada pela polícia, nenhum suspeito foi observado na região.
3.8. Outro estranho, agora em casa dos pais de Mara Lucia
Alguns jornais da grande imprensa publicaram fotos de um demente que se evadiu de manicômio na então Guanabara.
Leda Grossi Vieira, mãe de Mara Lucia, alarmou-se ao ver e reconhecer nas fotos estampadas um homem que batera à sua porta, algumas vezes, pedindo refeição ou ajutório, inclusive na data de 11 de novembro de 1970.
O indivíduo, segundo Leda, tentara entrar à força em sua residência, sendo barrado por ela ameaçando chamar a polícia; e referiu, ainda, que o pedinte, no dia 11 de novembro, lhe proferira uma série de palavrões quando da negativa em lhe dar alimento.
A polícia solicitou fotografias originais do suspeito, para melhor identificação junto à Leda, e o caso não prosperou.
3.9. Antonio Carlos Pereira Rocha – o parafílico
Rocha, conhecido morador em Bauru, à Rua Benjamin Constant, nº 1-26, já denunciado algumas vezes por exibir o sexo às mulheres, e dado às práticas pederastas, uma perversão para a época. Usava bigode ralo.
Pessoa de poder aquisitivo relevante, pela família, esteve ausente do Brasil por mais de ano, morando no México.
Criador de casos, era protegido pela parentela; mostrava inconstância no trabalho, mas estava empregado na Baurucar, no setor administrativo, em Bauru, quando inquirido no 'Caso Mara Lucia', informando que no dia 11 de novembro esteve numa consulta médica, na cidade de Jau, retornando à noite.
Noutra versão alegou acamado entre 10 e 12 de novembro, e somente a 13 comparecido ao médico, com amigdalite.
Diligenciado constatou-se que efetivamente teve consulta com o médico jauense, dr. Luiz Prado Rocchi, aos 13/11/1970, efetuando pagamento com um cheque no valor de Cr$ 50,00, contra a Agência Banco do Brasil em Bauru; e adquiriu os medicamentos numa farmácia – do Julinho, conforme comprovação.
Rocha negou práticas de exibicionismos sexuais e demais acusações, esclarecendo que tinha namorada em Bauru, o que verificado correto.
Não foi autenticado por Décio Luiz, via fotografia, como a pessoa vista com Mara Lucia naquela tarde de 11 de novembro; nem reconhecido diretamente quando colocado com outras pessoas.
3.10. Ofertantes de dinheiro às mulheres
Homens procuram mulheres, iniciadas ou não na prostituição, para delas solicitarem favores sexuais por dinheiro ou regalos que possam interessar. Prostituição é a prática consciente, sobre de favores sexuais mediante paga ou recompensas outras de reciprocidade, ou seja, com pleno conhecimento e responsabilidade do ato.
Uma criança pode ser induzida a praticar sexo mediante convencimentos, promessas e dinheiro.
Um homem a abrolhar em Bauru, na efervescência do 'Caso Mara Lucia', oferecendo compensações a mulheres jovens, aparentemente pobres e desconhecidas, para práticas de sexo, sem dúvidas era fazer-se suspeito do assassinato da menina.
Dois casos foram registrados pela polícia, reais ou mitomaníacos, o que não é incomum, num tempo em que a imprensa procurava notícias que pudessem elucidar o crime.
3.10.1. Tentação a uma menor
Maria Aparecida Pacheco, endereço à Rua 7 de Setembro, 12-37, avisou a polícia que fora convidada por um estranho, mediante dinheiro – 20 cruzeiros na época, para que ela o acompanhasse até um endereço à Rua Araújo Leite, cuja proposta recusada.
A polícia considerou este acontecimento como real e preocupante, pois tal poderia ter ocorrido com Mara Lucia, incitada assim, mas a polícia não encontrou nenhum suspeito que se encaixasse nas descrições de Maria Aparecida Pacheco.
3.10.2. Um homem com sotaque espanhol
Aparecida da Rocha de Souza, empregada [doméstica] de Darcy Vieira, à Avenida Duque de Caxias, relatou à polícia que aos 10 de novembro um senhor bateu à porta querendo falar com o patrão, que se achava ausente.
Na oportunidade o homem forçou e entrou na casa para propor à jovem relacionamento sexual, com recusa, vindo daí outra oferta, em dinheiro, para que ela se tornasse sua amante, oferecendo-lhe 500 cruzeiros colocado num de seus bolsos.
Nova negativa e o descrito tentou então agarrá-la, no entanto, a recuar e deixar o local diante da ameaça de gritos da agredida; e ela, depois, percebeu que o seu relógio havia desaparecido, certamente levado pelo fugitivo.
A empregada acrescentaria detalhes: o homem se parecia com aquele do retrato falado, moreno claro, usava bigode ralo e, no dia trajava camisa poliéster, de cor branca riscada. Outro pormenor notado pela jovem, o sotaque do agressor assemelhava-se ao espanhol.
O caso faz pressupor que o denunciado vinha sondando a casa para o momento certo da abordagem.
A polícia considerou estranho o relato, todavia levou-o a sério, pelo menos num primeiro momento, associando-o ao caso da Maria Aparecida, onde igualmente as propostas em dinheiro. Realizadas intensas buscas, inclusive nos hotéis e pousadas locais, sem qualquer resultado positivo.
Os investigadores de polícia da capital, Luiz Olivares, Nelson da Cunha Paes Leme, e Bernardo Espin Garcia, designados para auxílio aos policiais de Bauru no 'Caso Mara Lucia', teriam encontrado dois suspeitos enquadrados nas descrições de Aparecida da Rocha de Souza, o Alcides Lúcio Ponties e o paraguaio Patrocínio Echeverria, ambos averiguados e exclusos ante a ausência de provas e de reconhecimento.
3.11. José Alves
Brasileiro, pardo, idade 38 anos, casado, pedreiro, natural de Santo Antonio do Mato Verde – MG, nascido aos 30 de junho de 1933, filho de Hermínio Alves e Pedrina Maria de Jesus Alves, com Inquérito nº 113/72, fls. 62 v, instaurado em 14 de março de 1972, por infração ao artigo 214 do C.P, sendo vítima certa Delgina Aparecida Queiroz, filha de José Queiroz e Geraldina Alves Queiroz cujo processo em andamento na Justiça no ano de 1972, mês de junho.
No Brasil, qualquer prática sexual mediante violência ou grave ameaça, diversa do vaginal, era atentado violento ao pudor – AVP, e não estupro, como tipo penal que vigorou entre 1940, com entrada em vigor do Código Penal Brasileiro, até agosto de 2009, quando revogado pela Lei de nº 12.015 aquele ano.
Alves, ouvido como declarante estando presente o delegado José Geraldo Cremonesi, em 16 de março de 1972, após investigações policiais junto aos familiares, companheiros e pessoas do seu relacionamento, inclusive com os procedimentos de acareações, nada concluso que fosse o assassino de Mara Lúcia, com reconhecimento negativo para o retrato falado.
Sem dúvidas, um palrador, detalhista e megalômano nas proezas sexuais, sem efetivamente qualquer comprometimento.
3.12. Waldemar Pereira
Brasileiro, 36 anos, filho de José Pereira e de Carolina Squicati, nascido em Tibiriçá – SP, aos 25 de junho de 1935, frentista e lavrador, sem residência fixa, conhecido pelas alcunhas 'Deolindo', 'Deo', 'Boi', 'Boiadeiro', 'Zé do Caixão'.
Waldemar residiu em Bauru nos anos de 1969/1970, Rua Recife nº 3-6, na Vila Perroca, com condenação nesta cidade em 01/02/1972, 1ª Vara, a três anos cinco meses e dez dias de detenção, incurso no artigo 155 – caput c/c artigo 44 – I e § 1º do citado artigo 155.
Por ocasião da sentença em Bauru, Waldemar Pereira se encontrava preso em Piracicaba, por crime naquela cidade cometido as 13 de fevereiro de 1972, semelhante ao ocorrido em Bauru – 'Caso Mara Lucia'.
Preso em flagrante Waldemar confessou autoria do crime em Piracicaba e, segundo a imprensa, teria admitido responsabilidade no 'Caso Mara Lucia', participação no entanto negada, que não esteve em Bauru no dia 11 de novembro de 1970:
"(...) fato que de certa forma comprovamos ao localizarmos uma caderneta da Caixa Econômica Estadual onde consta abertura de conta aos 11 de novembro de 1970, data do crime. Procedida a verificação na caderneta referida, nº 7443, calculada a hora do depósito, assinatura, autenticação mecânica, concluiu-se ser praticamente impossível achar-se o epigrafado em Bauru no dia e hora do crime.Procedemos investigações ainda em torno de Ruth G. Pereira, ex-amasia de Waldemar, da vida do casal, passagens pelas Delegacias próximas, locais de trabalho, etc., resultando as diligências por ora negativas."Não mencionado em relatório qual e onde a Agência da Caixa Econômica Estadual.
3.13. 'Zé Gurita'
José dos Santos ou José Gregório dos Santos, vulgo 'Zé Gurita', brasileiro, branco, 30 anos de idade, nascido aos 21 de maio de 1940, em Quatá – SP, filho de Pedro Gregório dos Santos e Ostália Vieira, amasiado, profissão indefinida, endereço informado à Rua Amador Bueno, sem número ou este desconhecido, na vila do mesmo nome, em São Paulo – Capital, prestou depoimento a 11 de fevereiro de 1971, na Delegacia de Polícia do Município, perante o dr. José Francisco Bastos Silva.
Nome conhecido nos meios policiais, Zé Gurita' era garganta que gostava de gabar-se de seus delitos e tantas prisões:
"(...) condenado a cumprir pena de detenção de 90 dias, por crime [de] lesões corporais; outra pena de 1 [um] ano de detenção, por crume de rapto [sequestro] de sua prima; outra pena de 2 anos de reclusão por crime previsto no Art. 155 do C. Penal; outra pena de 3 [três] anos de reclusão pelo crime previsto no Art. 155 do C. Penal em combinação com o Art. Do C. Penal; que, ainda, o declarante cumpriu pena na Penitenciária de Presidente Wenceslau, tendo ido para Tupã donde saiu em 8 de janeiro de 1969".'Zé Gurita', erradio, teve passagens pelas cadeias nas localidades de Oswaldo Cruz, Bastos, Pompéia e de Junqueirópolis. Não era mentira, passagens ligeiras. Informou nunca ter visto ou conhecido Mara Lucia, e, para o mês de novembro de 1970, descreveu suas andanças.
Em 03 encontrava-se em Junqueirópolis, onde preso por discussão com a amásia, liberado no dia seguinte. Entre os dias de 04 a 10 esteve em Tupã, Iacri e Oswaldo Cruz, retornando a Junqueirópolis à procura da amante, no Rádio Bar, onde ela trabalhava, e outra vez detido pela polícia, por volta das 17,30 horas de 10 de novembro, solto no mesmo dia, em torno das 21,00 horas.
Como andarilho perambulava entre uma cidade e outra, às vezes a pé, por outras a valer-se de passes ferroviários emitidos por delegacias de polícia a favor de indigentes, pousando em locais improvisados, sob coberturas de prédios, em zonas de meretrício ou mesmo ao relento.
Levantava algum dinheiro à guisa de empréstimos, escambos e trabalhos eventuais como carregamentos de vagões de carga nos armazéns ferroviários ou lotando caminhões em entrepostos, biscates em podas de arvores sazonais nas fazendas de amoreiras, onde o cultivo do 'bicho da seda'; nas colheitas de café e de outros produtos.
Dentre as tantas arengas, 'Zé Gurita' confessou à polícia que por volta das 6,30 horas de 12 de novembro de 1970, na gare ferroviária de Duartina, encontrou-se com o seu meio irmão, Geraldo Vieira da Silva, que lhe confidenciara ter vindo de Bauru, onde na tarde anterior aliciara uma menina, idade entre 8 ou 9 anos, a quem oferecera dinheiro para acompanhá-lo até uma casa vaga, onde a estuprou e a matou por asfixia, enforcamento, deixando o corpo num banheiro aos fundos do imóvel, "cabeça próxima do bacio sanitário e os pés para o lado da porta".
A revelação tornou-se mais completa com a descrição que 'Zé Gurita' deu sobre o Geraldo, rapaz magro, rosto afilado, bigode ralo, cabelo ondulado [meio liso], que na ocasião trajava calça jeans, camisa branca de mangas longas, porém enroladas, calçado com sapatos pretos; um rapaz "que, costuma olhar por baixo, não encarando as pessoas, com os olhos grandes espantados, com a aparência de não ser muito certo".
Geraldo, conforme 'Zé Gurita', esteve preso em Belo Horizonte – MG, por assassinato, condenado a seis anos, no entanto liberto em 1968 após quatro anos de reclusão. Também Geraldo, certa feita, teria acuado crianças numa estrada entre Colorado e Cambé, no Estado do Paraná.
'Zé Gurita', examinado, não esteve em Bauru no dia 11 de novembro de 1970, mas as informações sobre o Geraldo interessaram aos policiais.
3.14. Geraldo Vieira da Silva
A Delegacia Seccional de Polícia de Bauru solicitou a detenção do Geraldo Vieira da Silva, 28 anos, moreno, filho de Benedito Vieira da Silva e de Maria Sebastiana de Jesus, dito lavrador, caminheiro em viagens ferroviárias através de passes fornecidos por delegacias de polícia, e de pousos constantes em albergues. Para a polícia Geraldo podia ser o autor dos delitos contra Mara Lucia Vieira.
Na época, 17 de fevereiro de 1971, a polícia suspeitava ou tinha informações que Geraldo estivesse domiciliado na cidade de Osvaldo Cruz, trabalhando com certo senhor João Eduardo.
Sem aparente êxito de captura, a Delegacia de Polícia do Município de Bauru, solicitou da Delegacia de Polícia de Belo Horizonte (MG), via Ofício nº 463/71, aos 07 de junho de 1971, se tal indivíduo lá estivera preso, no período de 1960/1969.
Geraldo Vieira da Silva não registrava prisão e nem antecedentes criminais no 'estado mineiro'.
Não se tem outras notícias da polícia sobre o suspeito Geraldo em relação ao 'Caso Mara Lucia'.
3.15. José Paes Bezerra – o 'Monstro do Morumbi'
O assassino em série, José Paes Bezerra, no final dos anos 1960 e primeiros anos da década seguinte, brutalmente assassinava mulheres por estrangulamento e abandonava os corpos em terrenos baldios do Morumbi. Também despojava as vítimas das joias, dinheiro e peças de roupas preservadas, para presentear sua mulher, que acabou por denunciá-lo às autoridades.
Paes Bezerra, caçado, fugiu para o Estado do Pará por lá fazendo vítimas até ser capturado.
Confessado os crimes, especialistas na época traçaram o seu perfil criminoso, de natureza científica, sobre a 'hereditariedade na formação de um assassino em série'.
A jornalista Marlene Rodrigues assinou um desses trabalhos, "A hereditariedade forma o criminoso?", publicação pela Folha de São Paulo (28/03/1971), do qual o trecho reproduzido pelo Jornal da Cidade, em sua edição de 03/04/1971:
"Ainda nesta Capital (São Paulo), um homem que teve uma infância alegre, 'foi um menino dócil e obediente' segundo a própria mãe, estrangulou oito mulheres em poucos meses. Sempre depois de um pequeno período de namoro, necessário à conquista do afeto e da confiança das vítimas. E, ainda assim, apesar de sua alta periculosidade e após cerrada perseguição por parte da polícia, José Paes Bezerra conseguiu ludibriar todos os planos policiais para a sua captura, SEQUESTRANDO E ESTRANGULANDO UMA MENINA DE NOVE ANOS EM BAURU". (O grifo é nosso – do Jornal que citou a matéria).Quase que exatamente como Benedito de Carvalho que há um ano atrás matou 14 mulheres de São Paulo também estranguladas após violência sexual". (Jornal da Cidade, 03 de abril de 1971, reproduzindo texto publicado pelo jornal Folha de São Paulo, edição de 28 de março de 1971, matéria "Paes Bezerra apontado pelas 'Folhas' como o assassino de M. Lucia").A polícia de Bauru, aos 05 de abril de 1971, anexou as publicações e requereu, por precatória fosse ouvida a autora:
"(...) em 'Termo de Declarações' para esclarecer como veio a saber que José Paes Bezerra foi o autor da morte de Mara Lucia Vieira, ocorrido nesta cidade em 11-11-1970, conforme notícia publicada em jornais dessa Capital, transcritas por periódicos do interior, (conforme se vê em anexo) [cópia excluída]. – Solicito ainda dessa digna autoridade, sejam procedidas outras diligências que julgar necessárias para elucidação do fato. (...)."Descobriu-se que Marlene Rodrigues era colaboradora do jornal 'Folha de São Paulo', não funcionária, e sua localização física somente aos 15 de julho de 1971, e declarou:
"(...) que a reportagem feita em data de 28 de março de 1971 sob o título 'a hereditariedade forma o criminoso?' teve por objetivo levar ao público a hipótese científica de que a tendência para o crime seria condicionada por causa biológica e não lançar a hipótese que 'JOSÉ PAES BEZERRA' fosse o responsável pela morte da menina de Bauru; que todos os casos citados no início da matéria foram retirados dos arquivos da 'Folha de São Paulo' e de outros jornais da capital; que na época apontavam o estrangulador como possível matador da menina de Bauru que faz questão absoluta que não concluiu nada pessoalmente e que a discrição dos criminosos serviu simplesmente para ilustrar a matéria e foi retirado do próprio noticiário local; isto significa que 'não sei se JOSÉ PAES BEZERRA foi o autor da morte de MARA LUCIA VIEIRA' como consta da carta precatória de n. 34/71 expedida pelo Delegado de Polícia, sr. dr. Alfredo Enéas Gonçalves D'Abril, em cinco de abril pp., na cidade de Bauru; quer fazer notar também que o nome da menina não foi citado na reportagem e que ignora se ao fazer a pesquisa, os jornais diziam ser MARIA [MARA] LUCIA VIEIRA a criança morta."Sem discussão de méritos, a jornalista Marlene Rodrigues fez sim referências ao Paes Bezerra como o assassino de Mara Lucia, porém enganada quanto a infância feliz do 'Monstro do Morumbi', pois este, em verdade, foi menino pobre obrigado a limpar as chagas do pai hanseniano, e sempre levado pela mãe, prostituta, para seus encontros sexuais, situação que o teria influenciado odiar compulsivamente as mulheres. (Fonte http://fileofthekillers.blogspot.com.br/2010/11/s-k-b.html - CD A/A Cópias digitalizadas - Arquivos dos Autores).
Paes Bezerra foi descartado como assassino de Mara Lucia.
4. Investigações que nem deveriam ser
4.1. Um menino, uma senhora e um suspeito irreal
Segundo o relatório assinado pelo Dr. Pegoraro a 29 de novembro de 1970, no entanto com citações posteriores a 09 de dezembro de 1970, sua equipe pesquisou um menino de nove anos, por nome Paulo, filho de Clóvis Quagliato – aquele entre os primeiros a ver o corpo de Mara Lucia.
A casa de Clóvis ficava divisa acima àquela onde encontrado o corpo de Mara Lucia.
Ao contrário dos familiares residentes sob o mesmo teto – que nada viram nem ouviram, Paulo brincando com colegas e sentado na mureta em frente à casa de certa Odila F. Murback, no cruzamento das vias públicas Professor José Ranieri com a Duque de Caxias, antes do lanche oferecido pela dona Odila, entre 17,00 e 17,30 horas, teria ouvido ruído no portão da casa onde foi morta Mara Lucia, e pode ver um homem afrodescendente, vestido com paletó e usando chapéu, entrar pelo portão e seguir corredor adentro.
Odila afirma ter visto, dias antes de 11 de novembro, um homem conforme descrito por Paulo, sentado defronte aquela residência, mãos sobre o rosto a tapa-lo, não podendo descreve-lo, talvez seja a mesma pessoa vista pelo menino que igualmente não conseguiu descreve-lo.
Algo à beira da fantasia.
4.2. Informes desencontrados
De uma casa antes onde encontrado o corpo Mara Lucia, residia a família de Antonia Maria das Neves, e todos ali investigados, e ninguém viu nem ouvido nada, inclusive a lavadeira Benita Alves de Lima, que trabalhou naquele dia 11 de novembro, entre 15 e 17,00 horas e nem no dia seguinte, mesmo horário, em que também lá também trabalhou.
Contudo, cita o delegado Pegoraro em seu relatório de 28 de novembro de 1970, que "no último dia 9, Antonia pedia para que a procurássemos. Assim o fizemos".
Não poderia ser nove de novembro – o crime ainda não havia acontecido –, e o apurado foi que a Antonia Maria das Neves omitira propositadamente informação, em razão de sua mãe, Maria José Nogueira, sexagenária e convalescente de facectomia - cirurgia oftálmica de catarata, temendo recaída.
Restabelecida, Maria José informou aos policiais que no dia 11 de novembro, período da manhã – mais ou menos dez horas, observou uma senhora olhando o exterior da casa e quintal, querendo saber quantos cômodos tinha a residência, mas não sabia informar, e viu a porta do banheiro aberta.
Maria José tinha mais a declarar.
Na noite de 12 de novembro, entre 23,30 e 24,00 horas, estava só quando ouviu 'barulho surdo' de coisa pesada caindo ao chão; e depois disso chegou seu neto José Bonifácio e a esposa, acompanhados de um nissei cujo pai falecera e estava sendo velado o corpo no domicílio.
Por volta das 0,30 horas, já treze de novembro, escutou-se um barulho, desta feita como disparo de arma de pressão, o neto saiu fora para verificar e nada constatou, e apenas um veículo marca DKW (Dampf Kraft Wagen) em trânsito.
A anciã recolheu-se para dormir e outra vez ouviu barulho de algo pesado caindo ao chão como vindo da casa ao lado.
O dito pelo não dito.
4.3. Um jovem perturbado
Dado alerta do desaparecimento de Mara Lucia, na noite de 11 de novembro, a polícia teve informações que Juvenal Batista Neto, morador numa travessa da Alameda Universitária, vendedor de livros da 'Editorial Acadêmica', assumiu comportamento estranho, e na manhã do de 12 de novembro, pediu demissão do serviço, e à tarde deixou a cidade em companhia de Babil Ferreira, como caroneiros, com informações que chegaram à capital do estado e, inclusive, em Santos – litoral paulista.
No retorno a Bauru o casal foi investigado sem qualquer indício de envolvimento no crime, e nada revelado do comportamento desvirtuado de Juvenal.
4.4. Um homem suspeito – o pânico disseminado
Odete Passareli Antunes, residente à Rua Rua Saint Martin nº 13-49, saíra da garagem de sua casa às 7,25 horas, dirigindo veículo próprio, quando viu um homem de costas, magro, vestindo paletó, na esquina oposta à morada dos Vieira, um homem magro, alto, trajando paletó.
A mulher preocupou-se e retornou à residência para pedir à emprega para fechar a portão da garagem, temendo pelos filhos menores. A doméstica confirmou os dados fornecidos pela patroa.
Não viu mais o homem, quando foi levar e buscar um dos filhos à escola, num excessivo e desnecessário cronograma.
4.5. O suspeitado Otacilio Vieira de Carvalho
Sobre o pedreiro Otacilio, filho de Orozimbo Vieira de Carvalho e de Juventina Maria de Jesus, residente à Rua Tupinambás nº 4-68, recaíam suspeitas pelos antecedentes criminais, por isso detido e interrogado, à exaustão, porém provado que no dia do acontecimento, ele trabalhou, jantou e pernoitou no serviço, cuidando de uma obra na Vila Falcão.
4.6. O homem escondido no forro de uma casa
Osny Xavier dos Santos era um conhecido da polícia.
Seus dados mostram idade 30 anos, filho de Lainerte Xavier dos Santos e Emilia Monteiro, tinha por profissão pedreiro, residência incerta, com certa semelhança ao retrato falado.
Avistado por policiais numa ronda, Osny entrou num imóvel abandonado, próximo à Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro – SANBRA, para esconder-se no forro da casa e lá ser apanhado, talvez ato de zombaria contra os policiais.
Nada se apurou contra o Osny.
5. Dos primeiros relatórios
Desde a localização do corpo de Mara Lucia foram formadas algumas equipes de investigadores, chefiadas por delegados de polícia, para atuações no caso, e delas, duas se destacaram, uma chefiada pelo dr. José Geraldo Cremonesi e outra sob o comando do dr. Luiz Pegoraro.
A investigação policial, após a análise criminal ou reconstituição histórica de determinado delito, prossegue conduta por meio de coletas de informações, entrevistas ou interrogatórios de testemunhas e informantes, para a identificação de suspeitos e produção de provas, a fim que se possa concluir objetivos.
Assim foram os procedimentos iniciais, já com divergências, uma equipe da polícia civil, em cima do retrato falado, a indicar Elivaldo Gonçalves Torres de Vasconcelos – Francês, o mais próximo reconhecido pela única testemunha, "podendo ser ele", com antecedentes em tarar menores, sem excluir aqueles mais ou menos assemelhados ao mesmo desenho foto; enquanto o outro grupo mais à cata daqueles já conhecidos por práticas de crimes sexuais, de potencial ofensivo, e mais atentos àqueles noticiados assassinos em série presos em outras localidades.
À parte das duas equipes, numa investigação militar, tecnicamente paralela, apontava outro potencial implicado, Nilton Paulo Vileta de Castro [Marques], também sob a mira das duas principais equipes civis, ante as insistentes denúncias populares, e certo entendimento, entrelinhas, que o crime poderia ser por vingança familiar num típico triângulo amoroso.
No 'Caso Mara Lucia', percebe-se, não havia distinção ou limites de atuações entre as equipes civis, operando em paralelo e muitas vezes contrapondo-se, interrogando suspeitos, ouvindo pessoas e, através das chefias, emitindo opiniões e relatórios disjuntos, com afetações quanto aos alvos das diligências.
Sem a interação ideal entre equipes, uma apontava para determinado suspeito, recomendando continuidade nas investigações, e a outra para o mesmo elemento, considerava-o descartado ante os 'álibis' apresentados.
Desta forma os delegados de polícia envolvidos direta ou indiretamente nas investigações, como chefes de equipes ou opinantes, ainda são lembrados, quase meio século decorrido, como 'fazedores' de relatórios voltados aos superiores hierárquicos e à imprensa, transformando tudo num amontoado de papéis e palavras aquilo que deveria ser trabalho técnico e científico.
5.1. Relatório assinado pelo dr. José Geraldo Cremonesi
Relatório de 23 de novembro de 1970, ao final com data de 03 de dezembro de 1970, com assinatura do delegado Cremonesi, é o resumo das averiguações do 'Caso Mara Lucia', com os principais destaques e afastados outros sem resultados positivos, "todos, porém, examinados".
O delegado autor do relatório, chefe de uma das equipes de investigação, descreveu os fatos e trabalhos de campo com sua turma, citando os seus investigados, todos afastados do rol de suspeitos, por dessemelhanças ao retrato falado além de não nem reconhecidos visualmente pela testemunha Décio Luiz Venturini, à exceção de Elivaldo Gonçalves Torres de Vasconcelos, o Francês, "podendo ser ele", e sobre o qual deviam prosseguir as investigações.
Pelos álibis apresentados e por ele relatados, dr. Cremonesi não opinou pela continuidade das averiguações sobre o Nilton Paulo, outro fortemente suspeito, inclusive nos levantamentos da Polícia Militar.
5.2. Do delegado Luiz Pegoraro – relatório de 28/11/1970
Dr. Pegoraro apresentou extenso relatório citando os 'investigadores de polícia Orlando Padovan, Cezar Bernardino de Oliveira e Sebastião de Vedrossi de Freitas', todos de sua equipe, envolvidos em minuciosas averiguações, no entanto a lamentar os resultados, pois "pouca coisa obtivemos."
Seu relatório, datado e assinado em 28 de novembro de 1970, traz inseridos acontecimentos posteriores e investigações amadoristas, sem embasamentos técnicos.
Notório, no entanto, o esforço de Pegoraro para excluir Elivaldo Gonçalves Torres de Vasconcelos da cena do crime de sequestro e, consequentemente, da execução da menor Mara Lucia.
O retrato falado, em cima das declarações de Décio Luiz Venturini, e o reconhecimento visual pelo mesmo, quase não deixava opções para excluir o Elivaldo Gonçalves Torres de Vasconcelos, vulgo 'Francês', do crime de sequestro da menina Mara Lucia; todavia, para o delegado Pegoraro, Décio não foi taxativo no reconhecimento do Francês, "podendo ser ele", daí desconsiderado para as incriminações.
5.3. Relatório dos investigadores de polícia de São Paulo
A Polícia de Bauru solicitou ou lhe foi imposta colaboração investigativa de São Paulo – Capital. O DEIC então designou os investigadores de polícia Luiz Olivares, Nelson da Cunha Paes Leme, e Bernardo Espin Garcia, para assessorar a Delegacia Seccional de Bauru no 'Caso Mara Lucia'.
Policiais tarimbados, diligenciaram o provável itinerário feito pela vítima e assassino, desde a Rua Benjamin Constant – da calçada da residência de Mara Lucia ao número 8-61, e daí, pela Rua Professor José Ranieri até o lugar do crime, sistema casa a casa, "foram os moradores indagados e, incrivelmente, nenhum deles forneceu detalhes a respeito da passagem da vítima e seu presumível raptor, fato que achamos surpreendente visto ser rua de grande movimento".
Os investigadores, pela denúncia da jovem Aparecida da Rocha de Souza, que teria sido assediada por um homem com sotaque espanhol que a desejava por amante, ouviram Alcides Lúcio Ponties e o paraguaio Patrocínio Echeverrria; ambos eliminados do rol de suspeitos.
Nada acrescentaram às investigações em curso pelos policiais de Bauru, e o pequeno relatório apresentado foi repetitivo, com recomendações seguidas, que se devia ouvir com mais atenções a lavadeira Benedita Alves de Lima, de cujo local de trabalho se podia visualizar a área de serviço e banheiro da casa onde aconteceu o crime; persistir nas inquirições dos moradores das citadas ruas Benjamin Constant e Professor José Ranieri e travessas adjacentes, dentro de um perímetro razoável, tratando-se as duas vias de grande movimento.
Em dezembro de 1970, dia 08 de dezembro, quase nada avançaram suas investigações, sem a colaboração dos moradores da região onde ocorrera o crime.
Para os investigadores da capital, decepcionados na missão, era preciso trabalho mais acurado com os moradores no entorno para se descobrir testemunhas; e, de igual forma, recomendaram levantamentos junto aos possíveis pretendentes em alugar ou comprar a casa.
Aqueles policiais apontaram, ainda, a necessidade de melhor investigar a corda utilizada para o assassinato de Mara Lucia, suspeitando de certo Luiz que estaria de posse de um rolo da mesma, pertencente ao Ademar dos Santos, antigo morador da casa 8-61 – Professor José Ranieri.
Aconselharam averiguações pormenorizadas sobre o folheto do 'Curso de Madureza' junto ao corpo vítima, absurdamente seguidas à risca pelos chefes de equipes policiais.
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